Por Tereza Cruvinel
Nesta quarta-feira os ministros do STF vão escolher entre ficar bem com os raivosos das ruas e das redes ou dar o primeiro passo em busca da remissão de seus pecados omissões que ajudaram a afundar o Brasil no pântano. Começarão a se redimir fazendo valer a Constituição, ainda que se tornem alvos daqueles que xingaram o falecido ministro Teori de “cabrita do Lulla” e foram à porta de sua casa ameaçar os parentes.
O início da remissão dos pecados exige aplicação irrestrita do entendimento majoritário da semana passada, de que delatados devem apresentar suas alegações finais só depois dos delatores, por mais que isso resulte em anulação de sentenças. É o preço da restauração do devido processo legal. Na sequência, deve o STF apreciar a arguição da parcialidade do ex-juiz Sergio Moro no julgamento do ex-presidente Lula, conforme requereu ontem sua defesa.
Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil, foi o primeiro a reclamar da apresentação de suas alegações finais ao mesmo tempo que os réus delatores. Afinal, a ampla defesa, uma garantia constitucional, só pode ocorrer quando as acusações são previamente conhecidas. A segunda turma deu-lhe razão e anulou a condenação, forçando o plenário do STF a se posicionar sobre o assunto. A decisão de quinta-feira passada foi por 6 votos a 3, faltando ainda votar o ministro Marco Aurélio e o presidente Dias Toffoli.
A sessão ainda nem tinha acabado quando os vencidos começaram a falar em “modulação”, que não mais do que é uma capitulação, a mitigação da decisão, evitando a anulação de pencas de condenações da Lava Jato. Isso enfureceria os raivosos do bolsonarismo lavajatista. Sim, Bolsonaro humilha Moro mas a tribo continua existindo, e acreditando na santa aliança. Ontem, nas redes, o que eles mais diziam é que, se as sentenças forem anuladas, os recursos recuperados de corruptos serão a eles devolvidos. É subestimar demais a inteligência dos brasileiros. Mas tem quem acredite.
Na quarta-feira, 25, véspera da decisão, eles espumavam na Praça dos Três Poderes: “STF, vergonha nacional”. A manifestação era de apoio à CPI da Lava Toga e em defesa do impeachment (genérico) de ministros do Supremo. A polícia os reprimiu e eles responderam lançando pedras portuguesas do piso da praça, que podem causar traumatismos cranianos letais. A raiva deles é grande porque Lula poderia estar entre os eventuais beneficiados. Mas Lula aqui é um ponto dentro da curva. Mais importante será a o restabelecimento do devido processo legal que a Lava Jato atropelou durante todos estes anos, sob os olhos complacentes do STF, o aplauso da mídia e o protesto ignorado da comunidade jurídica nacional e internacional.
Agora, temendo a bronca das ruas, a ideia de que o STF favorece corruptos, busca-se na corte a melhor fórmula de modulação. Barroso, o implacável, defende que a interpretação só venha a valer no futuro. Seu argumento é pífio: o entendimento vencedor não estaria expresso na lei infraconstitucional, embora o direito à ampla defensa seja tão cristalino na Constituição.
Toffolli estaria propenso a defender que tal entendimento só resulte na anulação das sentenças de condenados que reclamaram em tempo hábil, na primeira instância. Mas isso fere a isonomia, o princípio de que todos são iguais perante a lei. Na Justiça não pode valer o ditado de que quem não chora (na hora certa) não mama. Outra forma de modular, ou atenuar a aplicação da decisão, seria estabelecendo que só podem pedir anulação da sentença aqueles que demonstrarem ter sido prejudicados. Talvez esta seja a mais cotada hoje.
A primeira redenção, para o STF, seria então não modular, não capitular, não temer a raiva dos que odeiam as instituições, declarando a aplicação ampla e geral do entendimento da semana passada. E com isso, que venham as anulações de sentenças, de quantos se enquadrarem na situação. A culpa não é dos réus, é da onipotência do juiz (Moro) que pisoteou o devido processo legal. Em novo julgamento, havendo prova serão condenados.
Mas isso não basta. Se a Lava Jato passou de todos os limites, como já foi dito na corte, em seguida o STF deve apreciar a arguição de parcialidade de Moro, requerida pela defesa de Lula, que ontem recusou peremptoriamente a possibilidade de ir para o regime semi-aberto, por ter cumprido um sexto da pena. O que ele quer é demonstrar que foi vítima de law fare, do uso dos instrumentos da justiça para atingir o adversário político. No seu caso, para tirá-lo da disputa presidencial de 2018. Já os procuradores da Lava Jato, ao defenderam sua soltura, estariam buscando adiar ou enfraquecer a decisão do STF sobre a parcialidade de Moro.
Mas quem ainda tem dúvidas de que Moro e os procuradores perseguiram Lula? A Vaza Jato vem demonstrando isso à exaustão. Agora mesmo, em seu livro, o ex-procurador Janot conta que o procurador Dallagnol o pressionou a apresentar logo denúncia contra Lula por organização criminosa, para que ele pudesse denunciá-lo por lavagem de dinheiro, crime que exige o precedente. Não sendo atendido, ele inventou o power point fajuto em que Lula é apontado como chefe da orcrim.
Muitos foram os desmandos mas nenhum mais grave que o fato de terem vendido “peixe podre ao Supremo”, na metáfora do tucano Aloisio Nunes Ferreira, com o vazamento seletivo, ilegal e fora de hora da conversa Lula-Dilma de 16 de março de 2016, omitindo outras tantas que deixam claro as razões que o levaram a aceitar ser ministro dela: para tentar salvar o governo e impedir o impeachment, não para evitar a própria prisão.
Os pecados do Supremo
Gilmar Mendes comprou o peixe de Moro e da Lava Jato no caso da conversa Lula-Dilma e proibiu a então presidente de nomeá-lo ministro. Assim como Temer, Nunes Ferreira também reconhece agora que o impeachment não teria acontecido se Lula tivesse se tornado ministro. Gilmar diz que não se arrepende, decidiu com os dados disponíveis. Poderia ter buscando mais informação antes de decidir. Mas as críticas que tem feito a Lava Jato e a disposição para o enfrentamento de seus abusos são, para ele, uma primeira redenção.
Muitos são os pecados do conjunto do Supremo ao longo do percurso que nos trouxe até aqui. Quando Moro divulgou o grampo Lula-Dilma, apenas Teori Zavascki reclamou, passou-lhe um pito público. Os outros dez ministros fizeram vista grossa para o fato de que uma gravação que envolvia a presidente da República, com foro especial, só poderia ser liberada pelo STF.
No mesmo dia desse vazamento que foi determinante para a queda de Dilma, o STF homologou o rito do impeachment. Estava ocupado com a formalidade e absolutamente despreocupado com a trama que Moro comandava, para que o resultado político fosse alcançado.
Como revelado por Janot, Temer e Henrique Alves foram lhe pedir para que não apresentasse denúncia contra Eduardo Cunha, pois ele reagiria abrindo o processo de impeachment e jogando o país na instabilidade política. Janot não os atendeu e apresentou a denúncia mas o STF, através de Teori, relator da Lava Jato, só foi acolhê-la depois que a licença para o impeachment fora aprovada pela Câmara.
Muito do que se sabe hoje, graças sobretudo ao The Intercept, não era sabido então. Mas era evidente que tudo obedecia a uma bem cronometrada liturgia político-judicial com objetivos bem claros: derrubar Dilma e remover o PT do Governo, inviabilizar a candidatura de Lula e permitir a Temer e aos tucanos dois anos de governo em que, feitas as reformas que o mercado queria, teriam aplainado o caminho para a eleição de um nome da direita racional. Mas a semeadura do ódio e os ataques às instituições passaram das medidas e o Brasil acabou foi parindo Bolsonaro. E aqui estamos agora, esperando que o STF comece a colocar o vagão nos trilhos.
Nesta quarta-feira os ministros do STF vão escolher entre ficar bem com os raivosos das ruas e das redes ou dar o primeiro passo em busca da remissão de seus pecados omissões que ajudaram a afundar o Brasil no pântano. Começarão a se redimir fazendo valer a Constituição, ainda que se tornem alvos daqueles que xingaram o falecido ministro Teori de “cabrita do Lulla” e foram à porta de sua casa ameaçar os parentes.
O início da remissão dos pecados exige aplicação irrestrita do entendimento majoritário da semana passada, de que delatados devem apresentar suas alegações finais só depois dos delatores, por mais que isso resulte em anulação de sentenças. É o preço da restauração do devido processo legal. Na sequência, deve o STF apreciar a arguição da parcialidade do ex-juiz Sergio Moro no julgamento do ex-presidente Lula, conforme requereu ontem sua defesa.
Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil, foi o primeiro a reclamar da apresentação de suas alegações finais ao mesmo tempo que os réus delatores. Afinal, a ampla defesa, uma garantia constitucional, só pode ocorrer quando as acusações são previamente conhecidas. A segunda turma deu-lhe razão e anulou a condenação, forçando o plenário do STF a se posicionar sobre o assunto. A decisão de quinta-feira passada foi por 6 votos a 3, faltando ainda votar o ministro Marco Aurélio e o presidente Dias Toffoli.
A sessão ainda nem tinha acabado quando os vencidos começaram a falar em “modulação”, que não mais do que é uma capitulação, a mitigação da decisão, evitando a anulação de pencas de condenações da Lava Jato. Isso enfureceria os raivosos do bolsonarismo lavajatista. Sim, Bolsonaro humilha Moro mas a tribo continua existindo, e acreditando na santa aliança. Ontem, nas redes, o que eles mais diziam é que, se as sentenças forem anuladas, os recursos recuperados de corruptos serão a eles devolvidos. É subestimar demais a inteligência dos brasileiros. Mas tem quem acredite.
Na quarta-feira, 25, véspera da decisão, eles espumavam na Praça dos Três Poderes: “STF, vergonha nacional”. A manifestação era de apoio à CPI da Lava Toga e em defesa do impeachment (genérico) de ministros do Supremo. A polícia os reprimiu e eles responderam lançando pedras portuguesas do piso da praça, que podem causar traumatismos cranianos letais. A raiva deles é grande porque Lula poderia estar entre os eventuais beneficiados. Mas Lula aqui é um ponto dentro da curva. Mais importante será a o restabelecimento do devido processo legal que a Lava Jato atropelou durante todos estes anos, sob os olhos complacentes do STF, o aplauso da mídia e o protesto ignorado da comunidade jurídica nacional e internacional.
Agora, temendo a bronca das ruas, a ideia de que o STF favorece corruptos, busca-se na corte a melhor fórmula de modulação. Barroso, o implacável, defende que a interpretação só venha a valer no futuro. Seu argumento é pífio: o entendimento vencedor não estaria expresso na lei infraconstitucional, embora o direito à ampla defensa seja tão cristalino na Constituição.
Toffolli estaria propenso a defender que tal entendimento só resulte na anulação das sentenças de condenados que reclamaram em tempo hábil, na primeira instância. Mas isso fere a isonomia, o princípio de que todos são iguais perante a lei. Na Justiça não pode valer o ditado de que quem não chora (na hora certa) não mama. Outra forma de modular, ou atenuar a aplicação da decisão, seria estabelecendo que só podem pedir anulação da sentença aqueles que demonstrarem ter sido prejudicados. Talvez esta seja a mais cotada hoje.
A primeira redenção, para o STF, seria então não modular, não capitular, não temer a raiva dos que odeiam as instituições, declarando a aplicação ampla e geral do entendimento da semana passada. E com isso, que venham as anulações de sentenças, de quantos se enquadrarem na situação. A culpa não é dos réus, é da onipotência do juiz (Moro) que pisoteou o devido processo legal. Em novo julgamento, havendo prova serão condenados.
Mas isso não basta. Se a Lava Jato passou de todos os limites, como já foi dito na corte, em seguida o STF deve apreciar a arguição de parcialidade de Moro, requerida pela defesa de Lula, que ontem recusou peremptoriamente a possibilidade de ir para o regime semi-aberto, por ter cumprido um sexto da pena. O que ele quer é demonstrar que foi vítima de law fare, do uso dos instrumentos da justiça para atingir o adversário político. No seu caso, para tirá-lo da disputa presidencial de 2018. Já os procuradores da Lava Jato, ao defenderam sua soltura, estariam buscando adiar ou enfraquecer a decisão do STF sobre a parcialidade de Moro.
Mas quem ainda tem dúvidas de que Moro e os procuradores perseguiram Lula? A Vaza Jato vem demonstrando isso à exaustão. Agora mesmo, em seu livro, o ex-procurador Janot conta que o procurador Dallagnol o pressionou a apresentar logo denúncia contra Lula por organização criminosa, para que ele pudesse denunciá-lo por lavagem de dinheiro, crime que exige o precedente. Não sendo atendido, ele inventou o power point fajuto em que Lula é apontado como chefe da orcrim.
Muitos foram os desmandos mas nenhum mais grave que o fato de terem vendido “peixe podre ao Supremo”, na metáfora do tucano Aloisio Nunes Ferreira, com o vazamento seletivo, ilegal e fora de hora da conversa Lula-Dilma de 16 de março de 2016, omitindo outras tantas que deixam claro as razões que o levaram a aceitar ser ministro dela: para tentar salvar o governo e impedir o impeachment, não para evitar a própria prisão.
Os pecados do Supremo
Gilmar Mendes comprou o peixe de Moro e da Lava Jato no caso da conversa Lula-Dilma e proibiu a então presidente de nomeá-lo ministro. Assim como Temer, Nunes Ferreira também reconhece agora que o impeachment não teria acontecido se Lula tivesse se tornado ministro. Gilmar diz que não se arrepende, decidiu com os dados disponíveis. Poderia ter buscando mais informação antes de decidir. Mas as críticas que tem feito a Lava Jato e a disposição para o enfrentamento de seus abusos são, para ele, uma primeira redenção.
Muitos são os pecados do conjunto do Supremo ao longo do percurso que nos trouxe até aqui. Quando Moro divulgou o grampo Lula-Dilma, apenas Teori Zavascki reclamou, passou-lhe um pito público. Os outros dez ministros fizeram vista grossa para o fato de que uma gravação que envolvia a presidente da República, com foro especial, só poderia ser liberada pelo STF.
No mesmo dia desse vazamento que foi determinante para a queda de Dilma, o STF homologou o rito do impeachment. Estava ocupado com a formalidade e absolutamente despreocupado com a trama que Moro comandava, para que o resultado político fosse alcançado.
Como revelado por Janot, Temer e Henrique Alves foram lhe pedir para que não apresentasse denúncia contra Eduardo Cunha, pois ele reagiria abrindo o processo de impeachment e jogando o país na instabilidade política. Janot não os atendeu e apresentou a denúncia mas o STF, através de Teori, relator da Lava Jato, só foi acolhê-la depois que a licença para o impeachment fora aprovada pela Câmara.
Muito do que se sabe hoje, graças sobretudo ao The Intercept, não era sabido então. Mas era evidente que tudo obedecia a uma bem cronometrada liturgia político-judicial com objetivos bem claros: derrubar Dilma e remover o PT do Governo, inviabilizar a candidatura de Lula e permitir a Temer e aos tucanos dois anos de governo em que, feitas as reformas que o mercado queria, teriam aplainado o caminho para a eleição de um nome da direita racional. Mas a semeadura do ódio e os ataques às instituições passaram das medidas e o Brasil acabou foi parindo Bolsonaro. E aqui estamos agora, esperando que o STF comece a colocar o vagão nos trilhos.
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