Por Luis Nassif, no Jornal GGN:
Podia-se criticar à vontade Roberto Campos, avô. Mas não se podia negar, no Campos ministro, a coragem de assumir suas posições, a capacidade de iniciativa, as soluções criativas, visando resolver problemas concretos.
Do avô, Roberto Campos Neto herdou apenas o nome. É um burocrata, um executivo que se daria bem no segundo escalão de uma grande empresa, jamais em um cargo de chefia. Nem se fala sobre sua timidez. É possível ser um grande executivo sendo tímido. Até se poderia dar um desconto na sua falta de ideias.
Mas as informações dos últimos dias mostram, que é fundamentalmente um subalterno, uma pessoa que cumpre missões, com pouco senso de dignidade e de responsabilidade pública.
Agora, à medida que vão caindo as fichas, que aparece Campos Neto em pic-nics com Ministros de Bolsonaro, em grupos de WhatsApp, mostrando uma intimidade indecorosa, em relação ao alto cargo de presidente de um Banco Central independente, vai caindo a ficha em relação a seus atos.
O primeiro deles quase passou despercebido. Foi quando o Banco Central forneceu ao governo Bolsonaro estudos estatísticos supostamente provando que a imunidade de rebanho seria melhor para a economia do que a vacinação. O então Ministro Paulo Guedes chegou a mencionar o trabalho, mas, depois, ele foi recolhido, ao perceberem o vexame que significava.
Agora, o furo do Metrópoles mostra que, no grupo de WhatsApp dos Ministros de Bolsonaro, Campos Neto apresentou projeções, mostrando que Bolsonaro poderia vencer as eleições graças à abstenção. Provavelmente foram esses estudos que embasaram a iniciativa criminosa de colocar a Polícia Rodoviária Federal para bloquear ônibus com eleitores no Nordeste.
Nem se fale do primarismo ingênuo e vergonhoso de votar nos dois turnos das eleições com a camisa verde-amarelo, símbolo do bolsonarismo. Só uma pessoa extremamente ingênua e sem discernimento para incorrer nesse desgaste.
À medida que vazam suas primeiras conversas com o governo Lula, Campos Neto revela-se uma pessoa pouco confiável, dizendo uma coisa em particular, outra nas notas do Banco Central.
Mais que isso, a manutenção de reuniões fechadas com o mercado, a maneira como o presidente do BTG Pactual, André Esteves, se referiu a ele em uma live interna, tudo isso mostra uma pessoa sem dimensão pessoal e pública.
No entanto, é ele o condutor da política monetária, um burocrata incapaz de um pensamento inovador, incapaz de um gesto sequer para reduzir spreads bancários, para impedir a cartelização na formação de taxas, para segurar a volatilidade do câmbio.
A tragédia brasileira não reside apenas nisso, mas em uma mídia incapaz de uma discussão aprofundada sequer sobre os rumos das taxas de juros, ou sobre a necessidade de aprimoramento do sistema de metas inflacionárias.
Ontem, na Globonews, era possível assistir um comentarista absolutamente jejuno em temas econômicos, disparar dardos nos infiéis que ousassem duvidar do Banco Central. Parecia Moisés destruindo o bezerro de ouro.
Criou-se mais um paradoxo nessa fantástica democracia brasileira. A independência do Banco Central é vendida como um dos pilares das sociedades democráticas. Mesmo sem ter recebido um voto sequer, o BC passa a definir, de moto próprio, a sua política econômica. E qualquer crítica ao BC é interpretada como uma ameaça à democracia. Existe algo mais antidemocrático do que isso? Não se dá a palavra a um economista sequer que ouse criticar o banco.
O subdesenvolvimento é trabalho de gerações.
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