O mundo observa atento o cerco a Kiev, capital ucraniana. Mas é no sul do país que as tropas de Vladimir Putin podem colher vitória mais significativa nos próximos dias.
Desde o início da guerra, a Rússia tenta criar, na região do Mar Negro e do Mar de Azov, um corredor terrestre que ligue a Península da Criméia (sob controle de Moscou desde 2014) às regiões autônomas de Donetsk e Lugansk.
A nordeste da Criméia, os russos já conquistaram as áreas de Melitopol e Berdyansk; agora, cercam o porto estratégico de Mariupol - defendido pelo Batalhão Azov, agrupamento neonazista incorporado ao exército ucraniano.
Na direção noroeste, seguindo o litoral do Mar Negro, os russos dominaram Kherson e tentam capturar Mykholaiv, aproximando-se da batalha decisiva pelo controle da histórica cidade de Odessa, onde Eiseinstein rodou o histórico filme Encouraçado Potenkin (a famosa cena das escadarias foi gravada no cenário que é um dos pontos turísticos da cidade, que agora se prepara para um combate decisivo).
Se Putin ganhar a batalha de Odessa, pode cumprir dois objetivos:
- criar um extenso território pró Rússia, que vai das repúblicas autônomas de Donetsk e Lugansk, passando por Mariupol, Criméia, Odessa, e terminando na região da Transnítria - estreito enclave na Moldávia, onde cerca de 500 mil pessoas vivem sob governo alinhado a Moscou e não à lei moldava;
- fechar o acesso da Ucrânia ao Mar Negro.
Por que esses dois objetivos seriam tão importantes?
Ora, muita gente tem dito que Putin errou ao entrar na Ucrânia porque, mesmo derrotando o Exército inimigo, ficaria com a ingrata tarefa de administrar um país ocupado.
E se a estratégia de Putin não for ocupar, mas desossar e fatiar a Ucrânia?
Sem saída para o mar, uma Ucrânia pós conflito perderia peso geopolítico, mesmo se conseguisse manter um governo independente.
A negociação para retirada das tropas russas, se vier, ocorrerá sobre nova situação real construída a partir do campo de batalha.
Putin poderia se retirar, após destruir a infra estrutura econômica e militar do vizinho, mas manteria um colchão territorial no sul e no leste da Ucrânia, como margem de segurança.
Uma "nova" Ucrânia, desossada e mais fraca, pode até sonhar ainda com o ingresso na Europa. Mas terá outro mapa, e outro peso político.
Se a estratégia de Putin vingar no sul, a OTAN terá que buscar outras porções da Europa para fustigar a Rússia: talvez ao norte, na Finlândia.
Os russos terão conquistado uma vitória geopolítica e militar importante, mas a um custo dramático para a economia e a imagem do país no chamado mundo ocidental.
Putin se encaminhará para o trecho final de seu longo percurso político como o estadista que tirou a Rússia da Europa e a colocou como aliada subordinada ao projeto chinês.
A China, esta sim, parece ser a única grande vencedora da Guerra da Ucrânia até aqui.
Uma guerra que desgasta a Rússia, expõe a decadência da Europa e a dificuldade dos EUA de controlar o mundo como única potência.
Além de destruir a Ucrânia e deslocar mais de 1 milhão de pessoas para as nações vizinhas.
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