Foto: Ricardo Stuckert |
A equação do presidente Lula com Flávio Dino e Ricardo Lewandowski significa uma aposta na formação de uma aliança de governabilidade do Executivo com o STF.
É uma tentativa de substituir a inconfiável e fracassada governabilidade congressual tentada com Arthur Lira, o líder do sistema parlamentar de achaque e extorsão.
As dificuldades e impasses criados pela Câmara dos Deputados no primeiro ano de governo evidenciaram a necessidade de Lula buscar uma saída para contornar a correlação de forças hostil no Congresso. A saída escolhida foi a formação deste bloco de poder com o STF. Se dará certo ou não, o tempo dirá.
No jogo contínuo de chantagens e ameaças, Lira sempre aumenta o preço do apoio prometido. Ele sinaliza que continuará cobrando do governo um preço cada vez mais impagável para, ao fim e ao cabo, acabar não garantindo a aprovação dos projetos que integram o programa eleito em 30 de outubro de 2022.
Lula começou o governo cedendo três ministérios para partidos que apoiaram Bolsonaro na eleição e que, juntos, possuem pelo menos 140 deputados federais – dentre eles até o União Brasil, de Sérgio Moro e quejandos.
Não foi preciso muito tempo para o governo perceber que a concessão de espaços não seria suficiente para garantir a aprovação de projetos. Lira desdenhou dos ministérios, não reconheceu os nomeados como aliados seus, e avisou que para receber os votos parlamentares, o governo precisaria entregar verbas do orçamento secreto.
Depois de alguma relutância, Lula turbinou o valor das emendas parlamentares até atingir o valor recorde de quase R$ 50 bilhões em 2024. Assim mesmo, o governo continuou sendo derrotado na Câmara.
Lira, então, alertou que não bastaria aumentar as verbas de emendas e entregar ministérios sem a anuência dele. O governo precisaria abrir espaço na Esplanada para indicações do Centrão combinadas com ele.
Outra vez, e também não sem relutância, Lula cedeu e demitiu Ana Moser e Daniela Carneiro para atender Lira.
Depois, porém, de um breve espasmo de lealdade de Lira, a realidade bateu à porta: Lira subiu a aposta e pediu ainda mais. Ele alegou que além de verbas, ministérios, de mais verbas e de mais ministérios, o governo deveria entregar a CEF, além de cargos apetitosos em estatais.
Mais uma vez, e não sem um longo tempo de demora enquanto era pressionado por novos reveses impostos por Lira na Câmara, Lula demitiu a presidente da Caixa, Rita Serrano, e entregou para o Centrão, que criou sete vice-presidências para lotear inclusive com o PL, partido do Bolsonaro.
Depois disso tudo, no entanto, o bloco extorsionário e achacador liderado por Arthur Lira ainda se diz “independente”, podendo votar contra o governo – como aliás, fez o ministro da Agricultura Carlos Fávaro.
Petulante, Lira agora ameaça não tramitar na Câmara nenhuma pauta de interesse do governo enquanto Lula não demitir o ministro Alexandre Padilha, da SRI, e assumir a interlocução direta com ele.
Lira deixa claro que está entrincheirado no lado da oposição e das forças que ameaçam a democracia. As ausências dele na posse do ministro Lewandowski e na solenidade dos três Poderes de rememoração do 8 de janeiro confirmam isso.
O bloco de poder do Executivo com o STF é uma reação a essa realidade, e tem caráter defensivo; é uma barreira para tentar conter a ofensiva oposicionista liderada por Lira e instrumentalizada pela extrema-direita.
Flávio Dino, com atributos políticos e jurídicos reconhecidos, se credencia para desempenhar o papel de “líder do governo” Lula no STF, enquanto o ex-presidente da Suprema Corte Ricardo Lewandowski sedimenta a relação política e institucional entre Executivo e Judiciário.
Este eixo de governabilidade foi reforçado, ainda, com a adesão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e com o compartilhamento da indicação do PGR Paulo Gonet com os ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Lula abdicou de indicar para o cargo o procurador defendido pelo PT para prestigiar os aliados de toga.
Esta aliança inédita entre os poderes Executivo e Judiciário para a governabilidade nasce com duas vulnerabilidades.
Por um lado, prescinde de mecanismos de participação popular de deliberação pública sobre políticas do governo e controle do orçamento que poderiam construir canais de sustentação popular do governo para contra-arrestar a força oposicionista no Congresso.
E, em segundo lugar, legitima o discurso de vitimização da extrema-direita tanto bolsonarista como lavajatista, que se diz perseguida pelo STF/TSE e prejudicada pela usurpação das prerrogativas legislativas – retórica que funciona como apito para a matilha fascista.
Os novos embates estão à vista. O contencioso a respeito dos vetos presidenciais à LDO será o primeiro teste, e neste processo Lira não hesitará em abrir mais uma crise política e institucional.
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