quinta-feira, 14 de junho de 2012

Múltis enviam US$ 24 bi a matrizes

Por Carlos Lopes, no jornal Hora do Povo:

A presidente Dilma, dizem alguns, está preocupada com as remessas de lucro das multinacionais, sobretudo das que recebem benefícios do governo. Não temos prova dessa preocupação da presidente, mas acreditamos: é difícil, para quem governa o país, que ela não esteja preocupada com isso. O problema é que são exatamente esses benefícios do governo, particularmente os cortes nos impostos que essas empresas deveriam pagar, que têm estimulado e aumentado as remessas das filiais de multinacionais para suas matrizes. Em suma, as chamadas “desonerações” somente têm piorado o problema.


Existem aspectos dessa política que somente revelam a desorientação da equipe econômica diante do que ela mesmo provocou - entre as últimas “desonerações”, a alíquota do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) do papel de parede foi reduzida de 20% para 10%. Qual será a importância, na economia brasileira, do papel de parede?
Porém, o que realmente importa é que cortar impostos de monopólios – e as multinacionais são monopólios estrangeiros – é meramente aumentar sua margem de lucro. Ninguém acredita que multinacionais repassem todo o benefício de um corte de impostos ao consumidor, barateando seus produtos na mesma medida. Ninguém acredita porque isso não acontece.
Qual o sentido de “desonerar” a Telefónica, que em 2011 teve um lucro líquido de R$ 5,072 bilhões Dinheiro não lhe falta para investimentos. Até mesmo porque o BNDES, infelizmente, não lhe regateou financiamentos, ao contrário do que acontece com a maioria das empresas brasileiras. Que o sr. Paulo Bernardo seja a favor de cortar impostos de um mastodonte – e um mastodonte estrangeiro - desse tipo, que vive achacando o público e o dinheiro público, somente revela que, entre os monopólios estrangeiros e o povo, ele prefere os primeiros. A mesma coisa se pode dizer quando o presidente do Banco Central fala, na Câmara dos Deputados, como fez no último dia 5, em “desonerar” os bandidos do setor elétrico.

Desde 2008, quando houve os primeiros cortes de impostos com a intenção de estimular vendas e produção, as filiais ou subsidiárias de multinacionais enviaram ao exterior US$ 102,347 bilhões a título de “lucros e dividendos”; US$ 62,334 bilhões como “amortizações de empréstimos intercompanhias”; e US$ 54,380 bilhões de “retorno de investimentos diretos estrangeiros”, isto é, desinvestimento - somente sob esses três itens (que não são todos os que as multinacionais usam para enviar lucros à matriz) foram remetidos para fora do país US$ 219,061 bilhões.
Não houve setor mais beneficiado por cortes nos impostos que deveria pagar, que as montadoras da indústria automobilística. Pois elas foram, também, as filiais de multinacionais que mais remeteram ganhos para suas matrizes: considerando a soma dos três itens que mencionamos, elas enviaram US$ 7,038 bilhões (2008), US$ 5,622 bilhões (2009), US$ 4,472 bilhões (2010), US$ 6,235 bilhões (2011), e, até abril deste ano, US$ 820 milhões – um total de US$ 24,457 bilhões.

Na última “desoneração” em benefício dessas multinacionais, os carros 1.0 tiveram a alíquota do IPI reduzida de 7% para zero; os carros acima de 1.0 até 2.0 tiveram redução de 13% para 6,5% (gasolina) e de 11% para 5,5% (álcool e flex); e os veículos “comerciais leves” tiveram o IPI reduzido de 4% para 1%.
Frisemos um aspecto que a equipe econômica prefere sempre omitir: a redução na arrecadação do IPI – e de outros impostos – significa uma redução dos Fundos de Participação dos Estados e dos municípios. Portanto, o governo federal, ao “desonerar” multinacionais, está fazendo isso não somente à custa de suas próprias finanças, mas também das finanças de Estados e municípios. A rigor está transferindo – melhor seria dizer: doando – recursos da União e obrigando Estados e municípios a doarem recursos da população para multinacionais.
A argumentação da atual equipe econômica, obviamente, é que tanto o país como seus Estados e municípios seriam compensados pelo aumento da atividade econômica – aumento da produção e das vendas. Mas essas doações estatais somente eternizam a desnacionalização da economia, exatamente o fator que provoca a queda do crescimento, com a sangria das remessas para o exterior e o dilúvio de importações. Peculiarmente, a desnacionalização passou a ser sustentada pelo Estado nacional e pelo Tesouro nacional, assim como as matrizes das multinacionais em crise. Não se pode chamar de esquizofrênica essa política porque os esquizofrênicos merecem respeito. Mas que é uma loucura, lá isso é.
Antes dos atuais cortes nos impostos, em dezembro de 2008, o IPI que as montadoras automobilísticas deveriam pagar foi reduzido - o que durou, com as prorrogações, até janeiro de 2010. Nesse mesmo período, o BNDES forrou o caixa dessas multinacionais com dinheiro dos trabalhadores e do Tesouro. Assim, além de deixar de pagar parte dos impostos, ainda receberam dinheiro do Estado. Como escreveram, no início de 2011, dois professores de economia da Unicamp:
“As remessas [a título de lucros e dividendos] das filiais automotivas para os debilitados caixas de suas matrizes atingiram a expressiva soma de US$ 4 bilhões, em 2010, o que representou um valor quase dez vezes maior do que os investimentos externos realizados por essas filiais no mesmo período (450 milhões de dólares).(…) É importante observar que o setor automotivo foi um dos mais contemplados com reduções tributárias no âmbito das políticas públicas anticíclicas de enfrentamento da crise no Brasil (...). Para se ter uma dimensão das desonerações fiscais envolvidas, a arrecadação federal com o IPI automotivo reduziu de 6 bilhões de reais, em 2008, para pouco mais de 2 bilhões de reais, em 2009. (...) Ao mesmo tempo que as remessas ao exterior se elevaram, as empresas do setor automotivo tomaram financiamentos de US$ 8,7 bilhões (aproximadamente, R$ 16,3 bilhões) ao BNDES, no período 2008-2010. (…) Isso significa que quase a totalidade dos recursos necessários para financiar seus investimentos saiu dos cofres públicos, enquanto parcela expressiva dos lucros foi transferida para as matrizes” (Fernando Sarti e Célio Hiratuka, “Gasto público, lucro privado”, Carta Capital nº 633, 16/02/2011).
Frisemos que os dois economistas estavam se referindo a uma “desoneração” bem menos ampla do que a que se fala atualmente. Reduzindo o problema à expressão mais simples: os cortes de impostos e os empréstimos do BNDES às filiais de multinacionais serviram e servem para que elas enviem recursos – os nossos, pois impostos e financiamentos públicos são recursos da coletividade - para suas matrizes.
Com o grau atual de desnacionalização da economia – onde não escapa nem o Frango Assado, nem a rede Batata Inglesa, nem a Ypioca – esse problema, de uma forma ou de outra, irá assombrar a economia do país. Exatamente por isso é necessário uma política, de financiamento público e de prioridade nas encomendas do Estado, voltada para as empresas de capital nacional, para aquelas que podem ser chamadas “genuinamente brasileiras”.
Favorecer remessas para o exterior com desonerações e dinheiro fornecido pelo BNDES é colaborar com a destruição econômica do país, sem outro resultado notável.

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