quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Banda Larga e as prioridades de Dilma

Por Renata Mielli, no blog Janela sobre a palavra:

O evento Diálogos Conectados realizado pela campanha 'Banda Larga é um Direito Seu' com a candidata à reeleição Dilma Rousseff foi uma importante oportunidade para conhecer um pouco melhor os problemas envolvendo as políticas de telecomunicações no Brasil e as propostas para enfrentá-las.

A presidente da República foi taxativa durante o evento ao dizer que é preciso levar Banda Larga para todos, com qualidade e não só para os que podem pagar. Ela afirmou que construir uma grande malha de infraestrutura de telecomunicações no país é, ao seu ver, o desafio mais importante para o Brasil no próximo período. Que este é o gargalo para um projeto de desenvolvimento nacional mais robusto e será, no seu próximo mandato, prioridade. Por isso, sua meta é universalizar a Banda Larga, recuperando o papel da Telebras e garantindo investimentos massivos, com recursos públicos e privados, para ampliar a infraestrutura de fibra ótica em todo o país. Para isso, Dilma propôs uma Lei de Universalização da Banda Larga para enquadrar a prestação deste serviço no regime público e privado e, assim, fazer com que em 4 anos mais de 90% do país tenha acesso à internet Banda Larga.

Se compreendermos Banda Larga como uma infraestrutura que da suporte à transmissão de dados, sons, imagens e voz e, portanto, algo que é muito mais do que apenas acesso à World Wide Web; e se considerarmos o cenário de declínio da telefonia fixa, então o debate de uma Lei de Universalização da Banda Larga pode conter elementos que regulem a oferta de todos os serviços que estão utilizando essa infraestrutura. Estaríamos falando de uma possível regulação convergente?

Voltando um pouco na história

Em 1997, o governo Fernando Henrique Cardoso vendeu a preço de banana a Telebras, privatizando um setor estratégico para o desenvolvimento econômico e social e para a defesa da soberania do país. Na privatização da telefonia – porque até aquele momento os serviços de telecomunicação praticamente se resumiam ao Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) – bilhões de reais em redes de transporte e imóveis foram repassados ao setor privado, através de contratos de concessão, para a prestação do serviço que deveria obedecer metas de universalização. A privatização da Telebras se constitui em um dos maiores danos ao patrimônio brasileiro.

Com a proliferação da telefonia celular e o surgimento da internet Banda Larga, o cenário das telecomunicações tem passado por importantes modificações, e o papel das novas tecnologias ganhado uma centralidade política e econômica cada vez maior.

Desde 2009, entidades do movimento social têm insistido que o Brasil precisa reconhecer a Banda Larga como um serviço essencial, de interesse coletivo e que, portanto, precisa ter o seu acesso garantido pelo Estado para todos os brasileiros, em todos os cantos do país, com boa qualidade e a preços acessíveis.

Esta bandeira, vai muito além da simples readequação de um regime jurídico para a prestação de um serviço público, ela tem um sentido contrário ao movimento privatista de cunho neoliberal realizado por FHC. Sem ser estatizante, a luta pela universalização do acesso à Banda Larga pressupõe um novo protagonismo do Estado brasileiro como agente indutor da economia, e inclusive competindo com o setor privado onde esta disputa se faça necessária para atender ao interesse público.

Em 2010, o governo Lula lançou o Plano Nacional de Banda Larga – PNBL – que fazia um diagnóstico bastante crítico da situação da banda larga no Brasil. Afirmava que era um serviço caro, de pouca qualidade e para poucos e responsabilizava o setor privado por aquele cenário. Entre as propostas para enfrentar os problemas e a insuficiência na infraestrutura estava a reativação da Telebras e o seu fortalecimento para cumprir funções tanto de gestora do Plano, como para atuar no mercado do atacado, a partir da recuperação da redes públicas existentes e, onde não houvesse interesse significativo de mercado, atuar no varejo, oferecendo conexão na última milha para garantir o acesso à Banda Larga. Outro aspecto positivo do PNBL era a criação de um instrumento de debate e acompanhamento da política que contaria com a presença de representantes do movimento social, das empresas de Telecom e do governo, o Fórum Brasil Conectado (FBC).

Mas o PNBL era, apesar disso, demasiadamente tímido, já que em nenhum momento falava de universalização do acesso à Banda Larga, mas apenas de massificação do acesso. Também, num primeiro momento, considerava como Banda Larga conexões de 512 kbps. Outro aspecto problemático na proposta era apostar demasiadamente na força do mercado para realizar essa massificação e, principalmente, mantendo a oferta deste serviço em regime privado.

As entidades criticaram fortemente estes aspectos do PNBL e tentaram disputar, na construção dessa política, estes pontos, apresentando propostas para que o plano pudesse efetivamente dar consequência prática para resolver os problemas tão bem analisados no diagnóstico.

Principalmente a necessidade de o governo deixar de falar em massificação e assumir que é preciso universalizar a Banda Larga. Mas o Fórum Brasil Conectado foi desativado, os espaços de diálogo com o governo interditados e o programa foi sendo esvaziado, até praticamente ser abandonado.

Voltando aos dias de hoje

Por tudo isso, o compromisso de universalização apresentado por Dilma é algo importante no atual contexto. Universalizar pressupõe iniciativas do Estado brasileiro para garantir a oferta do serviço, mesmo que ele se dê com forte participação do setor privado. E impõe às empresas de telecomunicações uma série de obrigações para que o serviço seja prestado. E ela se comprometeu com isso.

Mas, para colocar este projeto em prática, Dilma apresentou a proposta de criar um Lei de Universalização da Banda Larga. E foi este, sem dúvida, o elemento surpresa na discussão e um caminho bem diferente do proposto pela Campanha Banda Larga, que é o de colocar a Banda Larga em regime público (ou seja, com as empresas precisando cumprir metas de universalização, modicidade tarifária e continuidade do serviço) por decreto presidencial.

Na visão da campanha, para que o governo defina a Banda Larga como um serviço que precisa ser universalizado, enquadrando as empresas nas obrigações previstas no regime público, basta um decreto presidencial definindo a Banda Larga como serviço de interesse coletivo, nos termos do artigo 18 da LGT. Isso, porque o Marco Civil da Internet, já definiu que o acesso à internet deve ser um direito de todos e que ele é essencial ao exercício da cidadania (artigos 4º e 7º).

Bom, não é este o caminho apontada por Dilma Rousseff, que considera o decreto um instrumento frágil e passível de judicialização por parte das empresas e que, neste caso, o melhor seria fazer um Lei para a Universalização da Banda Larga.

Dilma tem razão ao dizer que o decreto tem menos força política que a Lei, e a campanha tem razão ao dizer que o decreto é legal e seria o caminho mais curto para enfrentar o problema. Então, qual caminho é o melhor?

Difícil dizer, principalmente em função do forte poder político e econômico das empresas de Telecomunicações. Mas, este não é o ponto.

A questão que fica da proposta feita pela Dilma, e em torno da qual vale mais reflexão é: partir da presidenta da República e da candidata a reeleição a proposta de se criar uma nova Lei de Universalização da Banda Larga não pode ser um instrumento político para enfrentar outros gargalos no debate das telecomunicações, decorrentes da privatização feita por FHC cuja expressão jurídica é a LGT?

Partir do pressuposto que o debate de uma Lei seria de cara uma derrota para as propostas que visam garantir o interesse público, fortalecendo o Estado para universalizar o acesso à Banda Larga não é razoável. Principalmente se olharmos que duas importantes leis dentro deste campo foram aprovadas no Congresso Nacional, me refiro ao Marco Civil da Internet e à Lei do SeAc – Serviço de Acesso Condicionado (TV por assinatura).

É verdade que a presidenta não detalhou o que seria esta Lei e sua abrangência, mas ficou bastante claro que ela domina o tema, e que sua meta é universalizar. Ela disse com todas as letras que a universalização não será feita só pelo setor privado e também disse que o Estado não tem condições de fazê-lo sozinho. Portanto ela foi clara ao dizer que o caminho é mesclar Estado e iniciativa privada. Falou em regime público e em regime privado. Disse com todas as letras que o STFC caminha para a extinção. Então o espaço que fica entre o que foi dito e o que não foi detalhado, pode sim ser preenchido com propostas mais avançadas de fortalecimento do Estado e garantia do interesse público. E para isso, é preciso disputar politicamente e continuar cavando espaços importantes como este debate realizado na terça-feira (09/09) no Sindicato dos Engenheiros em São Paulo.

2 comentários:

Pedro Sanches disse...

EXCELENTE MATÉRIA MIRO, MUITO ESCLARECEDORA.

Anônimo disse...

A moralização do setor poderia começar com uma CPI da NET.