Ilustração: Pete Kreiner |
Há 76 anos, em setembro de 1945, a 2ª Guerra Mundial foi oficialmente encerrada, marcando a derrota militar do nazi-fascismo. Isso não significou, entretanto, a extirpação definitiva desta variante político-ideológica monstruosa gestada pelo próprio capitalismo, que é o nazi-fascismo.
Como adverte Roger Griffin, é um completo equívoco histórico considerar-se o fascismo um fenômeno circunscrito ao período entreguerras [1914/1945]. Na visão do historiador inglês, o fascismo é uma vertente intrínseca ao capitalismo que se apresenta de modo exacerbado como escape do sistema em momentos de agudização das suas crises cíclicas.
A extrema-direita fascista, que durante várias décadas do pós-guerra alternou momentos de “dormência” com outros momentos de ativismo público e aberto, neste século 21 assumiu considerável proeminência. E com impressionante adesão social de massas.
Figuras de proa deste movimento ocuparam e/ou ocupam a cena pública mundial e, mais alarmante, governos nacionais, como Salvini na Itália, Duterte nas Filipinas, Bukele em El Salvador, Trump nos EUA, Orban na Hungria, Morawiecki na Polônia e Bolsonaro no Brasil. Assim como com Hitler, todos ascenderam ao poder pela via eleitoral.
Michel Gherman e Natalia Pasternak arremataram o artigo Prevent Senior repete práticas nazistas e serve de alerta para o país [Folha, 10/10] alertando que “Não fazer essa comparação agora, entre o governo brasileiro, a Prevent Senior, e o nazismo, seria perder a oportunidade de impedir o final do caminho. É melhor não deixarmos para fazer essa inevitável comparação quando já for tarde demais”.
Esta advertência deve ser levada em consideração, sob pena de nos arrependermos quando o leite já estiver derramado e os fatos já estiverem consumados de modo irreversível – ou seja, quando “já for tarde demais” para se “impedir o final do caminho”.
O depoimento de Tadeu de Andrade, sobrevivente do “campo de concentração da Prevent” e salvo graças à intervenção da família desconfiada dos procedimentos da empresa, é estarrecedor: “sou testemunha viva da política criminosa dessa corporação e de seus dirigentes”, declarou à CPI da COVID.
A Prevent Senior, empresa privada que explora comercialmente a saúde humana, tem como nicho de atuação pessoas idosas – por suposto, daí a designação “senior” do negócio. Como “seniors” portam comorbidades, ficam mais sujeitos às “mortes naturais” da idade.
Se os custos para tratamento e cura dos clientes se elevam e comprometem a rentabilidade do negócio, a empresa condena-os a cuidados paliativos – o equivalente, neste caso, à morte forçada, não autorizada – para conter despesas de tratamento e, assim, maximizar a margem de lucro.
As monstruosidades denunciadas jamais poderiam ter acontecido se o governo e os órgãos federais de controle como a Agência Nacional de Saúde Suplementar, Ministério da Saúde, MPF, ANVISA – e, também, o Conselho Federal de Medicina [CFM], que é uma autarquia pública federal – cumprissem suas obrigações legais em defesa da vida e da saúde humana.
Deu-se, entretanto, o contrário. O que se observou foi a formação de um consórcio de interesses ideológico-comerciais macabros: a Prevent fez experimentos ilegais com seres humanos, sem autorização das Comissões de ética em pesquisa e com o propósito de fornecer fundamentos falsos para sustentar a posição doutrinária do governo. Em contrapartida, obteve anteparo institucional para rentabilizar ao máximo seu comércio infame. Afinal, “óbito também é alta”!
O presidente do CFM Mauro Ribeiro sabe que “não existe nenhuma evidência científica que comprove alguma eficácia da hidroxicloroquina”. Apesar disso, “numa decisão fora das nossas normas” – ilegal, portanto, – “acabamos liberando o uso da hidroxicloroquina”, disse ele.
O dirigente médico assumiu ter agido de maneira dolosa e em desrespeito à ciência para legitimar o discurso nazi-bolsonarista oficial. Ele se orgulha que, em recompensa, “todas nossas reivindicações foram atendidas pelo presidente, todas nossas reivindicações”. Chama atenção que este personagem – assim como outros implicados – ainda não estejam presos preventivamente, como corresponderia a perpetradores de crimes contra a humanidade.
Os experimentos macabros da Prevent Senior precisam ser analisados pelo que são de fato: práticas monstruosas cujos parentescos históricos mais próximos são Auschwitz e os campos de concentração nazistas.
Tais experimentos, para prosperarem como prosperaram, no mínimo precisam contar com o consentimento e/ou com o estímulo oficial, como de fato contaram, pois o governo conhecia esta macabra realidade desde abril de 2020 e a deixou continuar.
Tão assombroso e bárbaro como os experimentos nazi-bolsonaristas é a tolerância e a cumplicidade das oligarquias dominantes que, a despeito da barbárie, decidem-se por manter seu Hitler tupiniquim no poder. Afinal, o “plano-Prevent” de saqueio e pilhagem do Brasil é altamente recompensador.
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