segunda-feira, 31 de julho de 2023

Ampliação dos Brics interessa ao Brasil?

Reprodução da internet
Por Paulo Nogueira Batista Jr.

Os BRICS estão discutindo atualmente dois temas estratégicos: a entrada (ou não) de novos países no grupo e a criação (ou não) de uma nova moeda patrocinada por eles como parte dos esforços de desdolarização da economia mundial. Os dois temas estarão, pelo que se sabe, na pauta da cúpula dos líderes dos BRICS que acontecerá na África do Sul em menos de um mês. Vou tratar do primeiro e deixar o segundo para outra ocasião. Darei uma resposta contraintuitiva à questão da ampliação do número de países. Parece boa ideia, mas não é – nem para o Brasil, nem para os BRICS em conjunto.

Os BRICs foram fundados por quatro países, em 2008 – Brasil, Rússia, Índia e China. A África do Sul entrou depois, em 2011 (com a sigla passando de BRICs para BRICS). O que os cinco têm em comum? Entre outras coisas, a dimensão econômica, populacional e geográfica. Este ponto, veremos, é crucial para responder à questão colocada. Os quatro membros originais estão entre os gigantes do planeta. A África do Sul não tem tamanho comparável, mas é uma das mais importantes nações da África Sul Saariana. Discuti as origens, características e iniciativas dos BRICS no meu livro mais recente – O Brasil não cabe no quintal de ninguém, especialmente na segunda edição, editada em 2021.

É muito expressivo o número de nações emergentes e em desenvolvimento que pleiteiam ingresso nos BRICS. São países da África, da Ásia, do Oriente Médio e da América Latina – sinal inequívoco do prestígio crescente do grupo no chamado Sul Global. Noticia-se que dezenas de países estariam interessados em aderir, entre eles Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes, Egito e Argentina.

Interessa aos BRICS acolher novos países? China e Rússia apoiam a ideia. Simpatizantes do grupo em todo o mundo, inclusive no Brasil, têm se manifestado a favor da iniciativa, às vezes com entusiasmo, vendo-a como parte da consolidação de um mundo multipolar e da superação, em definitivo, da hegemonia do Ocidente.

Esses apoios são inteiramente compreensíveis e até intuitivos, mas intuição não basta, particularmente em temas intrincados como esse. Um exame da questão revela, a meu ver, que a ampliação não interessa nem ao Brasil, nem aos BRICS como grupo. Essa tem sido, aliás, a posição tradicional do Brasil, desde que a China colocou o tema em discussão em 2017. A posição é, reconheço, um pouco antipática – como desapontar, por exemplo, os nossos queridos aliados argentinos que estão entre os que manifestaram interesse em aderir? Mas, convenhamos, o receio de desapontar outros países não deve se sobrepor ao interesse nacional estratégico.

Apesar de complexo, o tema pode ser explicado, em seus pontos essenciais, de forma relativamente breve. A ampliação tende a prejudicar os BRICS de duas maneiras: a) primeiro, por tornar mais complicada a operação do grupo, em especial se for grande o número de novos membros; e b) segundo, porque há o risco de que entrem nações de menor porte e potencialmente menos independentes e mais vulneráveis a pressões dos Estados Unidos e do resto do Ocidente.

A ampliação dificulta o funcionamento do grupo e enfraquece a sua coesão

O primeiro ponto parece evidente. Grupos como BRICS, G7 e G20 operam por consenso. Mesmo com apenas cinco integrantes, sempre foi difícil chegar a um entendimento comum nas diversas questões colocadas na mesa desde 2008. No meu livro acima citado, descrevi as tortuosas negociações entre os cinco para criar o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Arranjo Contingente de Reservas dos BRICS (ACR). Penamos para estabelecer e fazer funcionar o nosso banco de desenvolvimento e o nosso fundo monetário. Imagine, leitor ou leitora, como funcionará o grupo com, digamos, dez integrantes ou mais. Qualquer ampliação, acredito, terá de ser equilibrada do ponto de vista geográfico. Assim, o grupo subirá para no mínimo dez, talvez 15 membros, com cada membro original patrocinando o ingresso de uma ou mais nações vizinhas ou politicamente próximas. Não fica claro que as dificuldades de coordenação e formação de consenso crescerão exponencialmente?

O segundo ponto é igualmente importante. Poucos países no mundo, até entre os desenvolvidos, se comparam aos quatro BRICs originais em termos de tamanho e importância. Novos membros serão quase sempre menores, mais dependentes e talvez mais propensos a se deixar influenciar pelos EUA ou pela Europa. Em parte por isso, podem ficar também mais sujeitos a mudanças de governo e até de regime político, o que os tornaria inconfiáveis ou menos confiáveis como parceiros estratégicos. Para dar um exemplo da nossa região: a Argentina que ingressaria hoje é a de Alberto Fernández, próxima ao ponto de vista internacional do Brasil e dos demais BRICS. Mas que rumo tomará a Argentina, sociedade profundamente polarizada, depois das eleições presidenciais do final deste ano? Teremos um governo semelhante ao atual, ou um de extrema direita, ou ainda, um de direita tradicional, aliado aos EUA? Melhor não arriscar.

Digo isso com toda a modéstia, pois nós, brasileiros, não temos lá muita moral para manifestar esse tipo de preocupação. Afinal, elegemos há não muito tempo, um presidente da República como Jair Bolsonaro. Em todo caso, com Lula, tomamos outro rumo, mais condizente com a condição de membro dos BRICS. E, mais do que isso, agora podemos ter fundadas esperanças de que Bolsonaro tenha sido um ponto fora da curva.

A ampliação não interessa ao Brasil

Olhando a questão da ótica exclusivamente brasileira, há ainda outros motivos para rejeitar a ampliação do grupo. Aumentá-lo para dez ou 15 membros diluiria consideravelmente o peso do Brasil, diminuindo a nossa influência. O mesmo argumento vale para a Rússia, a Índia e a África do Sul.

Para a China, não. Um dos motivos para rejeitar o crescimento do grupo é justamente o motivo que torna a ideia atraente para a China. Não por acaso, foi ela que lançou a proposta, tendo sido, além disso, a patrocinadora do ingresso da África do Sul há 12 anos. O risco para nós é que entre os novos membros do grupo figurem nações dependentes da China, cuja influência hoje alcança não só países da Ásia, como também do Oriente Médio, da África e da América Latina. Diversas economias emergentes e em desenvolvimento dependem da China em termos de comércio, investimentos, financiamento ao desenvolvimento e, até mesmo, apoio emergencial de balanço de pagamentos. Na sua configuração atual, o grupo já é desequilibrado, em razão do peso relativo da China. A ampliação exacerbaria o problema.

A Rússia, que poderia objetar à expansão do grupo, tem atualmente outra posição, perfeitamente compreensível. Engajada numa guerra que ela considera uma “ameaça existencial”, a Rússia vê com bons olhos tudo que possa reforçar os BRICS como polo representativo do Sul Global em oposição ao Ocidente. A China tem motivação análoga, pois também enfrenta hostilidade sistemática dos EUA, que veem a sua ascensão como uma ameaça estratégica.

O Brasil deve compreender as prioridades da China e da Rússia, claro, mas não pode assumi-las como suas. Temos interesse em preservar algum equilíbrio interno do grupo, evitando que os chineses aumentem mais a sua influência. E não podemos raciocinar como os russos, aceitando que os BRICS se tornem um instrumento de luta contra o imperialismo dos EUA e do resto do Ocidente. Para nós, interessa manter os BRICS como um grupo de cooperação pró-BRICS e pró-outros países em desenvolvimento, e não como um grupo anti-Ocidente ou anti-qualquer outra coisa.

Alternativas ao aumento do número de membros

O governo brasileiro pode, no limite, emperrar todo o processo de ampliação do grupo, impedindo que se forme um consenso. Porém, para evitar um isolamento desagradável, seria oportuno propor um outro formato para a ampliação dos BRICS Vejo duas possiblidades, ambas interessantes para o Brasil e para o grupo: a) acelerar o ingresso de novos países como sócios no NBD, hoje presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff; e b) formalizar e ampliar o mecanismo já existente há alguns anos, denominado BRICS+, que permite a participação de não-membros nas atividades do grupo, inclusive nas cúpulas anuais.

Para terminar, desenvolvo um pouco essas duas possibilidades, que são não-excludentes e até complementares. Sobre a primeira: a ampliação do NBD fazia parte dos planos originais do banco de desenvolvimento criado pelos BRICS, mas avançou pouco nos seus primeiros oito anos de existência. A nova presidente do NBD está empenhada em acelerar o processo, essencial para que o banco possa ser uma instituição de escopo mundial, como pretendíamos desde o início. Pode-se presumir que muitos dos países interessados em entrar na formação política BRICS também queiram se tornar sócios do NBD. Emirados Árabes e Egito já entraram para o banco e estão, como mencionei, querendo entrar para os BRICS.

O funcionamento da formação política BRICS – essa é a segunda alternativa interessante – pode ser adaptado para dar mais espaço às nações que queiram se aproximar do grupo. O BRICS+ tem funcionado bem. Em 2014, por exemplo, sob a presidência do Brasil, na gestão Dilma Rousseff, o Brasil convidou os países da América do Sul para a cúpula em Fortaleza. Todos vieram e participaram de um encontro com os cinco líderes dos BRICS. Algo semelhante foi organizado pela África do Sul na sua presidência de turno em 2013, quando todos ou quase todos os países do continente africano compareceram à cúpula dos BRICS para um diálogo com os cinco líderes. Em outras cúpulas, seguiu-se um formato mais ou menos semelhante. A cada ano, entretanto, mudava a composição do grupo de convidados, e a sua participação ficava basicamente restrita às cúpulas.

Um passo à frente poderia ser dado pela criação de um grupo permanente de países que formariam um segundo círculo e teriam acesso às cúpulas e a reuniões ministeriais ou de outra natureza que são organizadas a cada presidência de turno dos BRICS. Sem prejuízo de envolver um grupo até maior, seria possível estender o convite a cinco ou dez países, com algum equilíbrio geográfico, que se tornariam, caso aceitem, integrantes da articulação BRICS sem, contudo, virarem membros plenos. Passariam, porém, a estar representados nas diversas atividades e instâncias de cooperação em funcionamento nos BRICS, sem ter o direito, entretanto, de participar das reuniões de cunho mais estratégico que continuariam só com os cinco membros atuais. Os BRICS se tornariam mais amplos e influentes, sem ameaçar o seu equilíbrio interno, a sua independência política e a agilidade de funcionamento que só um grupo enxuto é capaz de proporcionar.

Era o que queria argumentar, leitor ou leitora. Espero que o governo brasileiro não se deixe levar por propostas apenas simpáticas, falsamente interessantes, e não ceda a pressões de outros BRICS, cujas agendas e interesses, como é natural, nem sempre coincidem com os nossos.

* Uma versão resumida deste texto foi publicada na revista Carta Capital.

* Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021.

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