Por Valério Arcary, no site A terra é redonda:
O que foi o nazi-fascismo?
Não foi somente um fenômeno alemão ou italiano, ou uma corrente reacionária de extrema-direita, ou o regime político que organizou o Holocausto. O fascismo, programaticamente, foi o partido da contrarrevolução mundial. Era uma das tendências da extrema-direita que defendia a necessidade do deslocamento da esquerda e das organizações dos trabalhadores com métodos de terror. Alcançou, nos anos trinta, crescente influência de massas em escala europeia e até internacional. Sua crescente audiência se explica, no contexto da grave crise social aberta pela Primeira Guerra Mundial, após o Tratado de Versailles, pelo impacto político da vitória da Revolução Russa, e o temor de novas revoluções.
Qual era a estratégia do nazifascismo?
Historicamente, a sua evolução conheceu dois momentos distintos: a afirmação de uma corrente fascista, e a instalação de um regime político fascista. Após a crise econômica de 1929, e na medida em que ficava mais clara a iminência de uma nova guerra mundial, o nazi-fascismo se afirmou como o partido da revanche nacional-imperialista, e da contrarrevolução mundial. Sua estratégia era a destruição da URSS, e a colonização do Leste europeu para conquistar o domínio do mundo instaurando formas neoescravistas de exploração e, no limite, o holocausto racista. O regime nazifascista era o regime da guerra contrarrevolucionária mundial, portanto, da destruição da civilização, tal como a conhecemos.
O que distingue o nazifascismo?
O fascismo é um movimento contrarrevolucionário da pequena burguesia desesperada que pode conquistar apoio entre segmentos mais elevados do proletariado. Mas o regime fascista é uma ditadura burguesa monolítica, que governa pelo terror de Estado, subjuga o funcionamento de outras instituições, como o Parlamento e o Judiciário, e responde à necessidade de destruição da esquerda, impondo a censura, a perseguição policial e os métodos de guerra civil. O nazi-fascismo do século XX teve distintas peculiaridades nacionais: na Itália foi cesarista, na Alemanha vingou o frenesi racista do antissemitismo, na Espanha o franquismo monarquista-centralista e, em Portugal o salazarismo nacional imperialista clerical.
O neofascismo é uma corrente internacional?
Vivemos na etapa posterior à restauração capitalista na ex-URSS, e o neofascismo do século XXI não pode ser igual ao fascismo do século XX. Ele surge depois de mais de meio século de concertação entre as potências da Tríade (EUA, União Europeia e Japão), depois de trinta anos de globalização financeira, e quarenta anos depois da derrota dos EUA no Vietnam. Não há a ameaça iminente de triunfo de revoluções socialistas.
Mas não há, também, perspectivas de regulação do aumento da desigualdade social através de reformas, ou de regulação no mercado mundial da crescente desigualdade entre centro e periferia. O neofascismo responde, em perspectiva internacional, ao agravamento da crise social em um contexto de longa estagnação econômica internacional, dez anos depois da crise de 2007/08, e à intensificação das rivalidades no mercado mundial com um giro nacional imperialista dos EUA sob Trump, sobretudo contra a China, que coloca no horizonte histórico, outra vez, o perigo de uma guerra mundial. O alinhamento incondicional de Bolsonaro com os EUA é um dos traços políticos fundamentais de sua estratégia.
O que caracteriza o bolsonarismo como neofascista?
O fascismo era a expressão do ódio ao bolchevismo e do medo de novas Revoluções de Outubro. O fascismo era a expressão política do racismo como ideologia de Estado para conquistar o domínio mundial. O bolsonarismo é o neofascismo em um país semiperiférico-dependente.
É uma corrente política que responde à crise do regime da Constituição de 1988, e ao ódio ao projeto igualitarista, ainda que seja sob a forma de um reformismo moderado, como o lulismo. Surgiu com peso de massas depois do golpe jurídico-parlamentar de 2016, como expressão radicalizada das franjas enfurecidas das mobilizações de classe média, desde 2015. Apoia-se em um profundo rancor social da pequena burguesia.
Responde à demanda de liderança forte face à corrupção na política e no governo; de comando diante do agravamento da crise da segurança pública; de ressentimento diante do aumento do peso dos impostos; de ruína dos pequenos negócios diante da regressão econômica; de pauperização diante da inflação dos custos da educação, saúde e segurança privadas; de ordem diante das greves e manifestações; de autoridade diante do impasse da disputa política entre as instituições; de orgulho nacional diante da regressão econômica. Responde, também, à nostalgia das duas décadas da ditadura militar. Não fosse isso o bastante, se alimenta com a politização do racismo, do machismo e da homofobia.
A ave de rapina não canta.
A desgraça não marca encontro.
A ignorância e o vento são o maior atrevimento.
(Sabedoria popular portuguesa)
Abriu-se um debate teórico-político, inclusive na esquerda, se Bolsonaro é ou não um neofascista. Este debate não é diletantismo. Exige rigor. Quais devem ser os critérios para a classificação de um movimento político? É preciso ser muito sério quando estudamos nossos inimigos. Quem não sabe contra quem luta não pode vencer.
Evidentemente, a qualificação de qualquer corrente política ou liderança de ultradireita como, sumariamente, fascista é uma generalização apressada, teoricamente, superficial e, politicamente, ineficaz. O neofascismo é um perigo tão sério que devemos ser serenos na sua definição. Toda a extrema-direita é radicalmente reacionária. Mas nem toda a extrema-direita é neofascista. É necessário avaliar e qualificar com cuidado nossos inimigos.
Não é um exagero retórico qualificar o bolsonarismo como neofascista? O regime político no Brasil ainda não foi deslocado, mas tampouco permanece intacto. O governo é uma coalizão de quatro grupos distintos de extrema-direita. O grupo neoliberal em torno de Paulo Guedes, o grupo militar autoritário em relação com o comando do Exército, o grupo da LavaJato de Sergio Moro e a fração bolsonarista. Não tem ainda uma tropa de choque de camisas negras. Mas tem relações com as milícias. E alimenta uma militância virulenta nas redes sociais.
Nenhuma corrente política pode ser compreendida examinando, somente, o programa que defende. Há que considerar outros fatores: natureza de classe; trajetória; relação com as instituições como o Congresso, o Judiciário ou com as Forças Armadas e, portanto, sua posição diante do regime político; relação que mantém, respectivamente, com a classe dominante e com a classe trabalhadora; que tipo de partido é o seu instrumento de luta; quais são as suas relações internacionais; de onde vem o dinheiro, ou quais são suas fontes de financiamento; e, sobretudo, qual é sua estratégia política.
A estratégia do bolsonarismo é transformar sua vitória política-eleitoral, de 2018, em uma derrota histórica da classe trabalhadora brasileira, imobilizando sua capacidade de luta por um longo período, como fez a contrarrevolução depois de 1964. Esse confronto é necessário para os ajustes econômico-sociais que pretende impor. Ele exige a subversão bonapartista autoritária do regime político construído nos últimos trinta anos. O bolsonarismo é um inimigo irreconciliável das liberdades democráticas.
A desgraça não marca encontro.
A ignorância e o vento são o maior atrevimento.
(Sabedoria popular portuguesa)
Abriu-se um debate teórico-político, inclusive na esquerda, se Bolsonaro é ou não um neofascista. Este debate não é diletantismo. Exige rigor. Quais devem ser os critérios para a classificação de um movimento político? É preciso ser muito sério quando estudamos nossos inimigos. Quem não sabe contra quem luta não pode vencer.
Evidentemente, a qualificação de qualquer corrente política ou liderança de ultradireita como, sumariamente, fascista é uma generalização apressada, teoricamente, superficial e, politicamente, ineficaz. O neofascismo é um perigo tão sério que devemos ser serenos na sua definição. Toda a extrema-direita é radicalmente reacionária. Mas nem toda a extrema-direita é neofascista. É necessário avaliar e qualificar com cuidado nossos inimigos.
Não é um exagero retórico qualificar o bolsonarismo como neofascista? O regime político no Brasil ainda não foi deslocado, mas tampouco permanece intacto. O governo é uma coalizão de quatro grupos distintos de extrema-direita. O grupo neoliberal em torno de Paulo Guedes, o grupo militar autoritário em relação com o comando do Exército, o grupo da LavaJato de Sergio Moro e a fração bolsonarista. Não tem ainda uma tropa de choque de camisas negras. Mas tem relações com as milícias. E alimenta uma militância virulenta nas redes sociais.
Nenhuma corrente política pode ser compreendida examinando, somente, o programa que defende. Há que considerar outros fatores: natureza de classe; trajetória; relação com as instituições como o Congresso, o Judiciário ou com as Forças Armadas e, portanto, sua posição diante do regime político; relação que mantém, respectivamente, com a classe dominante e com a classe trabalhadora; que tipo de partido é o seu instrumento de luta; quais são as suas relações internacionais; de onde vem o dinheiro, ou quais são suas fontes de financiamento; e, sobretudo, qual é sua estratégia política.
A estratégia do bolsonarismo é transformar sua vitória política-eleitoral, de 2018, em uma derrota histórica da classe trabalhadora brasileira, imobilizando sua capacidade de luta por um longo período, como fez a contrarrevolução depois de 1964. Esse confronto é necessário para os ajustes econômico-sociais que pretende impor. Ele exige a subversão bonapartista autoritária do regime político construído nos últimos trinta anos. O bolsonarismo é um inimigo irreconciliável das liberdades democráticas.
O que foi o nazi-fascismo?
Não foi somente um fenômeno alemão ou italiano, ou uma corrente reacionária de extrema-direita, ou o regime político que organizou o Holocausto. O fascismo, programaticamente, foi o partido da contrarrevolução mundial. Era uma das tendências da extrema-direita que defendia a necessidade do deslocamento da esquerda e das organizações dos trabalhadores com métodos de terror. Alcançou, nos anos trinta, crescente influência de massas em escala europeia e até internacional. Sua crescente audiência se explica, no contexto da grave crise social aberta pela Primeira Guerra Mundial, após o Tratado de Versailles, pelo impacto político da vitória da Revolução Russa, e o temor de novas revoluções.
Qual era a estratégia do nazifascismo?
Historicamente, a sua evolução conheceu dois momentos distintos: a afirmação de uma corrente fascista, e a instalação de um regime político fascista. Após a crise econômica de 1929, e na medida em que ficava mais clara a iminência de uma nova guerra mundial, o nazi-fascismo se afirmou como o partido da revanche nacional-imperialista, e da contrarrevolução mundial. Sua estratégia era a destruição da URSS, e a colonização do Leste europeu para conquistar o domínio do mundo instaurando formas neoescravistas de exploração e, no limite, o holocausto racista. O regime nazifascista era o regime da guerra contrarrevolucionária mundial, portanto, da destruição da civilização, tal como a conhecemos.
O que distingue o nazifascismo?
O fascismo é um movimento contrarrevolucionário da pequena burguesia desesperada que pode conquistar apoio entre segmentos mais elevados do proletariado. Mas o regime fascista é uma ditadura burguesa monolítica, que governa pelo terror de Estado, subjuga o funcionamento de outras instituições, como o Parlamento e o Judiciário, e responde à necessidade de destruição da esquerda, impondo a censura, a perseguição policial e os métodos de guerra civil. O nazi-fascismo do século XX teve distintas peculiaridades nacionais: na Itália foi cesarista, na Alemanha vingou o frenesi racista do antissemitismo, na Espanha o franquismo monarquista-centralista e, em Portugal o salazarismo nacional imperialista clerical.
O neofascismo é uma corrente internacional?
Vivemos na etapa posterior à restauração capitalista na ex-URSS, e o neofascismo do século XXI não pode ser igual ao fascismo do século XX. Ele surge depois de mais de meio século de concertação entre as potências da Tríade (EUA, União Europeia e Japão), depois de trinta anos de globalização financeira, e quarenta anos depois da derrota dos EUA no Vietnam. Não há a ameaça iminente de triunfo de revoluções socialistas.
Mas não há, também, perspectivas de regulação do aumento da desigualdade social através de reformas, ou de regulação no mercado mundial da crescente desigualdade entre centro e periferia. O neofascismo responde, em perspectiva internacional, ao agravamento da crise social em um contexto de longa estagnação econômica internacional, dez anos depois da crise de 2007/08, e à intensificação das rivalidades no mercado mundial com um giro nacional imperialista dos EUA sob Trump, sobretudo contra a China, que coloca no horizonte histórico, outra vez, o perigo de uma guerra mundial. O alinhamento incondicional de Bolsonaro com os EUA é um dos traços políticos fundamentais de sua estratégia.
O que caracteriza o bolsonarismo como neofascista?
O fascismo era a expressão do ódio ao bolchevismo e do medo de novas Revoluções de Outubro. O fascismo era a expressão política do racismo como ideologia de Estado para conquistar o domínio mundial. O bolsonarismo é o neofascismo em um país semiperiférico-dependente.
É uma corrente política que responde à crise do regime da Constituição de 1988, e ao ódio ao projeto igualitarista, ainda que seja sob a forma de um reformismo moderado, como o lulismo. Surgiu com peso de massas depois do golpe jurídico-parlamentar de 2016, como expressão radicalizada das franjas enfurecidas das mobilizações de classe média, desde 2015. Apoia-se em um profundo rancor social da pequena burguesia.
Responde à demanda de liderança forte face à corrupção na política e no governo; de comando diante do agravamento da crise da segurança pública; de ressentimento diante do aumento do peso dos impostos; de ruína dos pequenos negócios diante da regressão econômica; de pauperização diante da inflação dos custos da educação, saúde e segurança privadas; de ordem diante das greves e manifestações; de autoridade diante do impasse da disputa política entre as instituições; de orgulho nacional diante da regressão econômica. Responde, também, à nostalgia das duas décadas da ditadura militar. Não fosse isso o bastante, se alimenta com a politização do racismo, do machismo e da homofobia.
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