quinta-feira, 21 de julho de 2022

A quantas anda o jornalismo econômico

Charge: Payam Boromand
Por César Locatelli

A entrevista do jornalista de economia José Paulo Kupfer, ao canal do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, tratou da assimetria de espaço, em favor do pensamento econômico conservador, nos meios de comunicação hegemônicos, da tensão entre dono do jornal e jornalistas e outras experiências de sua fecunda carreira de 55 anos.

“Sempre prestei atenção na falta de diversidade das visões econômicas reportadas pelo jornalismo econômico brasileiro”, afirmou Kupfer logo no início de sua entrevista ao Canal do Barão. E complementou: “A cobertura econômica, de política econômica, é muito desequilibrada, ela é enviesada para o lado de uma visão mais liberal da economia”.

Embora concordando com o desequilíbrio, é preciso acentuar que, a visão que Kupfer chama de “mais liberal”, certamente pode ser qualificada de “visão ortodoxa” e “visão conservadora” da economia. É esta visão, é esta linha ideológica, que está presente na quase totalidade das opiniões, emitidas em reportagens, colunas e editoriais, sobre política econômica que pululam nas mídias empresariais hegemônicas.

A surpresa, entretanto, veio do seu entendimento sobre as razões de tal desbalanceamento. Embora a opinião corrente, entre os progressistas, seja de que o desequilíbrio provém, quase que integralmente, dos interesses da empresa jornalística e da ideologia de seu grupo controlador, Kupfer o atribui à facilidade que os jornalistas têm de acesso a fontes de empresas e bancos, em contraposição às dificuldades (ou falta de interesse?) de se conhecer e contatar economistas progressistas ou heterodoxos.

“O que acontecia, na minha opinião, que fazia com que as fontes liberais fossem mais ouvidas é que essas fontes estavam na prateleira e o problema estava no jornalismo, nos jornalistas que produziam, e ainda produzem, o que eu chamo de jornalismo de prateleira. Você vai lá na prateleira pega a fonte, o economista XPTO, economista-chefe do banco ABC e pronto. Esse cara tem credibilidade, ele tem crédito e você resolve o seu problema, você pergunta e ele responde e, inclusive, você aprende com essa fonte”, opina ele.

A importância da tensão entre redação e administração

O desenvolvimento e a proliferação das redes sociais alteraram ligeiramente a configuração dos visíveis e dos invisíveis. Para ele: ‘até o advento das redes sociais, mais fortemente nos últimos poucos anos, as fontes não liberais, portanto, eram invisíveis para o jornalista”.

O equilíbrio, desejável para conferir credibilidade ao jornalismo econômico, não foi conquistado, mas, em seu entendimento mitigou-se ligeiramente a disparidade. Diz ele:

“O bom veículo de imprensa, minha experiência mostra isso, é aquele que funcionava, e que funciona, com tensão entre os jornalistas, as chefias da redação e os donos dos jornais.

(…)

Essa tensão (…) é uma coisa que deveria ser alimentada, porque ela é que faz o bom jornalismo, mas de toda maneira o desequilíbrio permanece. Está um pouco mitigado e é, na minha opinião, a soma do conforto de não perturbar a posição dos donos de veículos e ter as fontes mais acessíveis, à mão, simpáticas, sempre prontas a resolver o problema do jornalista, q ue é entender certas coisas e meter umas aspas no seu texto.”

A técnica como blindagem

Kupfer revelou a relação entre sua forma não ortodoxa de falar de economia e sua duradoura carreira na chamada grande imprensa. Com formação em economia, ele julga os programas e políticas econômicas a partir do filtro “o que aquilo pode trazer de bem-estar para a maioria dos viventes’. E busca dar um formato mais “técnico” para as conclusões que leva para seus textos:

“Eu sou mais técnico por causa da minha formação, mas muito também é uma blindagem, que hoje eu já não preciso mais, mas é uma blindagem que eu usei, uma armadura, para segurar as pontas nas redações da grande imprensa onde eu sempre trabalhei.”

A facilidade e o conforto conferidos pelas assessorias de imprensa ao trabalho dos jornalistas econômicos, bem como a falta de conhecimento da maioria dos jornalistas sobre as diversas correntes de pensamento econômico, parecem ser algumas das causas geradoras da desproporção de matérias, entrevistas e colunas que ouvem somente < /span>economistas conservadores. No entanto, basta uma rápida análise da posição ideológica da imensa maioria dos colunistas de economia nos jornais e TVs, e mesmo nos editoriais desses meios de comunicação, para se perceber que a restrição ao pensamento e aos economistas heterodoxos ou progressistas é severa.

Tapete voador: a imprensa vendedora de sonhos

As áreas do jornalismo que tratam de investimentos pessoais são assemelhadas a tapetes voadores, afirma Kupfer, em que o leitor embarca, e vai bem longe, numa viagem de quem vai investir “dois tostões por cinco anos e vai sair milionário”. Mas essas áreas não são as únicas vendedoras de sonhos:

“Eu trabalhei muitos anos, por duas vezes, na revista Exame. Ela é muito interessante nisso. Eu ficava pensando comigo: por que a gente dá 98 por cento de histórias de sucesso e dois por cento de histórias de fracasso, de negócios que deram errado, de caras que quebraram a cara quando, possivelmente, esses fracassos são mais pedagógicos, ensinam mais, podem ser mais úteis para quem está ;consumindo a revista.

Minha conclusão era que aquilo alí, a notícia na área de negócios, na área de investimento especialmente, a informação tinha aquela coisa dura da informação, o número, o 2 mais 2 igual a 4, mas tinha muito de sonho, de desejo de tapete voador. Até porque, a gente fazia a Exame mirando o presidente da empresa, mas sabia que ia ser lido pelo gerente da empresa.

(...)

E aí lá na velha Abril, que era o lugar das revistas, a gente descobria que as revistas todas tinham essa característica, não era só Exame, Playboy, Quatro Rodas aqueles carrões. Ninguém ia ter aqueles carros. Mas dava para sonhar, comprando na banca aqueles testes fantásticos, como é que o carro desempenhava, as mulheres da Playboy…”

José Paulo Kupfer conta que somente o título do livro que vai contar sua longa carreira está pronto: “Não é bem assim como eles estão dizendo”.

* Para assistir a íntegra da entrevista de José Paulo Kupfer, visite o canal do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé no Youtube.

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