Por Antonio Lassance, no site Carta Maior:
Esta retrospectiva começa com a constatação óbvia de que Bolsonaro e Guedes quebraram o Brasil. Claro, houve o Coronavírus e a ele se seguiu uma fortíssima recessão mundial.
Mas foram Bolsonaro, Guedes e sua legião de kamikazes antissociais - mais conhecidos como bolsominions - que levaram o país à beira do abismo. O Coronavírus apenas deu um empurrãozinho.
Bolsonaro e Guedes certamente não inventaram a tempestade perfeita. Eles só colocaram nosso barquinho no meio dela, da forma mais desprotegida possível.
Já em 2019, portanto, bem antes da Covid-19, um governo tóxico, para quem a palavra "viral" era elogio, instaurou um círculo vicioso de desgraça, dando a isso o eufemístico título de "reformas". Nos bastidores, graças a um áudio vazado, descobrimos o verdadeiro nome da coisa: "foda-se!". Esta é a insígnia desse pessoal.
Crueldade acima de tudo, estupidez acima de todos
Mal se abriu o ano de 2020 e a propaganda do governo comemorou a queda do PIB como prova de que seus esforços para dinamitar o setor público deram certo.
Só que o bumerangue que Bolsonaro e Guedes lançaram retornou à sua testa. A falta de investimentos públicos e o corte drástico na renda dos brasileiros retiraram estímulos ao crescimento da economia, contribuíram com o endividamento das famílias e anularam a benesse do crédito com juros baixos.
A deliberada má vontade para reverter ou pelo menos mitigar o desemprego e a explosão do trabalho precário - desprotegido e mal remunerado - tirou da arrecadação do governo recursos que antes vinham dos impostos sobre os assalariados, quem são quem mais paga tributos neste país.
Por um lapso cognitivo básico, Bolsonaro e Guedes se esqueceram que quem custeia a Previdência não é o governo, são as pessoas que pagam suas contribuições quando estão empregadas.
A precarização e o desemprego expuseram um imenso contingente de pessoas ao Coronavírus. As mortes que resultaram dessa pandemia tiveram como alvo fácil aqueles que vivem de trabalhar na rua.
Antes que essa doença se disseminasse, o governo se prestou ao requinte de crueldade de taxar o seguro desemprego, de retirar o desconto de imposto de renda da contratação de domésticas com carteira assinada e de atrasar a concessão do Bolsa Família, formando uma fila de mais 3,5 milhões de pessoas que mal têm onde morar e o que comer. Para essas brasileiras e brasileiros, 2020 terminou ainda mais cedo.
Tiro no pé
Desde 2019, o ataque ao ensino e à pesquisa levou a um recorde na fuga de profissionais qualificados do país, formados ao longo de décadas por todos nós, em escolas, universidades e centros de pesquisa públicos.
Em 2020, servidores públicos federais de alta remuneração se sentiram completos idiotas ao verem seu salário reduzido pelo governo em que votaram, de forma majoritária e entusiástica. Fizeram arminha e deram um tiro no pé.
O Ministério Público, depois de uma década e meia de atuação agressiva e tão livre quanto a tela branca de um PowerPoint, retrocedeu ao tempo em que seu chefe maior era conhecido como o engavetador-geral da nação. Alguns estão voltando até a usar pochetes, em homenagem aos anos 90.
Cavalo de Troia
Os militares, que foram tão essenciais para a construção do Estado nacional, viram desde 2019 seu legado para o país ser atacado, ameaçado e, em alguns casos, destruído.
Eles servem a um governo que é o maior Cavalo de Troia de sua história, um presente de grego que os associa às quarteladas, ao AI-5 e à tortura, e não ao que houve de melhor e mais nobre em sua contribuição ao país.
Para quem não se lembra, os militares foram decisivos para que o Brasil tivesse correios, telégrafos e proteção ao índio (marechal Cândido Rondon); Correio Aéreo Nacional, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (marechal Casimiro Montenegro Filho); Petrobrás (general Horta Barbosa); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Almirante Álvaro Alberto); saúde pública (muitos dos primeiros hospitais públicos federais eram militares); educação e engenharia (a Escola Militar da Praia Vermelha, de Benjamin Constant, foi durante muito tempo a única escola de engenharia do país).
Em 2020, os militares - das Forças Armadas e os da Polícia Militar - começaram a perceber que quem dá vivas a Brilhante Ustra não é visto saudando Benjamin Constant, Rondon, Horta Barbosa, Montenegro Filho, Álvaro Alberto e Juscelino Kubitschek - sim, JK, que era tenente coronel da PM de Minas.
Conhecereis o flagelo, e o flagelo os libertará
Precisou de um Coronavírus e de uma recessão para que fosse dada a pá de cal na desastrada agenda de privatizações. Aliás, os leilões foram fiascos desde quando quase ninguém se mostrou interessado em apostar suas fichas em um governo cujas decisões mais parecem surtos psicóticos. Mas, em 2020, a Covid-19 e a recessão deram um cala-boca no lero-lero privatista de Guedes.
Precisou de uma pandemia e da maior recessão que este país já viu, cujas consequências perdurarão pelos próximos anos, para que, pelo menos enquanto ela durar, se desse fim ao teto de gastos que fere de morte a saúde, a educação e a assistência social.
Precisou de um Coronavírus para o empresariado brasileiro, que um dia já foi representado por intelectuais e mecenas como Roberto Simonsen, Walther Moreira Salles e Antônio Ermírio de Moraes, começar a ter vergonha de ter, em sua comissão de frente, o sonegador que se veste de abacate com capa de cetim e cueca em cima do colã; o presidente da federação industrial que é um industrial falido; e o dono da maior casa de prostituição do país. Que fase!
Foram necessárias uma pandemia e uma recessão mundial para Bolsonaro perceber que seu governo, que já nasceu falido, foi encurtado e que o melhor que ele podia fazer, em benefício próprio, era arranjar uma desculpa para ser afastado. Daí ele ter surtado com o Coronavírus.
Em 2021, ele poderá se dedicar com exclusividade aos empregos que já exerce de comentarista de Twitter e apresentador de "live" de Facebook. E poderá continuar culpando alguém, que não ele mesmo, pela situação tétrica do país.
Poderá também se juntar a Collor de Mello entre os que reclamam que ia dar tudo certo no final, mas não os deixaram chegar ao final. Já podem rir. A piada é esta mesma.
Saúde e paz
Os que chegaram até aqui, neste 31 de dezembro de 2020, podem dizer que viveram para ver Olavo de Carvalho e Silas Malafaia se xingarem de pilantras e charlatães, e assistirem a governadores bolsonaristas como Caiado e Witzel chamarem seus eleitores de imbecis e irresponsáveis. Eles têm toda a razão.
Bem aventurados os que não se renderam ao reacionarismo e à intimidação.
Bem aventurados os que gastaram seu tempo explicando em WhatsApp que a Terra é redonda.
Bem aventurados até mesmo os que argumentaram que, se Lula e Dilma tivesse mesmo quebrado o país, não teriam deixado quase 400 bilhões de dólares em caixa (o que até hoje segura o dólar a menos de R$7,00).
Bem aventurados os que insistiram que não existe essa coisa de mamadeira de piroca.
Bem aventurados sejam. A histeria os absolverá.
É uma pena que tenha sido preciso uma pandemia para expor o pandemônio.
Saúde e paz a todos em 2021.
* Antonio Lassance é cientista político.
Esta retrospectiva começa com a constatação óbvia de que Bolsonaro e Guedes quebraram o Brasil. Claro, houve o Coronavírus e a ele se seguiu uma fortíssima recessão mundial.
Mas foram Bolsonaro, Guedes e sua legião de kamikazes antissociais - mais conhecidos como bolsominions - que levaram o país à beira do abismo. O Coronavírus apenas deu um empurrãozinho.
Bolsonaro e Guedes certamente não inventaram a tempestade perfeita. Eles só colocaram nosso barquinho no meio dela, da forma mais desprotegida possível.
Já em 2019, portanto, bem antes da Covid-19, um governo tóxico, para quem a palavra "viral" era elogio, instaurou um círculo vicioso de desgraça, dando a isso o eufemístico título de "reformas". Nos bastidores, graças a um áudio vazado, descobrimos o verdadeiro nome da coisa: "foda-se!". Esta é a insígnia desse pessoal.
Crueldade acima de tudo, estupidez acima de todos
Mal se abriu o ano de 2020 e a propaganda do governo comemorou a queda do PIB como prova de que seus esforços para dinamitar o setor público deram certo.
Só que o bumerangue que Bolsonaro e Guedes lançaram retornou à sua testa. A falta de investimentos públicos e o corte drástico na renda dos brasileiros retiraram estímulos ao crescimento da economia, contribuíram com o endividamento das famílias e anularam a benesse do crédito com juros baixos.
A deliberada má vontade para reverter ou pelo menos mitigar o desemprego e a explosão do trabalho precário - desprotegido e mal remunerado - tirou da arrecadação do governo recursos que antes vinham dos impostos sobre os assalariados, quem são quem mais paga tributos neste país.
Por um lapso cognitivo básico, Bolsonaro e Guedes se esqueceram que quem custeia a Previdência não é o governo, são as pessoas que pagam suas contribuições quando estão empregadas.
A precarização e o desemprego expuseram um imenso contingente de pessoas ao Coronavírus. As mortes que resultaram dessa pandemia tiveram como alvo fácil aqueles que vivem de trabalhar na rua.
Antes que essa doença se disseminasse, o governo se prestou ao requinte de crueldade de taxar o seguro desemprego, de retirar o desconto de imposto de renda da contratação de domésticas com carteira assinada e de atrasar a concessão do Bolsa Família, formando uma fila de mais 3,5 milhões de pessoas que mal têm onde morar e o que comer. Para essas brasileiras e brasileiros, 2020 terminou ainda mais cedo.
Tiro no pé
Desde 2019, o ataque ao ensino e à pesquisa levou a um recorde na fuga de profissionais qualificados do país, formados ao longo de décadas por todos nós, em escolas, universidades e centros de pesquisa públicos.
Em 2020, servidores públicos federais de alta remuneração se sentiram completos idiotas ao verem seu salário reduzido pelo governo em que votaram, de forma majoritária e entusiástica. Fizeram arminha e deram um tiro no pé.
O Ministério Público, depois de uma década e meia de atuação agressiva e tão livre quanto a tela branca de um PowerPoint, retrocedeu ao tempo em que seu chefe maior era conhecido como o engavetador-geral da nação. Alguns estão voltando até a usar pochetes, em homenagem aos anos 90.
Cavalo de Troia
Os militares, que foram tão essenciais para a construção do Estado nacional, viram desde 2019 seu legado para o país ser atacado, ameaçado e, em alguns casos, destruído.
Eles servem a um governo que é o maior Cavalo de Troia de sua história, um presente de grego que os associa às quarteladas, ao AI-5 e à tortura, e não ao que houve de melhor e mais nobre em sua contribuição ao país.
Para quem não se lembra, os militares foram decisivos para que o Brasil tivesse correios, telégrafos e proteção ao índio (marechal Cândido Rondon); Correio Aéreo Nacional, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (marechal Casimiro Montenegro Filho); Petrobrás (general Horta Barbosa); Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Almirante Álvaro Alberto); saúde pública (muitos dos primeiros hospitais públicos federais eram militares); educação e engenharia (a Escola Militar da Praia Vermelha, de Benjamin Constant, foi durante muito tempo a única escola de engenharia do país).
Em 2020, os militares - das Forças Armadas e os da Polícia Militar - começaram a perceber que quem dá vivas a Brilhante Ustra não é visto saudando Benjamin Constant, Rondon, Horta Barbosa, Montenegro Filho, Álvaro Alberto e Juscelino Kubitschek - sim, JK, que era tenente coronel da PM de Minas.
Conhecereis o flagelo, e o flagelo os libertará
Precisou de um Coronavírus e de uma recessão para que fosse dada a pá de cal na desastrada agenda de privatizações. Aliás, os leilões foram fiascos desde quando quase ninguém se mostrou interessado em apostar suas fichas em um governo cujas decisões mais parecem surtos psicóticos. Mas, em 2020, a Covid-19 e a recessão deram um cala-boca no lero-lero privatista de Guedes.
Precisou de uma pandemia e da maior recessão que este país já viu, cujas consequências perdurarão pelos próximos anos, para que, pelo menos enquanto ela durar, se desse fim ao teto de gastos que fere de morte a saúde, a educação e a assistência social.
Precisou de um Coronavírus para o empresariado brasileiro, que um dia já foi representado por intelectuais e mecenas como Roberto Simonsen, Walther Moreira Salles e Antônio Ermírio de Moraes, começar a ter vergonha de ter, em sua comissão de frente, o sonegador que se veste de abacate com capa de cetim e cueca em cima do colã; o presidente da federação industrial que é um industrial falido; e o dono da maior casa de prostituição do país. Que fase!
Foram necessárias uma pandemia e uma recessão mundial para Bolsonaro perceber que seu governo, que já nasceu falido, foi encurtado e que o melhor que ele podia fazer, em benefício próprio, era arranjar uma desculpa para ser afastado. Daí ele ter surtado com o Coronavírus.
Em 2021, ele poderá se dedicar com exclusividade aos empregos que já exerce de comentarista de Twitter e apresentador de "live" de Facebook. E poderá continuar culpando alguém, que não ele mesmo, pela situação tétrica do país.
Poderá também se juntar a Collor de Mello entre os que reclamam que ia dar tudo certo no final, mas não os deixaram chegar ao final. Já podem rir. A piada é esta mesma.
Saúde e paz
Os que chegaram até aqui, neste 31 de dezembro de 2020, podem dizer que viveram para ver Olavo de Carvalho e Silas Malafaia se xingarem de pilantras e charlatães, e assistirem a governadores bolsonaristas como Caiado e Witzel chamarem seus eleitores de imbecis e irresponsáveis. Eles têm toda a razão.
Bem aventurados os que não se renderam ao reacionarismo e à intimidação.
Bem aventurados os que gastaram seu tempo explicando em WhatsApp que a Terra é redonda.
Bem aventurados até mesmo os que argumentaram que, se Lula e Dilma tivesse mesmo quebrado o país, não teriam deixado quase 400 bilhões de dólares em caixa (o que até hoje segura o dólar a menos de R$7,00).
Bem aventurados os que insistiram que não existe essa coisa de mamadeira de piroca.
Bem aventurados sejam. A histeria os absolverá.
É uma pena que tenha sido preciso uma pandemia para expor o pandemônio.
Saúde e paz a todos em 2021.
* Antonio Lassance é cientista político.
0 comentários:
Postar um comentário