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Se existia alguma dúvida em relação ao poder de reação – leia-se reacionário, no sentido estrito do termo – do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ela caiu por terra com a manobra de colocar em pauta a Proposta de Emenda Constitucional de número 352. Se aprovada, a emenda vai consolidar um sistema político que está alicerçado no dinheiro de grupos econômico, distorce a vontade popular e aprofunda cada vez mais a distância entre a representação política do eleitor, com danos enormes para a democracia. A proposta amplifica os defeitos do sistema democrático brasileiro que são a base do descrédito em que estão sendo jogadas as instituições.
Cunha tem a força recém-adquirida de sua eleição para a Presidência da Câmara, uma bancada pessoalmente fiel a ele na casa, interesses convergentes de políticos tradicionais e a aquiescência da oposição – que entrou numa espiral de aprovar qualquer coisa que seja contra o governo, independentemente do impacto que isso tenha sobre o futuro do país e dos brasileiros de bem. Com esse trunfos, o deputado pode promover, como uma vitória pessoal, mudanças eleitorais que consolidarão e aprofundarão a prática da corrupção eleitoral.
A PEC 352 não é, como poderia parecer, uma mera peça de xadrez na disputa de partidos pelo poder político. É um golpe contra a democracia.
De uma tacada, Cunha investe contra os setores sociais que lutam pela reforma política e têm no financiamento privado de campanha seu principal alvo; e contra o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que caminha para uma decisão histórica de subtrair do cenário eleitoral o financiamento empresarial e fixar a proibição do uso do dinheiro das empresas em campanhas eleitorais como cláusula constitucional pétrea, em decorrência do entendimento de que esse tipo de contribuição favorece o poder econômico, distorce a vontade do eleitor e é fonte de corrupção política.
O STF já teria decidido proibir o financiamento eleitoral por pessoas jurídicas em agosto do ano passado, se o ministro Gilmar Mendes não tivesse pedido vistas e retardado o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil. Aliás, esta teria sido uma reversão das tendências do STF até agora, pois a mais alta corte judiciária do país, em matéria eleitoral, tem impedido mudanças que seriam fundamentais para reduzir o preço da governabilidade – por exemplo, derrubou a fidelidade partidária e impediu a vigência das cláusulas de barreira para funcionamento dos partidos políticos, que restringiria o papel das chamadas legendas de aluguel nas eleições e no Legislativo.
O presidente da Câmara quer desautorizar uma decisão do STF, que impediria o financiamento eleitoral de grupos econômicos, usando uma péssima invenção assinada pelo agora ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). Foi o petista que assumiu a maestria do primeiro orquestramento da bancada peemedebista contra uma reforma política na gestão de Henrique Eduardo Alves na Presidência da Câmara. Após as manifestações de junho de 2013, e como tentativa de esvaziamento da proposta da presidenta Dilma Rousseff de chamar um plebiscito sobre a reforma política, Alves chamou para si a iniciativa e formou uma comissão para forjar um “consenso” em torno de mudanças nas regras eleitorais.
O grupo criou um monstrengo que, entre outras coisas, constitucionalizou o financiamento privado de campanha – e isso, uma vez aprovado, dificultaria imensamente qualquer tentativa popular de jogar fora essa liberalidade da lei brasileira. A deputada Luiza Erundinha (PSB-SP) saiu da comissão e denunciou a farsa. Vaccarezza ficou e assumiu a autoria da proposta. O PT tomou outros rumos e lançou posteriormente uma campanha nacional contra o financiamento privado de campanha e pelo voto em listas fechadas para as eleições do parlamento e desautorizou Vaccarezza, que não se reelegeria na eleição do ano seguinte mas deixou uma emenda parlamentar na gaveta que vai ser um pepino a ser enfrentado por todas as forças progressistas.
O país, agora, está diante de uma ação desafiadora do presidente da Câmara e de seus asseclas, que tem especialmente como objetivo manter o financiamento privado de campanha, centro de todos os escândalos políticos que envolvem o país desde a primeira eleição direta para a Presidência da República pós ditadura, em 1989.
A ação política que vem como uma reação ao debate democrático sobre como depurar a democracia não é apenas uma maldadezinha de Cunha. É uma peça fundamental na luta pela sobrevivência de amplos setores do parlamento que apenas estão na política – e apenas terão interesse nisso – enquanto o Parlamento se servir a balcão de negócios.
O poder de Cunha depende disso. Reside nisso. O presidente da Câmara funciona como um mediador de interesses. Cunha atrai os grupos econômicos com interesse em ações de governo ou matérias em tramitação no Legislativo, e canaliza dinheiro desses grupos para financiar campanhas eleitorais de parlamentares. Amarra compromissos desde as eleições – e eleições caras são fundamentais para que sejam eleitas sempre mais pessoas que tenham compromissos com financiadores poderosos.
O deputado que hoje preside a Câmara assumiu, portanto, a tarefa de organizar a bagunça dos interesses variados que circulam diariamente pelo Congresso, e faz isso operando desde as eleições e garantindo lealdades a partir do financiamento privado de campanha. Se as campanhas eleitorais passarem a ser feitas sem o dinheiro de empresas – e se o uso de caixa dois for efetivamente diluído pela ação da justiça, da polícia e do Ministério Público – o poder de Cunha se esvai como balão furado.
O país, agora, está diante de uma ação desafiadora do presidente da Câmara e de seus asseclas, que tem especialmente como objetivo manter o financiamento privado de campanha, centro de todos os escândalos políticos que envolvem o país desde a primeira eleição direta para a Presidência da República pós ditadura, em 1989.
A ação política que vem como uma reação ao debate democrático sobre como depurar a democracia não é apenas uma maldadezinha de Cunha. É uma peça fundamental na luta pela sobrevivência de amplos setores do parlamento que apenas estão na política – e apenas terão interesse nisso – enquanto o Parlamento se servir a balcão de negócios.
O poder de Cunha depende disso. Reside nisso. O presidente da Câmara funciona como um mediador de interesses. Cunha atrai os grupos econômicos com interesse em ações de governo ou matérias em tramitação no Legislativo, e canaliza dinheiro desses grupos para financiar campanhas eleitorais de parlamentares. Amarra compromissos desde as eleições – e eleições caras são fundamentais para que sejam eleitas sempre mais pessoas que tenham compromissos com financiadores poderosos.
O deputado que hoje preside a Câmara assumiu, portanto, a tarefa de organizar a bagunça dos interesses variados que circulam diariamente pelo Congresso, e faz isso operando desde as eleições e garantindo lealdades a partir do financiamento privado de campanha. Se as campanhas eleitorais passarem a ser feitas sem o dinheiro de empresas – e se o uso de caixa dois for efetivamente diluído pela ação da justiça, da polícia e do Ministério Público – o poder de Cunha se esvai como balão furado.
Vai sobrar apenas o acesso a uma bancada evangélica que apenas é coesa em assuntos relativos à fé, como votações que impliquem modernização de costumes – aborto, uso das células-tronco em pesquisas e até o “orgulho hétero”, que poderá virar feriado nacional com a ajuda do presidente da Câmara – quando se trata de manter a lealdade de sua bancada, afinal, Cunha não tem medo do ridículo. Isso faz parte do trabalho de líder da bancada do baixo clero: jamais desprezar um assunto menor, para sempre vencer nos assuntos em que tem maior interesse.
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