Por Fabio Serapião, na revista CartaCapital:
As denúncias contra Nestor Cerveró, ex-diretor da Área Internacional da Petrobras, e Fernando Baiano, apontado como lobista a serviço do PMDB, encerraram os trabalhos da Operação Lava Jato este ano. A nova leva de arrolados pelo Ministério Público, composta basicamente de políticos envolvidos no escândalo, deve começar a pipocar em fevereiro, conforme deu a entender Rodrigo Janot, procurador-geral da República. O primeiro trimestre de 2015 assistirá, portanto, à fase mais aguda de uma investigação iniciada em 2008, a partir de um pequeno caso em Londrina, no Paraná.
Naquele ano, baseada em uma série de denúncias do empresário Hermes Magnus, a Polícia Federal instaurou um inquérito para investigar a utilização do empreendimento Dunel Indústria e Comércio como fachada para a lavagem de dinheiro proveniente dos desvios praticados pelo deputado José Janene, do Partido Progressista. Mesmo após a morte do parlamentar, em 2010, a apuração prosseguiu e chegou ao doleiro Carlos Habib Chater, cuja rede de lavandeira, localizada em Brasília, deu nome ao que viria a ser uma das maiores operações contra a corrupção da história do País: a Lava Jato.
Magnus sentia-se prejudicado pelo sócio Janene e temia represálias por ter descoberto a função espúria de sua empresa no esquema de lavagem patrocinado pelo ex-deputado e seus comparsas. Com base no depoimento do empresário e em outras provas colhidas preliminarmente, a Polícia Federal solicitou a quebra do sigilo telefônico de Chater e de seus funcionários do Posto da Torre. O resultado das interceptações foi a descoberta de uma intrincada rede de doleiros responsável por reciclar perto de 10 bilhões de reais por meio de empresas de fachada. Surpresos com os personagens do esquema criminoso, os delegados encontraram no cinema os nomes dos novos inquéritos instaurados para cada um dos núcleos de doleiros mapeados.
No cinema norte-americano, os policiais inspiraram-se no clássico do diretor Michael Curtiz e batizaram de Casablanca o grupo comandado pelo conhecido doleiro Raul Henrique Srour. Preso em 2006 durante os desdobramentos da Operação Farol da Colina, Srour e suas atividades ilícitas foram descobertos graças às ligações com a autointitulada “última dama do mercado”, a doleira Nelma Kodama. Os dois utilizavam a Tov Corretora de Câmbio e Valores.
O nome da operação cujo alvo era Kodama, detida ao tentar embarcar para Roma com 200 mil dólares escondidos nas roupas íntimas, saiu do acervo do cineasta italiano Federico Fellini. Batizada de Dolce Vita, a investigação contra a “Greta Garbo” do mercado negro de dólar, por sua vez, origina-se de outro inquérito nominado em homenagem a Fellini. Focada no doleiro Alberto Youssef e em suas empresas de fachada, a Bidone é a matriz da investigação cujo resultado foi o desmantelamento do cartel de empreiteiras que teriam atuado entre 2004 e 2014 na Petrobras.
Enquanto as outras frentes seguiam com suas diligências em busca de provas materiais dos crimes praticados pelos núcleos de doleiros, a Bidone era tratada com carinho especial pelos investigadores. O motivo fica claro em um apontamento da PF no pedido de busca e apreensão contra indivíduos ligados a Habib Chater. “Nelma Penasso, Raul Henrique Srour e Alberto Youssef são figuras conhecidas do mercado de câmbio, sendo Youssef o protagonista do que se convencionou chamar de Caso Banestado, sendo considerado o maior doleiro do Brasil.”
Desaparecido do noticiário policial desde a assinatura do seu primeiro acordo de delação premiada, em 2004, Youssef pagara a pena de sete anos no regime semiaberto por ter movimentado boa parte dos 30 bilhões de reais enviados ao exterior via contas CC5 do banco estadual do Paraná, o Banestado. Para as autoridades, entre elas o juiz federal Sergio Moro, responsável por homologar a delação na qual Youssef entregou os maiores operadores de câmbio em atuação no País, o doleiro havia cumprido o acordo de não mais delinquir e levava uma vida tranquila na capital paulista. A realidade não era essa.
Pouco tempo depois de iniciar o acompanhamento das comunicações do doleiro, os investigadores perceberam que, além de ainda operar transações de dólar-cabo, Youssef transformara-se em um influente lobista. A morte de seu padrinho político, o deputado Janene, o elevara ao posto de operador do Partido Progressista nas principais construtoras. Sua atuação extrapolava o mercado negro e alcançava o setor de infraestrutura, energia e medicamentos. Em todos os casos com tentáculos em órgãos públicos e licitações milionárias.
Os primeiros indícios foram amealhados com o surgimento do empresário Márcio Bonilho, da Sanko-Sider, como interlocutor constante em conversas telefônicas e mensagens via Blackberry Messenger. Não bastasse, ao longo de 2013, as interceptações apontaram uma intensa movimentação financeira patrocinada por Youssef por meio de suas empresas de fachada, em especial a GFD Investimentos, CSA Project e MO Consultoria. Nas conversas, amiúde, surgiam citações a grandes empreiteiras, seus diretores e alguns nomes, depois confirmados como de parlamentares. Entre eles estavam os petistas André Vargas e Cândido Vacarezza e Luiz Argolo, do Solidariedade. Ainda não era possível entender, porém, como se dava a atuação de Youssef em obras públicas. As dúvidas começaram a ser esclarecidas em 21 de outubro de 2013, quando o nome de Paulo Roberto Costa surgiu em uma conversa entre Youssef e Bonilho. Tempos depois, uma nota fiscal de 250 mil reais referente à compra de uma Land Rover Evoque surgiu em um e-mail monitorado.
Com base nesses indícios e muitos outros coletados no inquérito da Bidone, a Polícia Federal pediu a prisão do doleiro e de 16 comparsas. Todas foram cumpridas em 17 de março. No mesmo pedido, a PF solicitava a Moro o encaminhamento coercitivo de Costa para prestar depoimento no Rio de Janeiro. Em um primeiro momento, os investigadores queriam descobrir por qual motivo a nota da Land Rover estava com o doleiro. Dois dias depois da visita à sede carioca da PF, flagrado ao tentar destruir provas de sua ligação com Youssef, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras foi preso.
Os acontecimentos posteriores às prisões foram amplamente noticiados. O que era para ser apenas mais uma operação contra o mercado paralelo de dólar, com a prisão de Costa alcançou a engrenagem financeira de um cartel integrado por algumas das maiores empreiteiras e responsável por lotear ao menos 59 bilhões de reais em contratos com a estatal brasileira, segundo os investigadores. Costa era mais um dos agentes públicos corrompidos para facilitar a ação do que foi chamado pelos próprios investigados de “bingo” das empreiteiras. Sem saída, o ex-diretor e o doleiro assinaram um acordo de delação premiada no qual entregaram outros agentes públicos integrantes do esquema.
Para 2015, além da Petrobras, estão na mira empreendimentos do setor elétrico, saneamento e fundos de pensão. Da estatal, os alvos serão outras empresas fornecedoras e ex-diretores como Renato Duque, da Área de Serviços, e funcionários ligados ao gerente-executivo e delator Pedro Barusco. Nos bastidores, os investigadores afirmam a necessidade de ao menos mais 15 operações para encerrar a investigação. Ao que parece, a dificuldade será encontrar nomes de filmes para batizá-las.
Naquele ano, baseada em uma série de denúncias do empresário Hermes Magnus, a Polícia Federal instaurou um inquérito para investigar a utilização do empreendimento Dunel Indústria e Comércio como fachada para a lavagem de dinheiro proveniente dos desvios praticados pelo deputado José Janene, do Partido Progressista. Mesmo após a morte do parlamentar, em 2010, a apuração prosseguiu e chegou ao doleiro Carlos Habib Chater, cuja rede de lavandeira, localizada em Brasília, deu nome ao que viria a ser uma das maiores operações contra a corrupção da história do País: a Lava Jato.
Magnus sentia-se prejudicado pelo sócio Janene e temia represálias por ter descoberto a função espúria de sua empresa no esquema de lavagem patrocinado pelo ex-deputado e seus comparsas. Com base no depoimento do empresário e em outras provas colhidas preliminarmente, a Polícia Federal solicitou a quebra do sigilo telefônico de Chater e de seus funcionários do Posto da Torre. O resultado das interceptações foi a descoberta de uma intrincada rede de doleiros responsável por reciclar perto de 10 bilhões de reais por meio de empresas de fachada. Surpresos com os personagens do esquema criminoso, os delegados encontraram no cinema os nomes dos novos inquéritos instaurados para cada um dos núcleos de doleiros mapeados.
No cinema norte-americano, os policiais inspiraram-se no clássico do diretor Michael Curtiz e batizaram de Casablanca o grupo comandado pelo conhecido doleiro Raul Henrique Srour. Preso em 2006 durante os desdobramentos da Operação Farol da Colina, Srour e suas atividades ilícitas foram descobertos graças às ligações com a autointitulada “última dama do mercado”, a doleira Nelma Kodama. Os dois utilizavam a Tov Corretora de Câmbio e Valores.
O nome da operação cujo alvo era Kodama, detida ao tentar embarcar para Roma com 200 mil dólares escondidos nas roupas íntimas, saiu do acervo do cineasta italiano Federico Fellini. Batizada de Dolce Vita, a investigação contra a “Greta Garbo” do mercado negro de dólar, por sua vez, origina-se de outro inquérito nominado em homenagem a Fellini. Focada no doleiro Alberto Youssef e em suas empresas de fachada, a Bidone é a matriz da investigação cujo resultado foi o desmantelamento do cartel de empreiteiras que teriam atuado entre 2004 e 2014 na Petrobras.
Enquanto as outras frentes seguiam com suas diligências em busca de provas materiais dos crimes praticados pelos núcleos de doleiros, a Bidone era tratada com carinho especial pelos investigadores. O motivo fica claro em um apontamento da PF no pedido de busca e apreensão contra indivíduos ligados a Habib Chater. “Nelma Penasso, Raul Henrique Srour e Alberto Youssef são figuras conhecidas do mercado de câmbio, sendo Youssef o protagonista do que se convencionou chamar de Caso Banestado, sendo considerado o maior doleiro do Brasil.”
Desaparecido do noticiário policial desde a assinatura do seu primeiro acordo de delação premiada, em 2004, Youssef pagara a pena de sete anos no regime semiaberto por ter movimentado boa parte dos 30 bilhões de reais enviados ao exterior via contas CC5 do banco estadual do Paraná, o Banestado. Para as autoridades, entre elas o juiz federal Sergio Moro, responsável por homologar a delação na qual Youssef entregou os maiores operadores de câmbio em atuação no País, o doleiro havia cumprido o acordo de não mais delinquir e levava uma vida tranquila na capital paulista. A realidade não era essa.
Pouco tempo depois de iniciar o acompanhamento das comunicações do doleiro, os investigadores perceberam que, além de ainda operar transações de dólar-cabo, Youssef transformara-se em um influente lobista. A morte de seu padrinho político, o deputado Janene, o elevara ao posto de operador do Partido Progressista nas principais construtoras. Sua atuação extrapolava o mercado negro e alcançava o setor de infraestrutura, energia e medicamentos. Em todos os casos com tentáculos em órgãos públicos e licitações milionárias.
Os primeiros indícios foram amealhados com o surgimento do empresário Márcio Bonilho, da Sanko-Sider, como interlocutor constante em conversas telefônicas e mensagens via Blackberry Messenger. Não bastasse, ao longo de 2013, as interceptações apontaram uma intensa movimentação financeira patrocinada por Youssef por meio de suas empresas de fachada, em especial a GFD Investimentos, CSA Project e MO Consultoria. Nas conversas, amiúde, surgiam citações a grandes empreiteiras, seus diretores e alguns nomes, depois confirmados como de parlamentares. Entre eles estavam os petistas André Vargas e Cândido Vacarezza e Luiz Argolo, do Solidariedade. Ainda não era possível entender, porém, como se dava a atuação de Youssef em obras públicas. As dúvidas começaram a ser esclarecidas em 21 de outubro de 2013, quando o nome de Paulo Roberto Costa surgiu em uma conversa entre Youssef e Bonilho. Tempos depois, uma nota fiscal de 250 mil reais referente à compra de uma Land Rover Evoque surgiu em um e-mail monitorado.
Com base nesses indícios e muitos outros coletados no inquérito da Bidone, a Polícia Federal pediu a prisão do doleiro e de 16 comparsas. Todas foram cumpridas em 17 de março. No mesmo pedido, a PF solicitava a Moro o encaminhamento coercitivo de Costa para prestar depoimento no Rio de Janeiro. Em um primeiro momento, os investigadores queriam descobrir por qual motivo a nota da Land Rover estava com o doleiro. Dois dias depois da visita à sede carioca da PF, flagrado ao tentar destruir provas de sua ligação com Youssef, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras foi preso.
Os acontecimentos posteriores às prisões foram amplamente noticiados. O que era para ser apenas mais uma operação contra o mercado paralelo de dólar, com a prisão de Costa alcançou a engrenagem financeira de um cartel integrado por algumas das maiores empreiteiras e responsável por lotear ao menos 59 bilhões de reais em contratos com a estatal brasileira, segundo os investigadores. Costa era mais um dos agentes públicos corrompidos para facilitar a ação do que foi chamado pelos próprios investigados de “bingo” das empreiteiras. Sem saída, o ex-diretor e o doleiro assinaram um acordo de delação premiada no qual entregaram outros agentes públicos integrantes do esquema.
Para 2015, além da Petrobras, estão na mira empreendimentos do setor elétrico, saneamento e fundos de pensão. Da estatal, os alvos serão outras empresas fornecedoras e ex-diretores como Renato Duque, da Área de Serviços, e funcionários ligados ao gerente-executivo e delator Pedro Barusco. Nos bastidores, os investigadores afirmam a necessidade de ao menos mais 15 operações para encerrar a investigação. Ao que parece, a dificuldade será encontrar nomes de filmes para batizá-las.
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