A presidente ficou com 41.59% dos votos contra 33.55% para Aécio Neves - a menor parcela de votos e uma das menores a vantagens alcançados por um candidato do PT depois que Lula deixou a condição de eterno perdedor em pleitos presidenciais para a de concorrente imbatível e padrinho sem igual. Havia festa nas reações do PSDB em São Paulo e um ambiente de perplexidade e dúvida entre os petistas que se reuniram com Dilma na noite de domingo, no teatro de eventos do Royal Tulipe, em Brasília.
Convém não esquecer, contudo, que, quando o primeiro turno terminou, Dilma se encontrava a oito pontos e uns quebrados da vitória. A distância, para Aécio, era duas vezes maior: dezesseis pontos e alguma coisa.
Dilma teve perto de cinco milhões de votos a mais em 2010, quando venceu o primeiro turno por 46,9% contra 32.6% de José Serra. Em 2002, Lula foi para o segundo turno com 46,44% contra 23,19% sobre José Serra. Em 2006, a diferença foi da mesma ordem de grandeza do que em 2014: 48,6% contra 41,6%. Mas Lula estava mais perto de vencer naquela época, a primeira eleição depois das denúncias da Ação Penal 470. Apesar da diferença menor, faltaram menos de 2% dos votos para liquidar a disputa em primeiro turno. O pleito de 2006 entrou para os anais do Partido dos Trabalhadores como uma disputa que só foi para o segundo turno por causa do escândalo dos aloprados, que explodiu às vésperas da votação. Pelos números de ontem, a distancia superior a oito pontos mostra que, no fim das contas, uma vitória em primeiro turno estava fora de toda cogitação realista, pelo menos depois que Marina Silva entrou na disputa.
Em 2010, a visão desfeita de uma vitória no primeiro turno deixou um rastro de desorientação. Dilma não tinha o que dizer numa entrevista aos jornalistas e o rosto amarrado sublinhava a decepção. Na noite de ontem, quando recebeu cumprimentos pelo resultado da votação — merecidos afinal de contas, pois ficara em primeiro lugar — Rousseff reagia com simplicidade. “Obrigada, querido. Você compreende a importância da vitória de hoje.” Antes de entrar no palco, a presidente-candidata chegava a dançar nos bastidores, ao som da música da campanha.
Deixando de lado o ambiente de sonho dos últimos dos últimos dias, com o qual a presidente e seus assessores próximos nunca partilharam, Dilma e o PT sempre tiveram certeza de que em 2014 iriam enfrentar a eleição mais difícil de todas depois que o partido se tornou governo federal. Sob o risco de enfrentar uma quarta derrota consecutiva para o condomínio Lula-Dilma, seus adversários montaram um bloco para agir de forma unitária, com a coesão possível. Se os meios de comunicação nunca foram torceram por Lula-Dilma, é difícil imaginar um Manchetômetro tão agressivo como o de 2014.
Depois de agosto, o partido chegou a comportar-se como um paciente que, sofrendo de uma moléstia incurável, demonstra os temores aflitos de quem foi desenganado pelos médicos quando a ascenção de Marina logo após a morte de Eduardo Campos ameaçou derrubar Dilma. Lula precisou colocar ordem na casa numa plenária de dirigentes, em São Paulo, quando cobrou mais empenho do candidato a governador Alexandre Padilha na campanha de Dilma. Lula também cobrou que os petistas demonstrassem orgulho de serem petistas. Após o desempenho real de Padilha, ontem, que envergonhou o conjunto dos institutos de pesquisa, era difícil negar que sua oratória teve efeito.
Marcando uma diferença com Lula, e mesmo com o marqueteiro João Santana, na hora mais difícil Dilma foi para cima de Marina. O efeito foi selecionar os vencedores de ontem.
“Agora vamos para a nossa luta tradicional,” dizia Gilberto Carvalho, circulando entre militantes que foram ao Royal Tulipe. “Estamos habituados a enfrentar o PSDB e vencer.” Para Ricardo Berzoini, será a luta “do pobre contra o rico, do bem contra o mal.” É a identidade do PT, integrada a história do partido. Mesmo atingido por escândalos midiáticos que não fazem justiça ao desempenho de outros partidos — que possuem um número infinitamente maior de políticos condenados pela Justiça — o PT segue identificado como a legenda que mais combate a injustiça e a desigualdade.
O PT sempre teve receio de enfrentar Marina, no segundo turno, pela convicção de que numa segunda rodada o PSDB iria fazer o voto util e se deslocar em massa num eventual apoio a candidata do PSB para derrotar Dilma — mas a recíproca dificilmente seria verdadeira, já que uma parcela dos eleitores de Marina tem uma história à esquerda e uma imensa dificuldade de apoiar o partido que se tornou o porta-voz organico dos grandes empresários do país. A dúvida, ontem, não envolvia a discussão sobre o acerto em priorizar o confronto com Marina no primeiro turno. Mas em avaliar as dificuldades que os conflitos do primeiro turno poderão trazer para o segundo, quando será preciso procurar aliados entre os adversários da véspera.
O segundo turno começa com uma complicação a mais para Dilma. Aécio é um adversário em ascensão. Seus 33,5% são produto de um salto dos últimos dias, o que coloca a pergunta sobre a capacidade que o PT terá para interromper o avanço do adversário.
Os debates pela TV demonstraram que Dilma consegue ir bem em confrontos diretos com Aécio e ela aproveitou o discurso no Royal Tulipe para fazer isso, demarcando o terreno político daqui para a frente. Acusou o governo do PSDB de se “ajoelhar diante do FMI”. Disse que no governo de Fernando Henrique os tucanos “elitizaram a universidade.” Dilma também disse que poderia aceitar muitas mudanças na economia mas jamais praticaria novidades como “desemprego e arrocho salarial.”
O segundo turno de 2014 será uma disputa relativamente curta, de duas semanas. A propaganda política na TV retoma na quinta-feira. As campanhas já acertaram a realização de quatro debates até 26 de outubro. Até lá, o eleitor deve se preparar. O segundo turno da mais difícil campanha dos últimos 12 anos será a mais agressiva e mais disputada desde 1989, aquela que reuniu Fernando Collor e Luiz Inácio Lula Silva, produzindo episódios constrangedores que o eleitor não tem o menor interesse em repetir.
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