segunda-feira, 15 de abril de 2024

O agente Musk

Foto: Justin R. Pacheco/Força Aérea dos EUA
Por Manuel Domingos Neto


Certo dia, lá se vão 50 anos, mostrei a Pierre Monbeig um relatório que encontrara no Serviço Histórico do Exército francês indicando a interferência militar na escolha dos jovens intelectuais enviados ao Brasil para operar na USP.

Surpreso, o professor sorriu e me perguntou: “fui um agente involuntário do Exército”?

Além de Monbeig, Fernand Braudel, Lévi-Strauss e Roger Bastide, entre outros, participaram dessa empreitada que repercute ainda hoje. O eurocentrismo predomina no meio acadêmico brasileiro.

Os que disputam a hegemonia mundial criam expedientes capazes de atuar em seu favor. Desde o século XIX, o envio de missões religiosas, artísticas, científicas e militares integram práticas de governos que disputam estrategicamente mercados consumidores e fornecedores de matérias primas. O controle da imprensa e de grandes contingentes de emigrantes integram o amplo rol de lances estratégicos dos que dominam ou querem dominar o mundo.

Quem vasculha arquivos históricos de grandes potências descobrirá facilmente que projetos guerreiros abrangem mais que capacidade econômica, tecnológica e militar. A disseminação de valores e a indução de comportamentos coletivos é fundamental. Quem pensa e conduz a guerra procura conquistar almas.

Daí a forte ligação do Pentágono com Hollywood, desde 1915, com Griffith, que dirigiu “The Birth of a Nation”. Captando cedo a importância do cinema na disputa pela simpatia internacional, os comandantes estadunidenses recrutariam John Huston, William Wyler, John Ford, Frank Capra e George Stevens para cobrir a Segunda Guerra Mundial. Ainda hoje o mundo assiste a hecatombe por suas lentes.

Cada potência disputou a influência no Brasil com os instrumentos ao seu dispor. No final do século XIX, a França, perdendo a competição tecnológica, econômica e militar para a Alemanha, investiu em seu prestígio intelectual. Depois da primeira derrota do Reich, conseguiu abrir as portas dos quartéis brasileiros. Modernizou o Exército, ensinou o anticomunismo e vendeu muito material de guerra, incluindo aviões e peças de artilharia recauchutadas.

A recente visita do presidente francês ao Brasil e seu terno enlace com Lula despertou-me lembranças e apreensões. Nada mais falso do que uma Defesa Nacional ancorada em aquisições externas. O mais forte não fornece armas ao mais frágil sem garantias de submissão. Quem compra equipamentos bélicos de potências coloniais vende a alma ao diabo. Gasta muito por um simulacro de Defesa Nacional.

Remoo minhas anotações enquanto leio o estridente noticiário acerca de Elon Musk, descrito como bilionário excêntrico, rico, arrogante, bravateiro e emulador da extrema direita mundial.

Não cabe imaginar que um potente indutor de comportamentos coletivos cresça e atue à revelia de detentores dos grandes cordões da política internacional. Musk não é um gênio sul-africano que se fez sozinho. Não iria longe sem parcerias com os gestores da estratégia de dominação estadunidense. Antes de tudo, Musk é um agente do Pentágono.

Nenhuma potência com aspirações de autonomia permitiria que um indivíduo ou uma instituição detenha isoladamente influência passível de contraditar seus desígnios.

A consciência democrática brasileira se revolta diante das tiradas aviltantes de Musk. Aplaude Alexandre de Moraes, que promete enquadrá-lo juridicamente. Muitos dizem que o Brasil faz bem não cerceando a mídia digital controlada por este agente do Pentágono. Concluem que, caso Lula enfrentasse essa briga, escorregaria numa casca de banana.

Convenhamos, há enfrentamentos dos quais não se pode fugir. A contenda com Musk não pode ser relegada ao Judiciário nem se restringir à regulação estabelecida pelo Congresso, que só agirá positivamente se pressionado pela sociedade.

Trata-se de uma luta política de fôlego e abrangência. Envolve múltiplas iniciativas concatenadas e de alcance estratégico. Não é apenas a democracia que está em risco, mas a autonomia nacional. Diz respeito ao poder político e só pode ser enfrentada com medidas que assegurem ao Estado brasileiro meios para repelir o condicionamento da sociedade por forças estrangeiras.

Musk não é um mero empresário. É um agente a serviço de Washington. Seus apoiadores não sabem o que seja defesa da pátria.

* Manuel Domingos Neto é doutor em História. Autor de “O que fazer com o militar” (Gabinete de Leitura).

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