Por Almir Felitte, no site Outras Palavras:
Desde que o tucano Aécio Neves resolveu juntar sua turma para dizer publicamente que não aceitaria os resultados das eleições de 2014, calmaria tem sido raridade na política brasileira. Com um golpe via impeachment contra Dilma, um governo ilegítimo de Temer sem qualquer tipo de apoio popular e uma eleição de Bolsonaro decidida por mentiras absurdas, qualquer brasileiro que tenha falado em normalidade democrática nos últimos 6 anos ou é muito ingênuo ou está do lado que venceu.
Levando o país ao que deve ser a crise econômica mais persistente e, agora, também a mais profunda da nossa história, o rompimento democrático ganhou dois aceleradores nos últimos tempos: Bolsonaro e o coronavírus. Se o Brasil já indicava que desceria a ladeira com os resultados econômicos previsivelmente pífios da agenda liberal de Guedes e as pernadas autoritárias de Bolsonaro, a crise mundial causada pela pandemia parece ter encontrado em nosso país o Governo ideal para experimentar as suas consequências mais dramáticas.
Oscilando entre a incapacidade e a maldade, Bolsonaro segue levando o país rumo a uma tragédia anunciada que já contabiliza milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas, não fosse o negacionismo suicida de nosso Governo. Porém, a atitude do Presidente, que já é vista como um deboche contra seu próprio povo, parece finalmente ter levado Bolsonaro a um ponto insustentável até mesmo entre os grupos que o levaram ao Palácio do Planalto. Assim, 16 meses após sua posse, várias cartas que podem derrubar o inapto Presidente já estão sobre a mesa.
A primeira delas, mais óbvia e ainda recente na memória do povo brasileiro, é a do impeachment. Nela, um pedido que pode ser realizado por qualquer cidadão, justificado por um crime de responsabilidade de Bolsonaro, chegaria à Câmara dos Deputados, ficando a cargo do Presidente da Casa, Rodrigo Maia, aceita-lo ou não. Uma vez aceita, a denúncia seria submetida ao plenário, que poderia autorizar o processo com o voto de 2/3 do total de deputados. Com isso, Bolsonaro seria afastado até o julgamento final de seu processo de impedimento pelo Senado.
Os crimes de responsabilidade estão previstos no artigo 85 da Constituição e na Lei 1.079/50. Quem quiser dar uma conferida não vai precisar de muito conhecimento jurídico para perceber que Bolsonaro comete pelo menos um deles por dia.
O impeachment, porém, é o caminho mais político e, ao menos por enquanto, o que mostra menos chances de derrubar Bolsonaro, ainda que, pelo menos até 25 de abril, 29 pedidos de impeachment já tenham chegado à mesa de Rodrigo Maia. O Presidente da Câmara, por outro lado, vem demonstrando distância da possibilidade, sempre afirmando que esta não seria a prioridade do país no momento.
Vale lembrar que Maia é o mesmo que, desde o Governo Temer, chefia o trator das reformas liberais que passou por cima dos trabalhadores na Câmara dos Deputados e, nesse ponto, ele, seu DEM e toda a direita parlamentar andam de mãos dadas com Bolsonaro e Guedes. É de se perguntar até que ponto Maia, como representante do patronato brasileiro, estaria realmente insatisfeito com o Governo a ponto de liderar um processo para derrubá-lo, ainda que ele tenha virado vítima constante das “milícias online” bolsonaristas que, convenhamos, já enquadraram praticamente todo e qualquer brasileiro sem sobrenome Bolsonaro nessa extensa lista de inimigos.
Por outro lado, as recentes tentativas de aproximação entre Bolsonaro e o chamado “Centrão” (aquele velho grupo de partidos de direita que ocupam o Congresso com o objetivo exclusivo de realizar negociatas) mostram que o Presidente já não se sente completamente protegido pelo Congresso. Sem partido e a todo momento perdendo protagonismo até mesmo pra figuras medíocres como Mandetta, possivelmente Bolsonaro já não está mais tão seguro quanto no primeiro dia de seu governo.
Outro caminho seria o afastamento de Bolsonaro para julgamento por crime comum. Neste caso, uma denúncia realizada pela Procuradoria Geral da República só poderá ser recebida pelo STF com a autorização de 2/3 da Câmara dos Deputados, ocasião em que o Presidente já seria afastado enquanto aguarda seu julgamento final pela Suprema Corte (e não pelo Senado).
Nesse sentido, algumas possibilidades de concretização já surgiram. Nesta segunda (27), o Ministro Celso de Mello autorizou a abertura de inquérito para investigar acusações que Sérgio Moro, em sua explosiva demissão, fez a Bolsonaro, que claramente vem tentando interferir no trabalho da Polícia Federal, enquanto esta fecha o cerco contra seu esquema de “fake news”.
O resultado dessa movimentação, porém, é de difícil previsão, já que depende, primeiro, da ação de um Procurador Geral da República (Augusto Aras) recentemente nomeado pelo próprio Bolsonaro, podendo culminar apenas em denúncias contra Sérgio Moro que, ao que tudo indica, também pode ter cometido crimes comuns em suas relações espúrias com o Presidente.
Desse modo, a discussão em torno de um afastamento de Bolsonaro por crime comum levanta mais dúvidas do que respostas. Quais seriam os impactos do rompimento entre Bolsonaro e Moro? Num país regido mais por vontades privadas do que pelas leis, a que vontade Aras vai ceder? A do Presidente que o nomeou ou a da “turma lavajatista” do MPF? Teremos novos “tweets” de Generais quando a decisão voltar ao STF? Além disso, a necessidade de autorização pela Câmara dos Deputados repete os outros pontos já debatidos aqui, apesar de menos centralizados na figura de Maia neste caso.
Por fim, há, ainda, a saída puramente política da pressão pela renúncia de Bolsonaro, que ainda parece distante de chegar a este ponto, mas está, sem dúvidas, cada dia mais acuado. Em Brasília, pululam as notícias de que, por motivos diferentes, o cerco estaria cada dia mais fechado para os filhos do Presidente.
De um lado, o The Intercept publicou documentos que mostram que o Ministério Público do RJ já organizou provas do envolvimento de Flavio Bolsonaro com o loteamento ilegal de imóveis na Zona Oeste carioca pela milícia através do esquema de rachadinha. A mesma milícia suspeita de assassinar Marielle. Por outro lado, a imprensa informou amplamente que a Polícia Federal teria finalmente comprovado o envolvimento de Carlos Bolsonaro com o escândalo das “fake news” que, entre outros, atingiu em cheio a honra de Ministros da Suprema Corte do país.
Com esse cenário, não é à toa que alguns veículos da grande mídia já têm ventilado a possibilidade de que o Presidente poderia aceitar uma renúncia em troca do perdão a seus enrolados filhos. Mas esse caminho, é preciso que se diga, não passa de mera especulação de jornalistas até agora. O isolamento de Bolsonaro e as denúncias pesadas contra sua família, porém, fazem com que a tese pareça cada dia menos distante da realidade.
Note-se que, até aqui, somente instrumentos institucionais e ações envolvendo autoridades foram citadas. Nenhum dos caminhos apresentados contam com qualquer tipo de participação do povo. E, perdoem o pessimismo, mas, após 6 anos de intenso rompimento democrático, não parece que será num momento de isolamento social forçado pela pandemia que a vontade popular vai voltar a ter alguma força decisória no país.
Em todo o caso, nunca se viu a conjuntura política mudar de forma tão rápida no Brasil. O que se comprova hoje é refutado amanhã e não é este artigo que terá a intenção de fazer as vezes de bola de cristal para prever o tão incerto futuro brasileiro. Esta coluna teve a única intenção de analisar as cartas já postas na mesa que podem ou não culminar com a queda de Bolsonaro. Outras tantas perguntas que poderiam ajudar em tal análise seguem sem resposta.
Duas delas, possivelmente relacionadas, podem ser centrais para entender este período triste que vivemos. Que força política ainda dá sustento a Bolsonaro? E que papel têm os militares no atual cenário político do Brasil?
Desde que o tucano Aécio Neves resolveu juntar sua turma para dizer publicamente que não aceitaria os resultados das eleições de 2014, calmaria tem sido raridade na política brasileira. Com um golpe via impeachment contra Dilma, um governo ilegítimo de Temer sem qualquer tipo de apoio popular e uma eleição de Bolsonaro decidida por mentiras absurdas, qualquer brasileiro que tenha falado em normalidade democrática nos últimos 6 anos ou é muito ingênuo ou está do lado que venceu.
Levando o país ao que deve ser a crise econômica mais persistente e, agora, também a mais profunda da nossa história, o rompimento democrático ganhou dois aceleradores nos últimos tempos: Bolsonaro e o coronavírus. Se o Brasil já indicava que desceria a ladeira com os resultados econômicos previsivelmente pífios da agenda liberal de Guedes e as pernadas autoritárias de Bolsonaro, a crise mundial causada pela pandemia parece ter encontrado em nosso país o Governo ideal para experimentar as suas consequências mais dramáticas.
Oscilando entre a incapacidade e a maldade, Bolsonaro segue levando o país rumo a uma tragédia anunciada que já contabiliza milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas, não fosse o negacionismo suicida de nosso Governo. Porém, a atitude do Presidente, que já é vista como um deboche contra seu próprio povo, parece finalmente ter levado Bolsonaro a um ponto insustentável até mesmo entre os grupos que o levaram ao Palácio do Planalto. Assim, 16 meses após sua posse, várias cartas que podem derrubar o inapto Presidente já estão sobre a mesa.
A primeira delas, mais óbvia e ainda recente na memória do povo brasileiro, é a do impeachment. Nela, um pedido que pode ser realizado por qualquer cidadão, justificado por um crime de responsabilidade de Bolsonaro, chegaria à Câmara dos Deputados, ficando a cargo do Presidente da Casa, Rodrigo Maia, aceita-lo ou não. Uma vez aceita, a denúncia seria submetida ao plenário, que poderia autorizar o processo com o voto de 2/3 do total de deputados. Com isso, Bolsonaro seria afastado até o julgamento final de seu processo de impedimento pelo Senado.
Os crimes de responsabilidade estão previstos no artigo 85 da Constituição e na Lei 1.079/50. Quem quiser dar uma conferida não vai precisar de muito conhecimento jurídico para perceber que Bolsonaro comete pelo menos um deles por dia.
O impeachment, porém, é o caminho mais político e, ao menos por enquanto, o que mostra menos chances de derrubar Bolsonaro, ainda que, pelo menos até 25 de abril, 29 pedidos de impeachment já tenham chegado à mesa de Rodrigo Maia. O Presidente da Câmara, por outro lado, vem demonstrando distância da possibilidade, sempre afirmando que esta não seria a prioridade do país no momento.
Vale lembrar que Maia é o mesmo que, desde o Governo Temer, chefia o trator das reformas liberais que passou por cima dos trabalhadores na Câmara dos Deputados e, nesse ponto, ele, seu DEM e toda a direita parlamentar andam de mãos dadas com Bolsonaro e Guedes. É de se perguntar até que ponto Maia, como representante do patronato brasileiro, estaria realmente insatisfeito com o Governo a ponto de liderar um processo para derrubá-lo, ainda que ele tenha virado vítima constante das “milícias online” bolsonaristas que, convenhamos, já enquadraram praticamente todo e qualquer brasileiro sem sobrenome Bolsonaro nessa extensa lista de inimigos.
Por outro lado, as recentes tentativas de aproximação entre Bolsonaro e o chamado “Centrão” (aquele velho grupo de partidos de direita que ocupam o Congresso com o objetivo exclusivo de realizar negociatas) mostram que o Presidente já não se sente completamente protegido pelo Congresso. Sem partido e a todo momento perdendo protagonismo até mesmo pra figuras medíocres como Mandetta, possivelmente Bolsonaro já não está mais tão seguro quanto no primeiro dia de seu governo.
Outro caminho seria o afastamento de Bolsonaro para julgamento por crime comum. Neste caso, uma denúncia realizada pela Procuradoria Geral da República só poderá ser recebida pelo STF com a autorização de 2/3 da Câmara dos Deputados, ocasião em que o Presidente já seria afastado enquanto aguarda seu julgamento final pela Suprema Corte (e não pelo Senado).
Nesse sentido, algumas possibilidades de concretização já surgiram. Nesta segunda (27), o Ministro Celso de Mello autorizou a abertura de inquérito para investigar acusações que Sérgio Moro, em sua explosiva demissão, fez a Bolsonaro, que claramente vem tentando interferir no trabalho da Polícia Federal, enquanto esta fecha o cerco contra seu esquema de “fake news”.
O resultado dessa movimentação, porém, é de difícil previsão, já que depende, primeiro, da ação de um Procurador Geral da República (Augusto Aras) recentemente nomeado pelo próprio Bolsonaro, podendo culminar apenas em denúncias contra Sérgio Moro que, ao que tudo indica, também pode ter cometido crimes comuns em suas relações espúrias com o Presidente.
Desse modo, a discussão em torno de um afastamento de Bolsonaro por crime comum levanta mais dúvidas do que respostas. Quais seriam os impactos do rompimento entre Bolsonaro e Moro? Num país regido mais por vontades privadas do que pelas leis, a que vontade Aras vai ceder? A do Presidente que o nomeou ou a da “turma lavajatista” do MPF? Teremos novos “tweets” de Generais quando a decisão voltar ao STF? Além disso, a necessidade de autorização pela Câmara dos Deputados repete os outros pontos já debatidos aqui, apesar de menos centralizados na figura de Maia neste caso.
Por fim, há, ainda, a saída puramente política da pressão pela renúncia de Bolsonaro, que ainda parece distante de chegar a este ponto, mas está, sem dúvidas, cada dia mais acuado. Em Brasília, pululam as notícias de que, por motivos diferentes, o cerco estaria cada dia mais fechado para os filhos do Presidente.
De um lado, o The Intercept publicou documentos que mostram que o Ministério Público do RJ já organizou provas do envolvimento de Flavio Bolsonaro com o loteamento ilegal de imóveis na Zona Oeste carioca pela milícia através do esquema de rachadinha. A mesma milícia suspeita de assassinar Marielle. Por outro lado, a imprensa informou amplamente que a Polícia Federal teria finalmente comprovado o envolvimento de Carlos Bolsonaro com o escândalo das “fake news” que, entre outros, atingiu em cheio a honra de Ministros da Suprema Corte do país.
Com esse cenário, não é à toa que alguns veículos da grande mídia já têm ventilado a possibilidade de que o Presidente poderia aceitar uma renúncia em troca do perdão a seus enrolados filhos. Mas esse caminho, é preciso que se diga, não passa de mera especulação de jornalistas até agora. O isolamento de Bolsonaro e as denúncias pesadas contra sua família, porém, fazem com que a tese pareça cada dia menos distante da realidade.
Note-se que, até aqui, somente instrumentos institucionais e ações envolvendo autoridades foram citadas. Nenhum dos caminhos apresentados contam com qualquer tipo de participação do povo. E, perdoem o pessimismo, mas, após 6 anos de intenso rompimento democrático, não parece que será num momento de isolamento social forçado pela pandemia que a vontade popular vai voltar a ter alguma força decisória no país.
Em todo o caso, nunca se viu a conjuntura política mudar de forma tão rápida no Brasil. O que se comprova hoje é refutado amanhã e não é este artigo que terá a intenção de fazer as vezes de bola de cristal para prever o tão incerto futuro brasileiro. Esta coluna teve a única intenção de analisar as cartas já postas na mesa que podem ou não culminar com a queda de Bolsonaro. Outras tantas perguntas que poderiam ajudar em tal análise seguem sem resposta.
Duas delas, possivelmente relacionadas, podem ser centrais para entender este período triste que vivemos. Que força política ainda dá sustento a Bolsonaro? E que papel têm os militares no atual cenário político do Brasil?
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