Por Maria Inês Nassif, no site Carta Maior:
A ex-presa política Inês Etienne Romeu morreu hoje de manhã (segunda-feira, dia 27 de abril de 2015), dormindo. Foi a melhor maneira que a morte encontrou para compensá-la da dor que foi sua vida. Inês viveu 72 anos de idade porque teimou em viver. Foi a única sobrevivente da Casa da Morte, em Petrópolis, um aparelho clandestino de tortura da ditadura que seviciou e executou adversários do regime militar. Saiu de lá graças a denúncias de sua prisão ilegal, que repercutiram internacionalmente.
Sobreviveu porque a família e os advogados a entregaram para a Justiça. A prisão não clandestina, por uma condenação para o resto da vida, a salvou de torturadores clandestinos.
Inês integrava o comando da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi delatada por um camponês que tinha o codinome de Primo e presa em 5 de maio de 1971 pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, na avenida Santo Amaro, em São Paulo, por suposta participação no sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, uma operação feita pela sua organização meses antes sob o comando de Carlos Lamarca. Foi barbaramente torturada no DOI-CODI paulista, até que “entregou” um “ponto” que não existia, em Cascadura, no Rio, onde encontraria com um companheiro de organização. Levada para lá, dirigiu os torturadores até uma avenida – e lá, livre para se encontrar com o suposto guerrilheiro, atirou-se na frente de um ônibus. E sobreviveu.
Depois de uma passagem pelo Hospital da Vila Militar, pelo hospital Carlos Chagas e, por fim, pelo Hospital Geral do Exército, Inês conheceu o inferno dos infernos. Foi transferida para o lugar de onde nenhum prisioneiro conseguiu sair, a Casa de Petrópolis. Lá, enfrentou novo e intensivo período de torturas que durou até agosto e valeu a ela mais quatro tentativas fracassadas de suicídio. Todavia, quando em julho um Dr. Teixeira, seu torturador, sugeriu que suicidasse para escapar das sevícias, Inês resistiu. Na avenida escolhida pelos algozes, ajoelhou-se abraçada às pernas de um dos agentes e apenas gritou, para chamar a atenção dos transeuntes. Os torturadores a tiraram rapidamente do local e a levaram de novo para a Casa da Morte, onde enfrentaria mais duas semanas de torturas intensas.
Em agosto de 1971, foi jogada na casa de uma irmã pesando apenas 32 quilos, mas com a memória intacta e disposta a denunciar o que sofrera. Lá, fez um primeiro dossiê: lembrava dos codinomes dos torturadores, de presos que foram executados dentro da casa, ouvira em determinado momento que estava em Petrópolis, viu o dono da propriedade ser chamado de Mário e registrou o número do telefone que algum incauto deixou escapar perto dela. Até novembro, enquanto a família e os advogados definiam uma estratégia para mantê-la viva e a salvo dos torturadores, Inês registrou o que sabia – e de memória conseguiu mapear a casa dos horrores por dentro.
Para livrá-la das garras da tortura, os advogados decidiram-se pela prisão oficial de Inês, que foi entregue à Justiça e encaminhada ao Presídio Tavarela Bruce, condenada à prisão perpétua. Foi libertada oito anos depois, pela lei da anistia. Desde então, dedicou sua vida a denunciar a desumanidade das torturas e a esclarecer mortes de presos políticos que passaram pela Casa da Morte enquanto lá esteve.
Graças a Inês, vários torturadores foram identificados. Foi com seu testemunho também que se descobriu o papel que o médico Amílcar Lobo desempenhou na casa dos horrores de Petrópolis: ele era responsável por manter vivos os presos, para que eles fossem submetidos a mais torturas, pelo tempo que os torturadores considerassem necessário para arrancar deles as informações que queriam. Lobo, codinome “Dr. Carneiro”, teve o seu registro de médico posteriormente cassado pelo Conselho Regional de Medicina (CRM).
Em 2003, aos 61 anos, Inês sofreu uma agressão dentro de sua casa, de um suposto marceneiro, e foi internada com traumatismo cranioencefálico. Foi um longo período de tratamento até que conseguisse novamente falar e andar. A polícia do 77o. Distrito de São Paulo registrou a agressão como “acidente doméstico”. Até hoje o agressor não foi identificado.
Foi-se embora hoje, enfim, a Inês, aquela que sobreviveu ao Fleury, à Casa da Morte, a cinco tentativas de suicídio, o atropelamento por um ônibus e à agressão de um desconhecido. Porque viveu, as famílias de vários desaparecidos puderam reconstituir os últimos momentos de seus entes queridos e chorar, enfim, suas perdas. Porque viveu, o Brasil ficou sabendo dos horrores a que foram submetidas as pessoas presas em aparelhos clandestinos da ditadura, e de como a vida humana valia tão pouco para eles. Porque viveu, lutou. E até o fim. Adeus, Inês Etienne Romeu. Sentiremos sua falta.
A ex-presa política Inês Etienne Romeu morreu hoje de manhã (segunda-feira, dia 27 de abril de 2015), dormindo. Foi a melhor maneira que a morte encontrou para compensá-la da dor que foi sua vida. Inês viveu 72 anos de idade porque teimou em viver. Foi a única sobrevivente da Casa da Morte, em Petrópolis, um aparelho clandestino de tortura da ditadura que seviciou e executou adversários do regime militar. Saiu de lá graças a denúncias de sua prisão ilegal, que repercutiram internacionalmente.
Sobreviveu porque a família e os advogados a entregaram para a Justiça. A prisão não clandestina, por uma condenação para o resto da vida, a salvou de torturadores clandestinos.
Inês integrava o comando da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi delatada por um camponês que tinha o codinome de Primo e presa em 5 de maio de 1971 pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, na avenida Santo Amaro, em São Paulo, por suposta participação no sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, uma operação feita pela sua organização meses antes sob o comando de Carlos Lamarca. Foi barbaramente torturada no DOI-CODI paulista, até que “entregou” um “ponto” que não existia, em Cascadura, no Rio, onde encontraria com um companheiro de organização. Levada para lá, dirigiu os torturadores até uma avenida – e lá, livre para se encontrar com o suposto guerrilheiro, atirou-se na frente de um ônibus. E sobreviveu.
Depois de uma passagem pelo Hospital da Vila Militar, pelo hospital Carlos Chagas e, por fim, pelo Hospital Geral do Exército, Inês conheceu o inferno dos infernos. Foi transferida para o lugar de onde nenhum prisioneiro conseguiu sair, a Casa de Petrópolis. Lá, enfrentou novo e intensivo período de torturas que durou até agosto e valeu a ela mais quatro tentativas fracassadas de suicídio. Todavia, quando em julho um Dr. Teixeira, seu torturador, sugeriu que suicidasse para escapar das sevícias, Inês resistiu. Na avenida escolhida pelos algozes, ajoelhou-se abraçada às pernas de um dos agentes e apenas gritou, para chamar a atenção dos transeuntes. Os torturadores a tiraram rapidamente do local e a levaram de novo para a Casa da Morte, onde enfrentaria mais duas semanas de torturas intensas.
Em agosto de 1971, foi jogada na casa de uma irmã pesando apenas 32 quilos, mas com a memória intacta e disposta a denunciar o que sofrera. Lá, fez um primeiro dossiê: lembrava dos codinomes dos torturadores, de presos que foram executados dentro da casa, ouvira em determinado momento que estava em Petrópolis, viu o dono da propriedade ser chamado de Mário e registrou o número do telefone que algum incauto deixou escapar perto dela. Até novembro, enquanto a família e os advogados definiam uma estratégia para mantê-la viva e a salvo dos torturadores, Inês registrou o que sabia – e de memória conseguiu mapear a casa dos horrores por dentro.
Para livrá-la das garras da tortura, os advogados decidiram-se pela prisão oficial de Inês, que foi entregue à Justiça e encaminhada ao Presídio Tavarela Bruce, condenada à prisão perpétua. Foi libertada oito anos depois, pela lei da anistia. Desde então, dedicou sua vida a denunciar a desumanidade das torturas e a esclarecer mortes de presos políticos que passaram pela Casa da Morte enquanto lá esteve.
Graças a Inês, vários torturadores foram identificados. Foi com seu testemunho também que se descobriu o papel que o médico Amílcar Lobo desempenhou na casa dos horrores de Petrópolis: ele era responsável por manter vivos os presos, para que eles fossem submetidos a mais torturas, pelo tempo que os torturadores considerassem necessário para arrancar deles as informações que queriam. Lobo, codinome “Dr. Carneiro”, teve o seu registro de médico posteriormente cassado pelo Conselho Regional de Medicina (CRM).
Em 2003, aos 61 anos, Inês sofreu uma agressão dentro de sua casa, de um suposto marceneiro, e foi internada com traumatismo cranioencefálico. Foi um longo período de tratamento até que conseguisse novamente falar e andar. A polícia do 77o. Distrito de São Paulo registrou a agressão como “acidente doméstico”. Até hoje o agressor não foi identificado.
Foi-se embora hoje, enfim, a Inês, aquela que sobreviveu ao Fleury, à Casa da Morte, a cinco tentativas de suicídio, o atropelamento por um ônibus e à agressão de um desconhecido. Porque viveu, as famílias de vários desaparecidos puderam reconstituir os últimos momentos de seus entes queridos e chorar, enfim, suas perdas. Porque viveu, o Brasil ficou sabendo dos horrores a que foram submetidas as pessoas presas em aparelhos clandestinos da ditadura, e de como a vida humana valia tão pouco para eles. Porque viveu, lutou. E até o fim. Adeus, Inês Etienne Romeu. Sentiremos sua falta.
2 comentários:
Miro, da foto quando jovem e a do depoimento são angelical. Quando li a notícia a emoção veio à tona. Todos os comprometidos com a democracia deveriam prestar-lhe homenagem e continuar colocando a boca no trombone e vociferar os males, ético, moral, econômico, físico, mental, cultural, espiritual etc., que a maligna ditadura fez aos brasileiros e ao Brasil. Consequência que grassam até hoje e até quando não sei. Viva os mártires que deram as suas vidas na luta contra a ditadura
amigo, perdoa-me se eu estiver equivocada. mas, não vi uma nota de pesar no blog do planalto. bjs.
Postar um comentário