Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:
Hoje, 2 de outubro, o massacre do Carandiru completa 21 anos. Neste dia, em 1992, 111 presos foram barbaramente assassinados pelos policiais que invadiram a Casa Detenção de São Paulo a pretexto de conter uma rebelião. Este ano, os policiais envolvidos na ação foram julgados, mas as autoridades responsáveis –o governador de então, Luiz Antonio Fleury, e o secretário de segurança pública, Pedro Franco– nem sequer foram acusados judicialmente. O comandante da operação, coronel Ubiratan Guimarães, havia recorrido de sua condenação quando foi assassinado, em 2006. No julgamento deste ano, 25 PMs foram condenados a 624 anos de prisão, mas ainda cabem recursos. A despeito das condenações, as vidas das vítimas jamais serão devolvidas.
Além da falta de punição, o que me incomoda também é que, nestes anos todos, fomos incapazes, a partir do triste exemplo do Carandiru, de repensar o sistema prisional no Brasil. Há, infelizmente, quem ache bem-feito o que houve na Casa de Detenção, hoje quase inteiramente desativada. Há quem ache que “bandido bom é bandido morto”, como o coronel Ubiratan, e que “lugar de bandido é na cadeia”. Mas será que é mesmo? Encarcerar, durante anos a fio, pessoas que cometeram um erro é a melhor solução para conter a violência? Tenho minhas dúvidas, porque até hoje, em milênios de existência das prisões, a sensação de insegurança no mundo só aumentou. O próprio objetivo da prisão é questionável: a intenção é mesmo recuperar a pessoa ou apenas isolá-la do convívio com a sociedade?
“Eles falam que cadeia é para reeducar, mas não é nada disso, não. Não reeduca ninguém, muito pelo contrário, faz a pessoa ficar mais traumatizada, com mais ódio, mais raiva da Justiça, por ser lenta demais”, diz uma travesti da “rua das flores”, ala do Carandiru onde ficavam os homossexuais. Ela é uma das entrevistadas do documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro (2003), de Paulo Sacramento, premiado em vários festivais de cinema, que retratou, com imagens feitas pelos próprios presos, o dia-a-dia do Carandiru sete meses antes de sua demolição, em 2002. Desfilam diante de nossos olhos, vivendo como animais num zoológico, homens, em sua maioria negros e de origem humilde, trancafiados em celas fétidas ou circulando por corredores úmidos e sombrios. Quando sairão dali? Como sairão dali?
Com cerca de 550 mil presos, a população carcerária no Brasil é a quarta maior do mundo –só fica atrás, em número de presos, dos EUA (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil). Destes, 35,6% nem foram julgados. Durante a CPI do Sistema Carcerário, em 2008, foram encontrados presos dormindo junto com porcos, no Mato Grosso do Sul, e em meio a esgoto e ratos, no Rio Grande do Sul. “Em todo o país, há denúncias de agressões físicas e até tortura contra detentos praticadas tanto por outros presos quanto por agentes penitenciários. Um levantamento da Pastoral Carcerária mostra que a maior parte dos detentos tem baixa escolaridade, é formada por negros ou pardos, não possui emprego formal e é usuária de drogas”, informou uma reportagem da BBC em maio do ano passado. Alguém vai organizar manifestações contra essa injustiça?
A superpopulação carcerária é uma realidade que não mudou nada desde que os presos foram assassinados no Carandiru. O ministro da Justiça do governo do PT, no poder há 10 anos, chegou a dizer que “preferia morrer” a ir para uma das cadeias “medievais” do Brasil. Não mudou também a política de encarceramento em massa inspirada no modelo norte-americano. No documentário de Sacramento, um jovem Geraldo Alckmin aparece orgulhoso por ter aumentado de forma recorde o número de vagas em cadeias em São Paulo. Adiantou? Pelo contrário, os latrocínios (assalto seguido de morte), por exemplo, têm alta contínua desde 2010 no Estado novamente governado por Alckmin. É preciso prender? Sim. Prender todo mundo? Não acho, existem outras medidas punitivas possíveis e com maior sucesso na recuperação de criminosos, como a prestação de serviços à comunidade.
O sociólogo francês Loïc Wacquant, autor de Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos, relaciona diretamente a concepção do encarceramento em massa exportada pelos norte-americanos ao sistema capitalista neoliberal. Wacquant denuncia que a política de bem-estar social, de amparo ao pobre, vem sendo substituída pela criminalização da pobreza. Não é à toa que, nos EUA, os negros são 40% da população prisional do país, embora sejam apenas 13% da população. É esse modelo que copiamos: prisões transformadas em depósitos de excluídos pelo capitalismo. Quantos Carandirus serão necessários para que façamos alguma coisa contra isso?
Hoje, 2 de outubro, o massacre do Carandiru completa 21 anos. Neste dia, em 1992, 111 presos foram barbaramente assassinados pelos policiais que invadiram a Casa Detenção de São Paulo a pretexto de conter uma rebelião. Este ano, os policiais envolvidos na ação foram julgados, mas as autoridades responsáveis –o governador de então, Luiz Antonio Fleury, e o secretário de segurança pública, Pedro Franco– nem sequer foram acusados judicialmente. O comandante da operação, coronel Ubiratan Guimarães, havia recorrido de sua condenação quando foi assassinado, em 2006. No julgamento deste ano, 25 PMs foram condenados a 624 anos de prisão, mas ainda cabem recursos. A despeito das condenações, as vidas das vítimas jamais serão devolvidas.
Além da falta de punição, o que me incomoda também é que, nestes anos todos, fomos incapazes, a partir do triste exemplo do Carandiru, de repensar o sistema prisional no Brasil. Há, infelizmente, quem ache bem-feito o que houve na Casa de Detenção, hoje quase inteiramente desativada. Há quem ache que “bandido bom é bandido morto”, como o coronel Ubiratan, e que “lugar de bandido é na cadeia”. Mas será que é mesmo? Encarcerar, durante anos a fio, pessoas que cometeram um erro é a melhor solução para conter a violência? Tenho minhas dúvidas, porque até hoje, em milênios de existência das prisões, a sensação de insegurança no mundo só aumentou. O próprio objetivo da prisão é questionável: a intenção é mesmo recuperar a pessoa ou apenas isolá-la do convívio com a sociedade?
“Eles falam que cadeia é para reeducar, mas não é nada disso, não. Não reeduca ninguém, muito pelo contrário, faz a pessoa ficar mais traumatizada, com mais ódio, mais raiva da Justiça, por ser lenta demais”, diz uma travesti da “rua das flores”, ala do Carandiru onde ficavam os homossexuais. Ela é uma das entrevistadas do documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro (2003), de Paulo Sacramento, premiado em vários festivais de cinema, que retratou, com imagens feitas pelos próprios presos, o dia-a-dia do Carandiru sete meses antes de sua demolição, em 2002. Desfilam diante de nossos olhos, vivendo como animais num zoológico, homens, em sua maioria negros e de origem humilde, trancafiados em celas fétidas ou circulando por corredores úmidos e sombrios. Quando sairão dali? Como sairão dali?
Com cerca de 550 mil presos, a população carcerária no Brasil é a quarta maior do mundo –só fica atrás, em número de presos, dos EUA (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil). Destes, 35,6% nem foram julgados. Durante a CPI do Sistema Carcerário, em 2008, foram encontrados presos dormindo junto com porcos, no Mato Grosso do Sul, e em meio a esgoto e ratos, no Rio Grande do Sul. “Em todo o país, há denúncias de agressões físicas e até tortura contra detentos praticadas tanto por outros presos quanto por agentes penitenciários. Um levantamento da Pastoral Carcerária mostra que a maior parte dos detentos tem baixa escolaridade, é formada por negros ou pardos, não possui emprego formal e é usuária de drogas”, informou uma reportagem da BBC em maio do ano passado. Alguém vai organizar manifestações contra essa injustiça?
A superpopulação carcerária é uma realidade que não mudou nada desde que os presos foram assassinados no Carandiru. O ministro da Justiça do governo do PT, no poder há 10 anos, chegou a dizer que “preferia morrer” a ir para uma das cadeias “medievais” do Brasil. Não mudou também a política de encarceramento em massa inspirada no modelo norte-americano. No documentário de Sacramento, um jovem Geraldo Alckmin aparece orgulhoso por ter aumentado de forma recorde o número de vagas em cadeias em São Paulo. Adiantou? Pelo contrário, os latrocínios (assalto seguido de morte), por exemplo, têm alta contínua desde 2010 no Estado novamente governado por Alckmin. É preciso prender? Sim. Prender todo mundo? Não acho, existem outras medidas punitivas possíveis e com maior sucesso na recuperação de criminosos, como a prestação de serviços à comunidade.
O sociólogo francês Loïc Wacquant, autor de Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos, relaciona diretamente a concepção do encarceramento em massa exportada pelos norte-americanos ao sistema capitalista neoliberal. Wacquant denuncia que a política de bem-estar social, de amparo ao pobre, vem sendo substituída pela criminalização da pobreza. Não é à toa que, nos EUA, os negros são 40% da população prisional do país, embora sejam apenas 13% da população. É esse modelo que copiamos: prisões transformadas em depósitos de excluídos pelo capitalismo. Quantos Carandirus serão necessários para que façamos alguma coisa contra isso?
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