Por Célio Turino, na revista Fórum:
“Rio, rio, me carregue / rio vivo, me carregue / rio, rio, me carregue / para o lugar de onde eu vim”. (Tradução livre de “Washing of the water” de Peter Gabriel)
A sensação é a de ter atravessado um rio tormentoso, cheio de correntezas e, ao estar perto da margem, descobrir que é necessário voltar para começar tudo de novo. Voltarei e recomeçarei. Foi bom nadar junto com todos da REDE, mas entre uma correnteza e outra, percebi que não era exatamente para esta margem que desejava ir. Mais honesto deixar que a correnteza me carregue de volta e, ao chegar na margem de partida, tomar fôlego, refletir e me atirar novamente ao rio, por mais difícil que seja, pois sei que existe a terceira margem, aprendi isso ouvindo o silêncio do sertão, junto às histórias de Guimarães Rosa.
As alianças políticas iniciais, muitas por imposição da realidade e que por isso mesmo devem ser compreendidas nestas circunstâncias, mesmo quando contraditórias, foram necessárias para seguir a travessia do rio. Mais para o meio do rio, o programa, principalmente na parte econômica; neste caso, os galhos arrastados feriram por demais, como não me atirei (não nos atiramos) em um rio tormentoso para defender propostas que iam em sentido oposto aos princípios de toda uma vida dedicada à emancipação social e aos direitos do povo, já naquele momento foi necessário começar a pensar na volta.
A lógica das finanças não pode prevalecer sobre a lógica da vida, nos jogamos no rio para defender os ideais da sustentabilidade, os direitos das águas, dos animais, das plantas, das pessoas, da terra…, não para defender a Independência do Banco Central; nem a revisão do conceito do trabalho escravo, tão duramente conquistado após dez anos de protelação no Congresso (por mais que houvesse boa intenção, esta proposta, assim como a revisão da CLT, era totalmente inapropriada); nem a diminuição do papel dos Bancos Públicos ou dos créditos direcionados para o financiamento rural ou moradia popular (enquanto houver famílias sem casa, há que ter financiamento direcionado e subsidiado para assegurar-lhes um teto); ou a redução da Justiça Trabalhista para uma mera função arbitral (pois se assim fosse, os trabalhadores e categorias menos organizados seriam ainda mais desprotegidos). Mas ainda assim seguimos enfrentando os galhos na correnteza, não era possível retornar naquele momento pois a campanha eleitoral, assim como a travessia de uma correnteza, não podia parar. E talvez fossem apenas galhos inadvertidamente arrastados em meio ao turbilhão do rio; afinal, havia muito mais coisa boa no programa, como meta para energias renováveis, a diversidade cultural, a reforma agrária, o respeito aos índios e quilombolas, a defesa das florestas… Mas que pelas circunstâncias, pelos ataques sofridos, pelo pouco tempo de televisão, pela tragédia da morte de Eduardo Campos e todos os atropelos daí advindos, praticamente não puderam ser destacados como mereciam. Também houve os atropelos no funcionamento interno da REDE, antes mesmo da campanha eleitoral ou da filiação solidária ao PSB, na tomada de decisões e no hermetismo com que eram tomadas, na distância entre o que se fala e o que se faz.
Ainda assim seguimos juntos na travessia do rio, sempre na esperança em encontrar algum banco de areia ou tronco de árvore mais forte, que nos permitisse retornar fôlego e redefinir rumos, como poderia acontecer no segundo turno das eleições presidenciais. Porém, o povo não decidiu assim.
Naquele momento nos cabia decidir entre seguir a travessia, mesmo sem encontrar um tronco em que nos apoiar (ou um tronco a apoiar) ou se agarrar a algumas toras que passassem por ali, mesmo sem saber para onde nos levariam, ainda mais quando este caminho não era o inicialmente traçado (ou sonhado). O Brasil se dividiu nestas eleições, e de uma forma ruim, exacerbando todo um conjunto de maus sentimentos, posturas e imposturas. Resultado de erros recentes, muitos do atual governo, mas também de erros do passado, seculares, de um país que foi se fazendo na desigualdade e ganância. Não se tratava de uma simples e saudável alternância de poder, mas de retrocessos conceituais, da retomada de valores que tão mal fizeram e fazem aos povos, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar. Para mim e creio que para todos que acreditam em uma vida com mais justiça e menos desigualdade, o salário mínimo praticado no Brasil não é alto (a propósito, na América do Sul, apenas a Bolívia tem salário mínimo com valor inferior) e as riquezas naturais, quando exploradas com parcimônia e respeito ao ambiente, devem servir ao bem estar do povo, jamais a empresas coloniais, ávidas de lucro (um bom exemplo é o que acontece com a Sabesp, distribuindo metade de seus lucros – R$ 6,7 bilhões em seis anos- a acionistas em Nova York enquanto o povo de São Paulo está ameaçado com o colapso no abastecimento da água). Também não seria possível apoiar políticas econômicas ortodoxas que voltassem a praticar taxas de juro público em níveis de agiota (como quando a Selic chegou a 45% ao ano!), nem que desemprego voltasse a ser considerado uma mera externalidade necessária ao bom funcionamento da macroeconomia (como quando o desemprego chegou a 12% ano no Brasil e a incríveis 20% na grande São Paulo). Afinal, a política e a economia têm que servir à qualidade de vida, à felicidade do povo, não aos rentistas.
Mesmo apoiando e confiando nos princípios e valores originais da REDE e mesmo em sabendo que muitos daqueles que seguirão na REDE estarão honestamente empenhados na defesa destes princípios, entendo que meu tempo como filiado se encerra por aqui. Sinceramente, desejo sorte a todos que permanecem, deixo amigos por e quero reencontrá-los em jornadas futuras. Registro, em especial (e apenas não cito mais nomes para não cometer o erro de esquecer algum), o carinho e respeito à Marina Silva, pessoa que, por sua origem, posturas e trajetória de vida, ainda tem muito a contribuir com o povo brasileiro, sobretudo nestes tempos incertos, em que o diálogo, a paz e a tolerância se farão ainda mais necessários. E foi exatamente por esta compreensão sobre o papel de Marina que a defendi com firmeza, contra as infâmias e covardias de que foi vítima durante esta campanha, incluindo as mais terríveis insinuações a respeito do trágico acidente com Eduardo Campos.
Sei que a REDE está quase alcançando a outra margem do rio (afinal, faltam menos de 40 mil assinaturas para obter a legalização), tenho igual consciência da minha dedicação e esforço para que chegássemos onde chegamos, mas prefiro regressar, desejando sucesso aos que seguem. Vou enfrentar a mesma correnteza na volta e assim que chegar lá (sinto que já estou chegando), novamente vou me atirar no tormentoso rio da busca por uma nova cultura política em um Brasil que se reinventará de baixo para cima, com potência e afeto.
A sensação é a de ter atravessado um rio tormentoso, cheio de correntezas e, ao estar perto da margem, descobrir que é necessário voltar para começar tudo de novo. Voltarei e recomeçarei. Foi bom nadar junto com todos da REDE, mas entre uma correnteza e outra, percebi que não era exatamente para esta margem que desejava ir. Mais honesto deixar que a correnteza me carregue de volta e, ao chegar na margem de partida, tomar fôlego, refletir e me atirar novamente ao rio, por mais difícil que seja, pois sei que existe a terceira margem, aprendi isso ouvindo o silêncio do sertão, junto às histórias de Guimarães Rosa.
As alianças políticas iniciais, muitas por imposição da realidade e que por isso mesmo devem ser compreendidas nestas circunstâncias, mesmo quando contraditórias, foram necessárias para seguir a travessia do rio. Mais para o meio do rio, o programa, principalmente na parte econômica; neste caso, os galhos arrastados feriram por demais, como não me atirei (não nos atiramos) em um rio tormentoso para defender propostas que iam em sentido oposto aos princípios de toda uma vida dedicada à emancipação social e aos direitos do povo, já naquele momento foi necessário começar a pensar na volta.
A lógica das finanças não pode prevalecer sobre a lógica da vida, nos jogamos no rio para defender os ideais da sustentabilidade, os direitos das águas, dos animais, das plantas, das pessoas, da terra…, não para defender a Independência do Banco Central; nem a revisão do conceito do trabalho escravo, tão duramente conquistado após dez anos de protelação no Congresso (por mais que houvesse boa intenção, esta proposta, assim como a revisão da CLT, era totalmente inapropriada); nem a diminuição do papel dos Bancos Públicos ou dos créditos direcionados para o financiamento rural ou moradia popular (enquanto houver famílias sem casa, há que ter financiamento direcionado e subsidiado para assegurar-lhes um teto); ou a redução da Justiça Trabalhista para uma mera função arbitral (pois se assim fosse, os trabalhadores e categorias menos organizados seriam ainda mais desprotegidos). Mas ainda assim seguimos enfrentando os galhos na correnteza, não era possível retornar naquele momento pois a campanha eleitoral, assim como a travessia de uma correnteza, não podia parar. E talvez fossem apenas galhos inadvertidamente arrastados em meio ao turbilhão do rio; afinal, havia muito mais coisa boa no programa, como meta para energias renováveis, a diversidade cultural, a reforma agrária, o respeito aos índios e quilombolas, a defesa das florestas… Mas que pelas circunstâncias, pelos ataques sofridos, pelo pouco tempo de televisão, pela tragédia da morte de Eduardo Campos e todos os atropelos daí advindos, praticamente não puderam ser destacados como mereciam. Também houve os atropelos no funcionamento interno da REDE, antes mesmo da campanha eleitoral ou da filiação solidária ao PSB, na tomada de decisões e no hermetismo com que eram tomadas, na distância entre o que se fala e o que se faz.
Ainda assim seguimos juntos na travessia do rio, sempre na esperança em encontrar algum banco de areia ou tronco de árvore mais forte, que nos permitisse retornar fôlego e redefinir rumos, como poderia acontecer no segundo turno das eleições presidenciais. Porém, o povo não decidiu assim.
Naquele momento nos cabia decidir entre seguir a travessia, mesmo sem encontrar um tronco em que nos apoiar (ou um tronco a apoiar) ou se agarrar a algumas toras que passassem por ali, mesmo sem saber para onde nos levariam, ainda mais quando este caminho não era o inicialmente traçado (ou sonhado). O Brasil se dividiu nestas eleições, e de uma forma ruim, exacerbando todo um conjunto de maus sentimentos, posturas e imposturas. Resultado de erros recentes, muitos do atual governo, mas também de erros do passado, seculares, de um país que foi se fazendo na desigualdade e ganância. Não se tratava de uma simples e saudável alternância de poder, mas de retrocessos conceituais, da retomada de valores que tão mal fizeram e fazem aos povos, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar. Para mim e creio que para todos que acreditam em uma vida com mais justiça e menos desigualdade, o salário mínimo praticado no Brasil não é alto (a propósito, na América do Sul, apenas a Bolívia tem salário mínimo com valor inferior) e as riquezas naturais, quando exploradas com parcimônia e respeito ao ambiente, devem servir ao bem estar do povo, jamais a empresas coloniais, ávidas de lucro (um bom exemplo é o que acontece com a Sabesp, distribuindo metade de seus lucros – R$ 6,7 bilhões em seis anos- a acionistas em Nova York enquanto o povo de São Paulo está ameaçado com o colapso no abastecimento da água). Também não seria possível apoiar políticas econômicas ortodoxas que voltassem a praticar taxas de juro público em níveis de agiota (como quando a Selic chegou a 45% ao ano!), nem que desemprego voltasse a ser considerado uma mera externalidade necessária ao bom funcionamento da macroeconomia (como quando o desemprego chegou a 12% ano no Brasil e a incríveis 20% na grande São Paulo). Afinal, a política e a economia têm que servir à qualidade de vida, à felicidade do povo, não aos rentistas.
Mesmo apoiando e confiando nos princípios e valores originais da REDE e mesmo em sabendo que muitos daqueles que seguirão na REDE estarão honestamente empenhados na defesa destes princípios, entendo que meu tempo como filiado se encerra por aqui. Sinceramente, desejo sorte a todos que permanecem, deixo amigos por e quero reencontrá-los em jornadas futuras. Registro, em especial (e apenas não cito mais nomes para não cometer o erro de esquecer algum), o carinho e respeito à Marina Silva, pessoa que, por sua origem, posturas e trajetória de vida, ainda tem muito a contribuir com o povo brasileiro, sobretudo nestes tempos incertos, em que o diálogo, a paz e a tolerância se farão ainda mais necessários. E foi exatamente por esta compreensão sobre o papel de Marina que a defendi com firmeza, contra as infâmias e covardias de que foi vítima durante esta campanha, incluindo as mais terríveis insinuações a respeito do trágico acidente com Eduardo Campos.
Sei que a REDE está quase alcançando a outra margem do rio (afinal, faltam menos de 40 mil assinaturas para obter a legalização), tenho igual consciência da minha dedicação e esforço para que chegássemos onde chegamos, mas prefiro regressar, desejando sucesso aos que seguem. Vou enfrentar a mesma correnteza na volta e assim que chegar lá (sinto que já estou chegando), novamente vou me atirar no tormentoso rio da busca por uma nova cultura política em um Brasil que se reinventará de baixo para cima, com potência e afeto.
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