sábado, 22 de novembro de 2014

O pior caminho para Dilma

Por Patrick Mariano, no blog Viomundo:

Ato I

Um jovem com camiseta vermelha é agredido com empurrões e xingamentos na avenida paulista por usar camiseta vermelha. Na estampa, uma alegre alegoria com Marx, Lênin, Fidel e Mao numa festa.

- Vai pra Cuba, vai morar no inferno, estamos num país livre! Vai arrumar emprego na Venezuela e na Argentina, nesses buracos!

Ato II

Um repórter de um programa de TV é agredido e impedido de trabalhar na mesma avenida Paulista.

- Jean Wyllis do CQC! Eu não tenho ódio, amiguinho. Você tá cagando de medo porque vai se fuder nessa história! Vai pra Cuba, devia ir mesmo! Ô viadão. Você já deu pro Lula? Tá sendo entrevistado aqui um filho da puta comunista. Dá pro Tas, pro Lulinha! Você tem que ser extirpado da vida pública. (ouve se imitações de macaco).

Ato III

14 de novembro de 2010.

- Na hora em que eu olho, ele já acerta com a lâmpada no meu rosto. Na hora em que eu coloquei a mão no rosto, já estava saindo sangue. Ele vem com a segunda, e eu me defendo. Os outros começaram a rir.

Ato IV

- Eles vem com força mesmo de agressão mesmo para ver o sangue sair mesmo das pessoas que estiver andando com mãos dadas uns com os outros.

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Esses fatos têm em comum o lugar em ocorreram: avenida Paulista, os três quilômetros mais ricos do Brasil. É lá que se tomam as decisões que impactam em todo o resto do país. Os grandes bancos e o chamado “mercado”, aquele que decide e dá as cartas, estão todos lá com suas representações.

Tirante o local, esses acontecimentos se entrelaçam com o ódio e a vontade de destruir ou, no dizer de um desses personagens, extirpar o outro. Seja porque usa uma camisa vermelha ou porque se resolve andar de mãos dadas com outra pessoa. Demonstrar carinho e afeto, dentro desse contexto, é perigoso.

Se eu não posso escolher a cor da minha camiseta, sequer as mãos com as quais caminharei pela rua e vivo em uma democracia, algo de estranho paira no ar.

Já abordamos aqui neste Viomundo o número preocupante de assassinatos de pessoas em situação de rua, pelo “motivo” de serem pobres e a rejeição, por parte de moradores da construção de albergues no bairro de Santa Cecília e em Brasília.

Os lamentáveis episódios que acabamos de relatar colocam em estado de alerta o próprio processo civilizatório ou de construção de uma sociedade cada vez mais livre, justa e solidária, a teor do mandamento da Constituição da República de 1988.

Esses fatos trágicos e lamentáveis tem se repetido. Hora assistimos espancamentos e assassinatos de gays, hora assassinatos de pessoas em situação de rua e hora hostilidades e agressões a quem pensa politicamente diferente ou mesmo apenas usa camisa vermelha.

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Ato V

Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, 2014

“O garoto foi espancado, teve suas roupas arrancadas e depois foi acorrentado com um cadeado de bicicleta. Durante a surra, também perdeu parte de uma orelha”.

Ato VI

Zona Leste de São Paulo, 2013

“As vítimas estavam indo trabalhar, são pedreiros numa obra na zona leste, aqui na avenida do oratório foram perseguidos e atacados bem em frente a esse ponto de ônibus”.

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Esses dois últimos casos são, também, tristes exemplos de manifestação social de ódio. O primeiro contra um jovem negro, acusado de furto. O segundo contra pedreiros do Piauí que iam para o trabalho. O motivo? Ser negro, pobre e nordestino.

Durante a campanha presidencial não foram raros os ataques aos nordestinos, atribuindo-lhes a responsabilidade por um voto ignorante e mal informado, até mesmo por um sociólogo renomado. Mas, antes mesmo disso, já nas manifestações de junho de 2013, militantes com bandeiras vermelhas foram agredidos e expulsos do espaço público.

O muro de Berlim caiu em 1989, mas a base racional de construção do inimigo ainda se faz presente, mesmo que em mentes pouco privilegiadas ou com falhas graves no estudo da história. O comunista de outrora, razão física do medo incutido pelas nações capitalistas, renasce agora travestido de ditadura petista, gayzista e comunista.

Mas por que gays, petistas, camisetas vermelhas, nordestinos e pessoas em situação de rua despertam tanto ódio em uma parcela da população?

É que na ausência de um discurso racional de oposição, quem tomou a frente como formadores de opinião foram humoristas, ex-cantores e alguns articulistas de revistas. Através de contas na rede social twitter que às vezes chegam agregar 5 milhões de seguidores e de blogues, foram explanando aos quatro ventos esse discurso sem pé nem cabeça que não resiste a um diálogo minimamente sério.

A apatia dos partidos políticos contribuiu para esse tipo de “formação de consciência”. Basta a tanto assistir (se tiver estômago) alguns hangouts de 2013 (debates pela internet) entre essas trágicas figuras. Nesses vídeos é possível pegar alguns traços da construção desse discurso.

Por outro lado, há uma crise de referências na sociedade brasileira. Na intelectualidade, nos meios acadêmicos e na cultura. Há um vácuo de geração.

Muitos dos jovens de hoje só ouviram falar de Ariano Suassuna na sua morte ou em alguma associação com Chicó e João Grilo. Quantos jovens de hoje sabem quem foi Darcy Ribeiro? Glauber Rocha, Oscar Niemeyer? Nessa molecada que vive nas redes sociais, quem conhece Antônio Cândido?

Quem são os ícones da juventude atual dentro desse contexto neoliberal de sociedade de consumo de massas?

A canalização do potencial criativo e ousado dos nossos jovens para onde está indo atualmente? Os brasileiros que possuem maior número de seguidores no tuíter em ordem decrescente são: Kaká, Neymar, Ivete Sangalo, Paulo Coelho, Programa Pânico, Ronaldinho Gaúcho, Cláudia Leite, Luciano Huck, Marcos Mion. O humorista Danilo Gentili tem algo em torno de 7 milhões de seguidores.

Aí,se encontra a atual encruzilhada e que pode nos dar um início de resposta ao por que dessas manifestações e discursos toscos, confusos, que disseminam o ódio. No neoliberalismo, os grandes meios de comunicação tornam os jovens meros consumidores e reprodutores dos “valores” individualistas.

E o contraponto a isso?

O PT hoje paga o preço pelo aquilo que não fez e poderia ter feito. Seja na formação política dos seus militantes, seja na ação de governar ao se ausentar de pautar e enfrentar temas caros da atualidade. A perda da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados já era um sintoma da apatia do governo e do partido. É óbvio que não há nada de comunista no programa petista e que o Foro de São Paulo é um fantasma que diz muito e não diz nada.

No entanto, o PT não é criticado por ter tirado 40 milhões da pobreza extrema, disso não se fala. A corrupção, Cuba, camisa vermelha, gays e ditadura são os pontos que “embasam” esse discurso do ódio, mas se esquece que a corrupção é a forma de funcionamento do capitalismo. Por isso, é preciso disputar e pautar a sociedade com temas que façam o processo democrático avançar. Na apatia, esse discurso minoritário ganha eco.

O PSDB se apropria desse discurso e o legitima na ausência de um projeto para o País. A direita está acéfala de pensadores com um mínimo de seriedade. Não sem razão, o senador Aloysio Nunes esteve presente nessas manifestações em que mencionamos no início e foi ao programa de Danilo Gentili.

Na política, ou você constrói pautas ou é pautado. O governo tem força e amplitude para pautar temas, mas nos últimos anos acabou muitas vezes sendo pautado. Temas não faltam. A questão da democratização da educação, da mídia, reforma política, do extermínio da juventude negra nas periferias, reforma agrária, dos indígenas, quilombolas, da fome e das desigualdades regionais ainda estão candentes e precisam ser enfrentados.

A Comissão da Verdade criada pelo governo federal, se tivesse sido mais efetiva e ousada, talvez constrangesse ainda mais aqueles que falam em volta da ditadura militar. Dilma a tratou com descaso. Prova disso é a falta de estrutura, autonomia administrativa e a demora irrazoável na indicação e substituição de nomes. Reestabelecer a verdade histórica é o maior antídoto contra a volta de monstros adormecidos. Punir e responsabilizar os torturadores pelos crimes cometidos é a melhor forma de assimilar o passado e garantir que não mais nos assombre.

O vento favorável que sopra dos movimentos sociais

Um vento favorável sopra dos movimentos sociais e não só pelo que se viu nas eleições. A proposta de reforma política juntou 400 movimentos, entidades e organizações. Foram organizados mais de 2 mil comitês populares em todo o país e recolhidas quase 8 milhões de votos de eleitores, exigindo a convocação de uma assembléia constituinte. As manifestações por moradia em São Paulo e no resto do País tem mostrado que há povo organizado e consciente à espera de maior aprofundamento democrático.

A forte mobilização de movimentos pelo fim do extermínio da juventude negra e aprovação do projeto 4771/2011, que trata dos famigerados autos de resistência, é uma importante bandeira para enfrentar os absurdos números de assassinatos (77% dos jovens assassinados no Brasil são negros).

O geógrafo marxista David Harvey levou 3 mil jovens a praça pública em Fortaleza, proferindo a conferência, “Direito à Cidade e Resistências Urbanas”. Neste momento, 200 advogados populares de movimentos sociais de todo o Brasil estão reunidos no XIX Encontro Nacional da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares-RENAP, em Natal/RN, discutindo estratégias conjuntas de atuação e temas como direito, justiça e cidadania.

O papa Francisco reuniu líderes de movimentos sociais do mundo todo para durante três dias debater temas como a fome, democracia e inclusão social.

Ou seja, para além dessas tolices e sandices da extrema direita que assistimos vez ou outra, existe um pulsar social mais profundo e arraigado por uma sociedade mais justa, solidária e fraterna.

Além de sermos a sétima economia mundial, somos uma nação que tem se colocado no mundo com uma alternativa ao enfrentamento da crise neoliberal e da inclusão social. O Brasil, portanto, é muito maior que esse discurso tosco e sem racionalidade que vemos nos vídeos.

Nesses tempos de mediocridade de ideias e projetos, faz falta a ousadia de Darcy Ribeiro.

Darcy Ribeiro sonhava com o Brasil sendo a nova Roma dos trópicos. Uma democracia inovadora, em que caibam todos os povos. E que no espaço público ninguém seja “extirpado” por andar de mãos dadas, usar camisa colorida ou externar o que pensa.

Os caminhos estão dados para o novo governo Dilma. O pior deles é a apatia de parar na esquina, pois como diria Elis, é nela que mora o perigo.

* Patrick Mariano é doutorando em Direito, Justiça e Cidadania no século XXI na Universidade de Coimbra, Portugal. Mestre em direito, estado e Constituição pela Universidade de Brasília, integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares-RENAP, do coletivo Diálogos Lyrianos da UnB e autor do livro 11 Retratos por 20 Contos.

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