Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Quem conhece minimamente a estrutura de uma Redação tradicional, dessas onde se processa diariamente a edição de um jornal, sabe que a principal função da equipe é decidir o que será publicado e o que vai para a “cesta seção”, assim mesmo, com “c”. Como o papel tem um limite físico para acomodar conteúdos, dizia-se antes da internet que “editar era administrar as perdas”, ou seja, evitar que alguma notícia interessante ou importante ficasse de fora.
Nesta era de suportes digitais praticamente inesgotáveis, o limite é dado pela capacidade de cada equipe de colocar na rede a maior quantidade possível de elementos de informação capazes de atrair e manter a audiência. Isso amplia o território onde proliferam as celebridades, que não podem prescindir de uma citação no corpo mais nobre daquilo que ainda chamamos de imprensa. Por isso, ninguém é uma celebridade “de respeito” se aparece apenas nas redes sociais e nos blogs de fofocas.
Dito isso, convidamos o prezado leitor e a prezada leitora a analisar a edição de terça-feira (12/5) de um dos jornais de influência nacional. Como o jornal escolhido se apresenta como o de maior circulação no país, podemos convencionar que se trata de uma história de sucesso, ou seja, esse é o modelo mais adequado para assegurar a sobrevivência do sistema que chamamos de imprensa.
Como se sabe, o mais importante num jornal é aquilo que está acima da dobra da primeira página, a começar pela manchete. A manchete da Folha de S. Paulo de terça-feira diz o seguinte: “Governo quer mais recursos do FGTS para financiar casa”. Ao lado da manchete – portanto, apresentada como a segunda informação mais relevante do dia – vem a fotografia de uma jovem senhora, com uma declaração que deve ser recebida como manifestação de elevada sabedoria: “Eu só tiro selfie quando estou perfeita”.
A moça se chama Kim Kardassian West, é americana e se tornou conhecida ao participar de umreality show, quando passou a se expor obsessivamente nas redes sociais. Ela é autora do primeiro livro composto integralmente com fotos de si mesma, aquilo que chamamos de selfie. O que a traz ao Brasil é o lançamento de uma coleção com vinte peças de roupa para o Dia dos Namorados, que estará à venda numa rede de moda destinada ao mercado popular.
Vai para a cesta
Apenas por curiosidade, vamos espiar o que a Folha apresenta abaixo da dobra da primeira página. Nesse espaço, onde estão os destaques de menor importância, o leitor vai dar com os olhos na chamada para uma coluna que diz o seguinte: “Inflação esperada para 12 meses cai em ritmo inédito na gestão Dilma”. Logo abaixo, pode-se ler: “Conta de água no interior de SP sobe acima da inflação”.
Uma informação positiva para o governo federal e outra, evidentemente negativa para o governo de São Paulo – só para instigar o leitor crítico.
Depois, seguem referências ao fato de o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ter liberado a exploração de petróleo no oceano Ártico, uma proposta de ação militar da Europa contra a imigração de africanos e a hipótese de o governo americano ter mentido sobre a operação que resultou na morte do terrorista Osama Bin Laden.
Tudo isso abaixo do perfil violoncelo da senhora West, ou seja, os muitos milhares de brasileiros que só olham as manchetes expostas nas bancas e quiosques ficam ignorando esses outros fatos.
Se o jornal que se anuncia como líder em circulação nacional considera que a senhora West é mais importante do que os assuntos citados abaixo da dobra, o leitor e a leitora dotados de senso crítico precisam ir até a página C3 para entender por que ela aparece no alto da primeira página.
E lá vai aprender que a senhora West divulga produtos de uma rede de lojas que já foi acusada pela imprensa brasileira, incluída a própria Folha de S. Paulo, um ano atrás, no dia 13 de maio de 2014, de haver sido condenada por “reduzir seus empregados à condição análoga à de escravo” em suas unidades no estado de Goiás.
Em defesa da empresa varejista, observe-se que aquela notícia era incorreta: a empresa foi objeto de uma ação trabalhista em 2009 e se tornou a primeira no setor a assinar o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, iniciativa do Instituto Ethos, em 2010. Aquela notícia da Folha se referia a uma denúncia por trabalho escravo, que nunca houve, e o jornal deu a seus leitores a impressão de que o problema persistia em 2014.
Quando a visita da senhora West abre a oportunidade de corrigir esse erro, o jornal descamba para a fofoca de celebridades.
A Folha desta terça-feira vai para a cesta seção.
Cesta com “c”.
Quem conhece minimamente a estrutura de uma Redação tradicional, dessas onde se processa diariamente a edição de um jornal, sabe que a principal função da equipe é decidir o que será publicado e o que vai para a “cesta seção”, assim mesmo, com “c”. Como o papel tem um limite físico para acomodar conteúdos, dizia-se antes da internet que “editar era administrar as perdas”, ou seja, evitar que alguma notícia interessante ou importante ficasse de fora.
Nesta era de suportes digitais praticamente inesgotáveis, o limite é dado pela capacidade de cada equipe de colocar na rede a maior quantidade possível de elementos de informação capazes de atrair e manter a audiência. Isso amplia o território onde proliferam as celebridades, que não podem prescindir de uma citação no corpo mais nobre daquilo que ainda chamamos de imprensa. Por isso, ninguém é uma celebridade “de respeito” se aparece apenas nas redes sociais e nos blogs de fofocas.
Dito isso, convidamos o prezado leitor e a prezada leitora a analisar a edição de terça-feira (12/5) de um dos jornais de influência nacional. Como o jornal escolhido se apresenta como o de maior circulação no país, podemos convencionar que se trata de uma história de sucesso, ou seja, esse é o modelo mais adequado para assegurar a sobrevivência do sistema que chamamos de imprensa.
Como se sabe, o mais importante num jornal é aquilo que está acima da dobra da primeira página, a começar pela manchete. A manchete da Folha de S. Paulo de terça-feira diz o seguinte: “Governo quer mais recursos do FGTS para financiar casa”. Ao lado da manchete – portanto, apresentada como a segunda informação mais relevante do dia – vem a fotografia de uma jovem senhora, com uma declaração que deve ser recebida como manifestação de elevada sabedoria: “Eu só tiro selfie quando estou perfeita”.
A moça se chama Kim Kardassian West, é americana e se tornou conhecida ao participar de umreality show, quando passou a se expor obsessivamente nas redes sociais. Ela é autora do primeiro livro composto integralmente com fotos de si mesma, aquilo que chamamos de selfie. O que a traz ao Brasil é o lançamento de uma coleção com vinte peças de roupa para o Dia dos Namorados, que estará à venda numa rede de moda destinada ao mercado popular.
Vai para a cesta
Apenas por curiosidade, vamos espiar o que a Folha apresenta abaixo da dobra da primeira página. Nesse espaço, onde estão os destaques de menor importância, o leitor vai dar com os olhos na chamada para uma coluna que diz o seguinte: “Inflação esperada para 12 meses cai em ritmo inédito na gestão Dilma”. Logo abaixo, pode-se ler: “Conta de água no interior de SP sobe acima da inflação”.
Uma informação positiva para o governo federal e outra, evidentemente negativa para o governo de São Paulo – só para instigar o leitor crítico.
Depois, seguem referências ao fato de o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ter liberado a exploração de petróleo no oceano Ártico, uma proposta de ação militar da Europa contra a imigração de africanos e a hipótese de o governo americano ter mentido sobre a operação que resultou na morte do terrorista Osama Bin Laden.
Tudo isso abaixo do perfil violoncelo da senhora West, ou seja, os muitos milhares de brasileiros que só olham as manchetes expostas nas bancas e quiosques ficam ignorando esses outros fatos.
Se o jornal que se anuncia como líder em circulação nacional considera que a senhora West é mais importante do que os assuntos citados abaixo da dobra, o leitor e a leitora dotados de senso crítico precisam ir até a página C3 para entender por que ela aparece no alto da primeira página.
E lá vai aprender que a senhora West divulga produtos de uma rede de lojas que já foi acusada pela imprensa brasileira, incluída a própria Folha de S. Paulo, um ano atrás, no dia 13 de maio de 2014, de haver sido condenada por “reduzir seus empregados à condição análoga à de escravo” em suas unidades no estado de Goiás.
Em defesa da empresa varejista, observe-se que aquela notícia era incorreta: a empresa foi objeto de uma ação trabalhista em 2009 e se tornou a primeira no setor a assinar o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, iniciativa do Instituto Ethos, em 2010. Aquela notícia da Folha se referia a uma denúncia por trabalho escravo, que nunca houve, e o jornal deu a seus leitores a impressão de que o problema persistia em 2014.
Quando a visita da senhora West abre a oportunidade de corrigir esse erro, o jornal descamba para a fofoca de celebridades.
A Folha desta terça-feira vai para a cesta seção.
Cesta com “c”.
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