Por Laura Capriglione, em seu blog:
Uma turma de tucanos e afins venceu a eleição, ainda que o TSE tenha anunciado a vitória da petista Dilma Rousseff. Geraldo Alckmin é seu líder. São os linhas-duras, como o coronel Telhada, os pastores Silas Malafaia e Marco Feliciano, as viúvas da Ditadura; são os neo-bandeirantes, que professam um barulhento regionalismo contra o norte e o nordeste; os que defendem o encarceramento em massa e a redução da maioridade penal; os que enaltecem a polícia violenta e se opõem à ampliação dos direitos LGBTT e da mulher; a turma que tem ojeriza à ideia de descriminalizar o uso da maconha.
As urnas mostraram que as hostes de Geraldo Alckmin avançaram sobre territórios petistas nunca dantes alcançados, enquanto as Minas Gerais de Aécio Neves humilharam o candidato tucano, votando majoritariamente em Dilma.
O mesmo aconteceu em Pernambuco, onde a família de Eduardo Campos, depois de decidir por Aécio, amargou a derrota que o finado jamais experimentou.
Alckmin saiu do segundo turno já consagrado como o próximo candidato tucano à presidência da República.
Costuma-se perguntar o que Geraldo Alckmin tem tanto a seu favor que nada, nem as contas secretas dos operadores do escândalo do metrô; nem a implantação da USP Leste sobre um lixão tóxico; nem os índices crescentes de criminalidade no Estado; nem as torneiras secas e a incompetência da Sabesp, conseguiram derrubá-lo.
Pois o que ele tem é uma narrativa coerente. Ele convence como um conservador que vive em consonância com o conservadorismo que professa.
Ele não finge ser contra o aborto, como fez a mulher de José Serra, Monica Serra. Todos se lembram dela fingindo indignação para denunciar que Dilma seria “a favor de matar as criancinhas”. Depois se soube que a própria Monica Serra, ela mesma, já havia feito um aborto, anos antes.
Alckmin não é assim. Ele é sinceramente contra.
Filho de um conservador simpático ao Opus Dei, Alckmin tem sólida formação católica. Ele não finge que defende os direitos humanos. “Quem não reagiu está vivo”, disse o governador paulista certa vez, justificando um massacre cometido pela PM, a mesma PM que acaba de bater mais um recorde de letalidade, com o crescimento em 150% no número de mortes decorrentes –alegadamente – de confronto.
Alckmin não dá folga para os usuários de drogas – e as cadeias paulistas estão cheias de jovens presos com quantidades ínfimas de maconha ou outras substâncias. Isso apesar de seu correligionário e estrela maior do tucanato, Fernando Henrique Cardoso, ser um ferrenho defensor da descriminalização da maconha. E apesar de Aécio Neves ser sempre relacionado a comportamentos heterodoxos na área.
E não venham falar em penas alternativas. Isso não é com Alckmin, o homem para quem governar é construir cadeias. No início do ano, ele prometeu entregar até dezembro 11 novas unidades prisionais no Estado. Serão mais 8.728 vagas abertas na verdadeira escola do crime que é o sistema carcerário, sabidamente controlado pelo PCC.
Ah, e tem a questão da redução da maioridade penal, mas nesse quesito São Paulo está na vanguarda, já dispensando aos menores infratores tratamento equivalente ao dos detentos em cadeias para adultos (veja, a propósito, entrevista com o antropólogo Fábio Mallart.
É uma agenda conservadora, que retira sua força do medo dos cidadãos paulistas de serem atingidos pela violência da bandidagem. E como não temer essa violência se a Capital de São Paulo registrou até setembro 121.940 roubos, número que quase se iguala ao total de roubos registrado em 2013 inteiro?
Alckmin é mestre no manejo da narrativa da violência. Se o número de crimes aumenta, ele anuncia mais polícia nas ruas, mais prisões. E logo surge uma estatística mostrando que a PM está matando mais – o que os arautos da violência policial apresentam como a prova de que as forças da lei e da ordem estão trabalhando.
É por essas e outras que Alckmin se tornou o grande vitorioso na derrota tucana. Um Aécio colado em FHC não conseguiu nem sequer ganhar em seu próprio Estado. Marina e a agenda sonhática desidratou-se no embalo das idas e vindas de sua proverbial falta de convicção.
Vários marqueteiros e alguns luminares atribuíram a derrota tucana à incapacidade da campanha de Aécio em entender os eleitores, grandemente transformados depois de 12 anos de governos petistas.
“A sociedade brasileira é outra. E o PSDB tem dificuldade de reconhecer que, durante o governo Lula, houve melhoria expressiva”, disse o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. Querer ganhar eleição com um programa de governo que tinha como ponto forte a volta de Armínio Fraga, convenhamos, foi coisa de doido.
Alckmin é diferente. Ele entende e oferece algum tipo de resposta para as angústias desse novo eleitor, que conseguiu comprar o primeiro carro, o primeiro celular chique, a primeira geladeira dúplex, além de colocar o primeiro filho na faculdade.
Oferece a repressão brava contra quem queira tomar na marra o que foi tão arduamente conquistado. Não resolve, mas consola saber que “vai ter troco”. É disso que vivem os programas sensacionalistas, Datenas e Marcelos Rezendes, de todas as tardes.
Isso posto, é razoável supor que a renovação no ninho tucano jogue fora a agenda descriminalizadora, FHC e os antigos fundadores do PSDB – tudo junto – para melhor acolher a linha-dura dos setores mais conservadores do partido. E que a próxima campanha eleitoral tucana dê-se sob o signo da ordem e da moralidade alckmista (sem esquecer o receituário ortodoxo e privatista de sempre).
A saída para a esquerda é parar de se fingir de poste quando a questão é o enfrentamento das questões ligadas aos direitos humanos. Já se viu que o reencantamento da juventude com a política passa pela questão das drogas (como fez a esquerda uruguaia), pela luta contra o racismo e a homofobia, em defesa dos direitos da mulher, pelo acesso à cultura e à educação, pelo direito à cidade de todos, pela agenda ambiental, pela diversidade.
Os imensos progressos materiais que o povo pobre tem realizado sob os governos petistas até agora serviram mais para alimentar a fogueira do individualismo, do egoísmo e do consumismo do que para forjar novas formas de solidariedade, tão necessárias à idéia de um país justo e fraterno. Este é um dos maiores e mais importantes desafios do PT e da esquerda na próxima gestão Dilma.
Em tempo: Contrariando todas as expectativas, as pesquisas e os prognósticos, em plebiscito realizado no domingo, dia 26 de outubro, o Uruguai rejeitou a redução da maioridade penal. Mostra que a esquerda ganhou um importante round na disputa pelos corações uruguaios. E se fosse aqui?
Quem quiser ver os argumentos contra a redução da maioridade usados lá, leia aqui.
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