domingo, 7 de dezembro de 2014

Folha manipula pesquisa Datafolha

Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:

No último sábado, o autor deste site gravou participação em um programa de debates da TV dos Trabalhadores (TVT) sobre política. Participaram comigo da mesa de debates Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo, jornalista e professor de Jornalismo da ECA-USP, e Renata Mielli, jornalista e membro da diretoria do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

Durante o programa, discutiu-se o papel supostamente mais progressista que o jornal Folha de São Paulo vem adotando, com o maior nível de pluralidade político-ideológica de seus colunistas. Lalo e Renata rejeitaram certa percepção deste que escreve no sentido de que, por conta dessa maior pluralidade opinativa, o jornalão paulista, de alguma forma, seria melhor do que os outros grandes jornais.

Segundo Lalo e Renata, a maior pluralidade opinativa do jornal pode até existir em suas páginas internas – e isso não vem de hoje –, mas, tal qual os outros grandes meios da imprensa escrita nacional, a Folha incorre no mesmo tipo de trapaça que seus concorrentes: manipulação de manchetes de primeira página.

Os outros participantes do programa supracitado acertaram na mosca ao me lembrarem desse “pequeno” detalhe que, aliás, venho mencionando há anos em todos os fóruns de que participo e até nesta página.

Com efeito, na capital paulista, mais do que em qualquer parte, as primeiras páginas dos jornais e as capas de revistas semanais constituem um meio de comunicação à parte devido ao hábito pouco salutar dos paulistanos de se “informarem” através de manchetes da imprensa escrita que as bancas de jornal penduram do lado externo.

Funciona da seguinte maneira: o sujeito lê só a manchete de primeira página e não confere a matéria a que ela remete. Daí, forma sua “opinião” com base em uma frase e sai papagaiando manchetes desses veículos que, via de regra, distorcem a reportagem.

Por conta disso, outros veículos ainda mais tendenciosos apostam alto nessa venda de ideias curtas e prontas que, em segundos, implantam teses de todo tipo na cabeça dos que abraçam essa “fast information”.

Foi o caso da revista Veja, que, ao longo da última campanha eleitoral, distribuiu gratuitamente às bancas de jornal banners gigantescos com acusações a Dilma Rousseff e ao PT que, lendo as matérias da revista, ficava claro que não passavam de ilações.

Esse fenômeno ocorreu com a manchete principal de primeira página da última edição dominical da Folha, que induziu o leitor à crença em que há uma condenação esmagadora de Dilma pela sociedade por conta do caso Petrobrás.



Como se vê na imagem acima, a manchete dizendo que "o brasileiro responsabiliza Dilma" por corrupção na Petrobrás é o que fica na cabeça de quem passa pela banca de jornal, não compra a Folha e não lê a legenda e o gráfico sob a manchete. Ou seja, a grande maioria passa diante daquela banca de jornal e assimila uma ideia negativa sobre a presidente da República.

A reprodução miniaturizada da capa da Folha (acima) permite entender melhor a situação. Só é possível ver a manchete negativa para Dilma. Note, leitor, como a frase é perfeitamente compreensível mesmo em uma versão miniaturizada da primeira página do jornal, enquanto que todo o resto fica ilegível.

Contudo, se o transeunte chegar perto da banca e parar para ler o resumo da matéria, já começará a descobrir dados que a forma como foi composta a manchete esconde.

Além de a legenda sob a manchete revelar que uma maioria esmagadora de 46% dos entrevistados pelo Datafolha julga que Dilma combate muito mais a corrupção do que seus antecessores – inclusive, mais do que o ex-presidente Lula –, essa legenda ainda diz que a popularidade da presidente passou incólume pelo tsunami de ataques políticos disparados contra si após a eleição em segundo turno.

Aliás, ao lado da legenda, um gráfico mostra dado extremamente negativo para o PSDB: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aparece como sendo leniente no combate a corrupção. Com apenas 4% de pesquisados que julgam que em seu governo a corrupção foi mais combatida, FHC perde até para Fernando Collor, que 11% julgam que foi quem mais combateu a corrupção.

Alguns dirão que essa primeira página da Folha em questão traz informações que permitem ver que a manchete sobre a pesquisa Datafolha não é adequada. Contudo, convido o leitor – sobretudo se for de São Paulo – a ficar 10 minutos olhando para uma banca de jornal de algum local movimentado para mensurar quantos efetivamente param para ler de perto – e melhor – as capas das publicações expostas. Ficará claro que uma mísera fração dos transeuntes age assim, o que significa que uma maioria imensa acaba capitando só que a população está acusando a presidente de ser culpada pela corrupção na Petrobrás.

Porém, mesmo para quem se deu ao trabalho de conferir de perto o resumo da matéria que o jornal publicou na primeira página, a ideia de que a grande maioria de 68% culpa Dilma pelos problemas na Petrobrás permanece porque o gráfico com os percentuais dos que acham que a presidente tem responsabilidade foi manipulado.

Vamos isolar o gráfico da primeira página e compará-lo com o que foi publicado na página A4 do jornal, na matéria completa sobre a pesquisa.



Como se vê, o jornal achou pouco recomendável divulgar na primeira página que apenas 43% julgam que Dilma tem culpa pela corrupção da Petrobrás e que 45% julgam que ela tem pouca ou nenhuma responsabilidade. Assim, juntou os 43% que acusam claramente a presidente com os 25% que, aliados a outras respostas da pesquisa, deixam ver que restringem a responsabilidade de Dilma porque acham que ela combate a corrupção muito mais do que seus antecessores.

Dados adicionais da pesquisa mostram que os 25% que acham que Dilma tem pouca responsabilidade pela corrupção na Petrobrás, na verdade aprovam a conduta da presidente, de modo que não poderiam ter sido agregados aos 43% que a condenam.



Um outro gráfico mostra que faz muito mais sentido unir os 25% que acham que Dilma tem pouca responsabilidade pela corrupção na Petrobrás com aqueles que aprovam sua atuação e julgam que ela não tem responsabilidade alguma e que combate muito mais a corrupção que seus antecessores. É o gráfico da popularidade da presidente.



O percentual de 42% julga o governo da presidente ótimo ou bom e se coaduna com a soma dos percentuais que dizem que ela tem pouca responsabilidade pela corrupção na Petrobrás (25%) e que não tem responsabilidade alguma (20%).

Assim, 42% julgam o governo Dilma ótimo ou bom e 45% julgam que ela tem pouca ou nenhuma culpa pela corrupção na Petrobrás, enquanto que 43% a culpam pelos problemas na estatal.

Essa, pois, é a verdadeira pesquisa. Aliás, uma pesquisa surpreendente, dado o tsunami de ataques que Dilma vem sofrendo, inclusive com propostas de impeachment ou mesmo de ser derrubada por golpe militar.

A Folha produziu uma farsa a partir de pesquisa que mostra que a maioria da população que tem opinião formada sobre o caso Petrobrás está apoiando as ações da presidente no combate à corrupção. O jornal chegou ao ponto de manipular um gráfico na primeira página, apesar de tê-lo apresentado corretamente nas páginas internas.

Com este post, portanto, quero cumprimentar os colegas com os quais discuti o cenário político na TV dos Trabalhadores. Eles têm toda razão. A Folha é tão manipuladora e falsária quanto o resto da mídia partidarizada. A diferença desse jornal para o resto da mídia reside apenas no seu grau de cinismo, que é muito maior.

2 comentários:

Ricardo Timm de Souza disse...

O nome disso, tão bem descrito, é aproveitamento da indigência cultural dos "leitores".

Anônimo disse...

Excelente matéria, o T. Adorno já havia mostrado que a personalidade autoritária, sensível à propaganda anti-democrática, é aquela que vê a política através de clichês, não quer passar pelo processo cognitivo.
A H. Arendt mostrou a mesma coisa na "banalidade do mal". Sua matéria deixa muito claro que a maioria das pessoas, não só em São Paulo, se informa pelas manchetes.
Isto precisa ser muito discutido, os jornalismo que faz isto sabe o que está fazendo.