Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os jornais requentam nas edições de terça-feira (29/7) a polêmica causada pela incursão do banco Santander na campanha eleitoral, ao selecionar declarações feitas pela presidente Dilma Rousseff durante sabatina organizada no Palácio da Alvorada pela Folha de S. Paulo, UOL, SBT e rádio Jovem Pan. Com isso, os leitores têm a oportunidade de refletir mais friamente sobre o comunicado em que o setor de análise de investimentos do banco espanhol recomenda explicitamente a seus clientes brasileiros de alta renda que votem contra a reeleição da presidente.
O episódio tem sido comparado a uma manifestação feita em junho de 2002 pelo magnata americano George Soros, de origem húngara, que previu o caos na economia brasileira caso José Serra não fosse eleito presidente, contra Lula da Silva, do PT. O megainvestidor verbalizou certa convicção que corria no mercado, segundo a qual, se eleito, Lula iria dar o calote na dívida externa e o Brasil deixaria de honrar seus títulos.
Operadores da campanha de Serra espalharam o veneno do pessimismo, e rapidamente a profecia se autorrealizou, trazendo grandes prejuízos à economia nacional. Entre junho e dezembro daquele ano, o câmbio disparou do patamar de R$ 2,63 para R$ 3,55; os juros básicos subiram de 18,5% para 25%, e a inflação mensal foi multiplicada por quase 15 vezes no decorrer do semestre, com o índice anual chegando próximo de 11% em novembro.
Com a posse de Lula e a desconstrução da teoria do apocalipse, o mercado se acomodou e os indicadores voltaram ao seu leito natural.
Análises pessimistas já circulavam com intensidade, por conta da deterioração dos indicadores econômicos no final do governo Fernando Henrique, antes que a Folha de S.Paulo entrevistasse o megainvestidor. A declaração de George Soros apenas consolidou especulações esparsas que aumentavam a volatilidade do mercado e agravavam as dificuldades do governo para manter o controle; mas certamente a imprensa ajudou a espalhar o caos, ao publicar a previsão de George Soros sem oferecer com o mesmo destaque a contrapartida de uma análise mais ponderada.
A fonte de todo saber
A imprensa nunca apresentou aos seus leitores o custo desse episódio, que configurou uma verdadeira conspiração contra os interesses do país, e hoje, como ontem, é de se questionar por que motivo os jornais dão curso às projeções pessimistas com indisfarçável regozijo, em manchetes ululantes.
Se, em 2002, a profecia alarmista de George Soros servia ao propósito da imprensa de interferir na disputa eleitoral em favor de José Serra e contra Lula da Silva, em 2014 a manifestação dos analistas do banco Santander não produz o mesmo efeito.
Qual seria a razão dessa mudança?
Um dos motivos é certamente o fato de que, em doze anos de uma política econômica com mais preocupação social, o Brasil melhorou, a pobreza entrou em queda, a desigualdade foi reduzida e houve uma melhora geral na percepção de bem-estar. Portanto, há um contexto social menos vulnerável a pregações pessimistas, embora persistam circunstâncias preocupantes, como as oscilações de preços e a deterioração histórica da indústria nacional.
Por outro lado, o chamado mercado se tornou mais complexo, e aquele núcleo onde atuam os especuladores não produtivos reduziu-se em relação ao conjunto das movimentações financeiras, enquanto novas fontes de financiamento diversificam os meios de capitalização das empresas.
Mas pode-se acrescentar a esses fatores a queda na credibilidade da mídia tradicional: uma manchete de jornal já não tem o mesmo poder de influência que tinha há pouco mais de uma década, e quem toma decisões financeiras importantes faz uma leitura mais crítica das notícias.
A análise dos consultores do Santander coincide com o que pensam a direção do banco, os especuladores e a imprensa hegemônica. Mas há uma realidade a ser considerada, e ela conta que as instituições financeiras ganharam muito dinheiro com a política econômica baseada no aumento da renda das classes médias.
A maneira atabalhoada com que o presidente do Santander veio a público desfazer o mal-estar apenas escancara a situação ridícula em que se coloca a imprensa ao fazer do mercado a fonte de toda sabedoria.
Os jornais requentam nas edições de terça-feira (29/7) a polêmica causada pela incursão do banco Santander na campanha eleitoral, ao selecionar declarações feitas pela presidente Dilma Rousseff durante sabatina organizada no Palácio da Alvorada pela Folha de S. Paulo, UOL, SBT e rádio Jovem Pan. Com isso, os leitores têm a oportunidade de refletir mais friamente sobre o comunicado em que o setor de análise de investimentos do banco espanhol recomenda explicitamente a seus clientes brasileiros de alta renda que votem contra a reeleição da presidente.
O episódio tem sido comparado a uma manifestação feita em junho de 2002 pelo magnata americano George Soros, de origem húngara, que previu o caos na economia brasileira caso José Serra não fosse eleito presidente, contra Lula da Silva, do PT. O megainvestidor verbalizou certa convicção que corria no mercado, segundo a qual, se eleito, Lula iria dar o calote na dívida externa e o Brasil deixaria de honrar seus títulos.
Operadores da campanha de Serra espalharam o veneno do pessimismo, e rapidamente a profecia se autorrealizou, trazendo grandes prejuízos à economia nacional. Entre junho e dezembro daquele ano, o câmbio disparou do patamar de R$ 2,63 para R$ 3,55; os juros básicos subiram de 18,5% para 25%, e a inflação mensal foi multiplicada por quase 15 vezes no decorrer do semestre, com o índice anual chegando próximo de 11% em novembro.
Com a posse de Lula e a desconstrução da teoria do apocalipse, o mercado se acomodou e os indicadores voltaram ao seu leito natural.
Análises pessimistas já circulavam com intensidade, por conta da deterioração dos indicadores econômicos no final do governo Fernando Henrique, antes que a Folha de S.Paulo entrevistasse o megainvestidor. A declaração de George Soros apenas consolidou especulações esparsas que aumentavam a volatilidade do mercado e agravavam as dificuldades do governo para manter o controle; mas certamente a imprensa ajudou a espalhar o caos, ao publicar a previsão de George Soros sem oferecer com o mesmo destaque a contrapartida de uma análise mais ponderada.
A fonte de todo saber
A imprensa nunca apresentou aos seus leitores o custo desse episódio, que configurou uma verdadeira conspiração contra os interesses do país, e hoje, como ontem, é de se questionar por que motivo os jornais dão curso às projeções pessimistas com indisfarçável regozijo, em manchetes ululantes.
Se, em 2002, a profecia alarmista de George Soros servia ao propósito da imprensa de interferir na disputa eleitoral em favor de José Serra e contra Lula da Silva, em 2014 a manifestação dos analistas do banco Santander não produz o mesmo efeito.
Qual seria a razão dessa mudança?
Um dos motivos é certamente o fato de que, em doze anos de uma política econômica com mais preocupação social, o Brasil melhorou, a pobreza entrou em queda, a desigualdade foi reduzida e houve uma melhora geral na percepção de bem-estar. Portanto, há um contexto social menos vulnerável a pregações pessimistas, embora persistam circunstâncias preocupantes, como as oscilações de preços e a deterioração histórica da indústria nacional.
Por outro lado, o chamado mercado se tornou mais complexo, e aquele núcleo onde atuam os especuladores não produtivos reduziu-se em relação ao conjunto das movimentações financeiras, enquanto novas fontes de financiamento diversificam os meios de capitalização das empresas.
Mas pode-se acrescentar a esses fatores a queda na credibilidade da mídia tradicional: uma manchete de jornal já não tem o mesmo poder de influência que tinha há pouco mais de uma década, e quem toma decisões financeiras importantes faz uma leitura mais crítica das notícias.
A análise dos consultores do Santander coincide com o que pensam a direção do banco, os especuladores e a imprensa hegemônica. Mas há uma realidade a ser considerada, e ela conta que as instituições financeiras ganharam muito dinheiro com a política econômica baseada no aumento da renda das classes médias.
A maneira atabalhoada com que o presidente do Santander veio a público desfazer o mal-estar apenas escancara a situação ridícula em que se coloca a imprensa ao fazer do mercado a fonte de toda sabedoria.
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