segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A decepção com a política agrária

Por Eduardo Sales de Lima, no jornal Brasil de Fato:

Completados dez anos da presen­ça do Partido dos Trabalhadores (PT) no comando do governo federal ainda existem cerca de 150 mil famílias de tra­balhadores rurais sem-terra acampadas em dezenas de acampamentos Brasil afora, lutando por seu pedaço de terra. Surpreendentemente, nos oito anos do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso foram cria­dos 4.410 assentamentos. Na década de Lula/Dilma o número foi de 3.711. Os dados são do Dataluta/Unesp – Banco de dados da Luta pela Terra.

Segundo o doutor em sociologia pe­la Universidade Federal do Paraná (UF­PR) e docente na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Cé­sar Sanson, o balanço que se faz da ad­ministração petista em relação à reforma agrária é ruim. “O PT no poder não teve a coragem suficiente para interferir e al­terar a estrutura agrária brasileira. Mes­mo tendo em mãos instrumentos que lhe permitiriam radicalizar a distribuição de terras, tratou o tema de forma conserva­dora e burocrática. O retrocesso foi exa­tamente esse, a falta de ousadia em fazer uma grande, profunda e corajosa refor­ma agrária no país”, critica o sociólogo.

Ao menos, o executivo tentou condu­zir a sociedade rumo à descriminaliza­ção dos movimentos sociais campone­ses. Segundo Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, com a chegada do PT ao governo, foi inaugu­rada uma nova postura do executivo frente às lutas sociais, distinta de Collor e FHC, que buscaram destruir o movi­mento. “Com o PT no poder, a tarefa [de perseguir e criminalizar os movimentos sociais do campo] coube a outros pode­res que compunham o Estado brasileiro. Neste caso, tivemos uma brutal crimi­nalização por parte do poder judiciário e do parlamento, inclusive criando duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) contra o MST e uma tercei­ra contra todas as ONGs e movimentos sociais”, reforça Alexandre. 

O militante sem-terra pondera, contudo, que o PT pouco fez para impedir o processo de cri­minalização dos movimentos sociais do campo. Segundo ele, poucos deputados e senadores do partido têm defendido as organizações sociais, e quando o fazem, trata-se de uma iniciativa de seus mandatos, não uma definição partidária.

Pinga-gotas

Alexandre Conceição acredita que no início da primeira gestão de Lula hou­ve avanços em relação à desapropriação de terras e, consequentemente, a cria­ção de assentamentos. Em seu primeiro ano, 2003, foram criados 333 assenta­mentos (29.723 famílias beneficiadas). Dois anos depois, o Brasil testemunhou o ápice da criação dos assentamentos na Era PT, com a criação de 885 assen­tamentos, com 106.319 famílias adqui­rindo suas terras (veja no gráfico).

A partir de 2007, contudo, “puxaram o freio de mão” nas desapropriações, como afirma Conceição. Foram criados apenas 391 assentamentos no ano.

Quatro anos depois, com a desapro­priação de terras num processo de de­clínio, o primeiro ano do governo Dil­ma, em 2011, contabilizou míseros 109 assentamentos (9.079 famílias beneficiadas).

“O que se assistiu [nos últimos dez anos] foram desapropriações a ‘pinga-­gotas’ e assim mesmo por pressão do MST. O avanço se resumiu a não cri­minalização dos movimentos sociais e à ampliação de convênios, muito pou­co para um governo de esquerda”, ava­lia César Sanson.

Uma das conclusões de analistas e mo­vimentos é a de que o Estado brasileiro tem preferido fazer a regularização fun­diária em terras públicas a desapropriar latifúndios no campo brasileiro para fins de reforma agrária, o que, de fato, ocor­reu predominantemente na Amazônia, em terras ocupadas por posseiros.

A regularização de terras públicas ocupadas tem sido o modo mais viável para o Executivo agir, tendo em conta que o PMDB – um dos representantes dos interesses ruralistas no Congresso Nacional – é um forte aliado para a go­vernabilidade, como o Brasil de Fatoconstantemente tem reforçado.






Programas 

Porém, no processo de desenvolvi­mento das áreas de assentamento e de áreas rurais como um todo, os governos de Lula e Dilma avançaram significati­vamente. É o que acredita William Cle­mentino, secretário de Políticas Agrárias da Contag – Confederação Nacio­nal dos Trabalhadores na Agricultura. “[Lula] Reforçou um novo processo de assistência técnica, de melhoria da qua­lidade da produção e acesso a crédito, mas que também é insuficiente para a demanda dos trabalhadores do campo no Brasil”, afirma.

No período Lula, foram cria­dos outros programas voltados à ga­rantia de comercialização e preço mí­nimo para a agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). “Com isso foi resgatado o papel da Conab”, avalia Alexandre Conceição. O programa de compra antecipada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), por exemplo, tem efeito direto no aumento da produção, na renda e na segurança. Mas ainda estão limita­dos os recursos e o número de famílias atingidas, um universo menor que 10% das famílias assentadas.

Outros dois importantes programas, como o Programa Nacional de Fortaleci­mento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa Nacional de Alimentação Es­colar (Pnae) também têm feito diferen­ça na vida dos camponeses.

Entretanto, é preciso dizer que atu­almente, segundo informam as orga­nizações sociais camponesas, menos de 10% das quase 800 mil famílias assen­tadas têm acesso ao Pronaf. E quanto ao Pnae, que reserva 30% dos recursos para agricultura familiar, ainda existe uma forte resistência em algumas pre­feituras.

Em maio deste ano, o ministro do De­senvolvimento Agrário (MDA), Pepe Vargas, reforçou que o teto para o cré­dito de custeio ao agricultor familiar foi ampliado de R$ 50 mil para R$ 80 mil.

Dilma

Ao se considerar a reforma agrária co­mo um processo amplo, que não envol­ve somente desapropriações e criação de assentamentos, os governos do PT implementaram uma nova fase em re­lação às políticas agrárias no país. Mas, de acordo com César Sanson, a visão tecnocrática que a presidenta Dilma Rousseff (PT) tem da reforma agrária, como parte um proces­so desenvolvimentista, prejudica, justamente, o progresso do país como um todo, principalmente no que se refere à distribuição de renda no campo. “O fo­co de Dilma é economia, emprego e de­senvolvimento. E o campo nessa equa­ção entra como uma base exportadora. Nesse contexto, a presidenta não vê reforma agrária como um mecanismo efetivo de desenvolvimento nacional, o quanto muito a vincula ao programa de erradicação da miséria”, avalia.

Dados oficiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (In­cra) e que divergem dos números do Dataluta revelam que a presidenta atin­giu em 2011 a pior marca dos últimos dezessete anos, contrariando a expecta­tiva dos movimentos sociais do campo. Em 2011, 22.021 famílias conquistaram lotes em assentamentos, o que repre­senta 61% do resultado de Lula, que em 2003 assentou outras 36.301 famílias.

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