Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:
Publico abaixo uma reportagem publicada na BBC há alguns dias, que passou despercebida por nossas redes sociais. Fala sobre a Zelotes, e repercute números que cansamos de mencionar por aqui: uma pesquisa da Tax Justice Network que aponta o Brasil como o país com a maior taxa de evasão fiscal do mundo.
Só uma retificação no texto da BBC. Ele observa que somente os EUA registram um valor maior de evasão fiscal. Certo, só que, em percentual do PIB, a evasão fiscal brasileira é quase sete vezes maior: nos EUA, a evasão corresponde a 2% do PIB, a evasão brasuca nos custa 13,4% do PIB.
Os repórteres da BBC, todavia, deveriam ler o Cafezinho com mais frequência, porque saberiam, por exemplo, que há estudos mais atualizados sobre a evasão fiscal no Brasil.
Há, por exemplo, uma estimativa divulgada este ano pelo Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional, calculando a sonegação em 2014 em R$ 502 bilhões. A mídia nunca deu este número.
Digite “sonegação R$ 502 bilhões” no Google e só achará posts do Cafezinho, ou de outros blogs reproduzindo o Cafezinho.
A grande mídia foge de notícias sobre sonegação como o diabo foge da cruz.
Por isso tanto silêncio em torno da Zelotes, que envolve desvios muito maiores do que a Lava Jato.
Reportagens sobre a evasão fiscal no Brasil podem ser lidas em blogs e na BBC Brasil, mas não no cartel midiático, especializado em sonegar informação e impostos.
*****
Evasão fiscal anual no Brasil ‘equivale a 18 Copas do Mundo’
Fernando Duarte, da BBC Brasil em Londres
- A evasão fiscal do Brasil, com base em números de 2010, equivaleu a R$ 490 bilhões
- Mesmo antes da disparada na cotação do dólar, US$ 280 bilhões já seria um número impressionante
Segundo uma pesquisa da Tax Justice Network (rede de justiça fiscal, em tradução livre, organização internacional independente com base em Londres, que analisa e divulga dados sobre movimentação de impostos e paraísos fiscais), este é o montante que o Brasil teria perdido, apenas em 2010, com a evasão fiscal – em 2011, ano de divulgação do estudo, isso equivalia a R$ 490 bilhões.
O número vem de estimativas feitas com base em dados como PIB, gastos do governo, dimensão da economia formal e alíquotas tributárias. Segundo um dos pesquisadores da organização, estudos sobre evasão fiscal mostram que as estimativas do que deixa de ser arrecadado leva em conta também a economia informal.
O valor coloca o Brasil atrás apenas dos Estados Unidos numa lista de países que mais perdem dinheiro com evasão fiscal. É 18 vezes maior que o orçamento oficial da Copa do Mundo de 2014 e quase cinco vezes mais que o orçamento federal para a Saúde em 2015, por exemplo.
É bem maior que os R$ 19 bilhões que a Polícia Federal acredita terem sido desviados da União por um esquema bilionário de corrupção envolvendo um dos principais órgãos do sistema tributário brasileiro, o Carf – a agência responsável pelo julgamento de recursos contra decisões da Receita Federal, e que é o principal alvo da Operação Zelotes.
Mas para diversos estudiosos da área, a deflagração da ação policial pode representar o momento em que a sonegação ocupe um espaço maior nas discussões sobre impostos no Brasil, normalmente dominadas pelas críticas à carga tributária no país.
“A operação Zelotes mostrou que grandes empresas são pegas (em esquemas de sonegação) e têm grandes valores de dívidas. Mostrou ainda que não há constrangimento em pagar ‘consultorias’ que lhes assessorem em seus pleitos. A evasão fiscal é um problema muito mais grave do que a corrupção, não apenas por causa do volume de dinheiro envolvido, mas porque é ideologicamente justificada como uma estratégia de sobrevivência”, disse à BBC Brasil uma fonte da Receita Federal.
Pesquisador da Tax Justice Network, o alemão Markus Meinzer, aponta também para estimativas da entidade, igualmente baseadas em dados de 2010, de que os super-ricos brasileiros detinham o equivalente a mais de R$ 1 trilhão em paraísos fiscais, o quarto maior total em um ranking de países divulgado em 2012 pelo grupo de pesquisa.
“Números como estes relacionados aos paraísos fiscais mostram que o grosso do dinheiro que deixa de ser arrecadado vem de grandes fortunas e empresas. Por isso a operação da receita brasileira poderá ser extremamente importante como forma de tornar o assunto mais público”, acredita Meinzer.
O pesquisador acredita que a discussão é crucial para debates políticos no Brasil. Cita especificamente como exemplo o debate sobre os gastos sociais do governo da presidente Dilma Rousseff, um ponto contencioso em discussões públicas no Brasil.
“A verdadeira injustiça não está nas pessoas que usam benefícios da previdência social, mas as pessoas no topo da pirâmide econômica que simplesmente não pagam imposto. Pois isso é o que força governos a aumentar a taxação para os cidadãos. Alguns milhares de sonegadores milionários fazem a vida de milhões mais difícil”.
Autor de Ilhas do Tesouro, um livro sobre a proliferação dos paraísos fiscais e esquemas de evasão de renda que rendeu elogios do Nobel de Economia Paul Krugman, o britânico Nicholas Shaxson, concorda com a atenção que a Operação Zelotes poderá despertar junto ao grande público, em especial sobre a bandeira da justiça fiscal.
“Nos países europeus, a crise econômica de 2008 mobilizou o público para questões como esquemas de evasão fiscal, incluindo sistemas de certa forma encorajados pelo governo, como os impostos de multinacionais. Falar em impostos é um tema delicado politicamente, mas que se transformou em algo instrumental em campanhas políticas. O Brasil, que agora passa por um momento econômico mais delicado terá uma oportunidade de abordar esse assunto de forma mais generalizada”, diz Shaxson.
“O princípio de justiça fiscal é uma bandeira de campanha interessante. Na Grã-Bretanha, por exemplo, já não é mais exclusivamente restrito a uma parte do espectro político. E mostra que não adianta você insistir naquela tese de ‘ensinar a pescar em vez de dar o peixe’ quando alguns poucos são donos de imensos aquários”, completa o britânico, numa alusão à expressão usada para criticar programas assistenciais como o Bolsa-Família.
Publico abaixo uma reportagem publicada na BBC há alguns dias, que passou despercebida por nossas redes sociais. Fala sobre a Zelotes, e repercute números que cansamos de mencionar por aqui: uma pesquisa da Tax Justice Network que aponta o Brasil como o país com a maior taxa de evasão fiscal do mundo.
Só uma retificação no texto da BBC. Ele observa que somente os EUA registram um valor maior de evasão fiscal. Certo, só que, em percentual do PIB, a evasão fiscal brasileira é quase sete vezes maior: nos EUA, a evasão corresponde a 2% do PIB, a evasão brasuca nos custa 13,4% do PIB.
Os repórteres da BBC, todavia, deveriam ler o Cafezinho com mais frequência, porque saberiam, por exemplo, que há estudos mais atualizados sobre a evasão fiscal no Brasil.
Há, por exemplo, uma estimativa divulgada este ano pelo Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional, calculando a sonegação em 2014 em R$ 502 bilhões. A mídia nunca deu este número.
Digite “sonegação R$ 502 bilhões” no Google e só achará posts do Cafezinho, ou de outros blogs reproduzindo o Cafezinho.
A grande mídia foge de notícias sobre sonegação como o diabo foge da cruz.
Por isso tanto silêncio em torno da Zelotes, que envolve desvios muito maiores do que a Lava Jato.
Reportagens sobre a evasão fiscal no Brasil podem ser lidas em blogs e na BBC Brasil, mas não no cartel midiático, especializado em sonegar informação e impostos.
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Evasão fiscal anual no Brasil ‘equivale a 18 Copas do Mundo’
Fernando Duarte, da BBC Brasil em Londres
- A evasão fiscal do Brasil, com base em números de 2010, equivaleu a R$ 490 bilhões
- Mesmo antes da disparada na cotação do dólar, US$ 280 bilhões já seria um número impressionante
Segundo uma pesquisa da Tax Justice Network (rede de justiça fiscal, em tradução livre, organização internacional independente com base em Londres, que analisa e divulga dados sobre movimentação de impostos e paraísos fiscais), este é o montante que o Brasil teria perdido, apenas em 2010, com a evasão fiscal – em 2011, ano de divulgação do estudo, isso equivalia a R$ 490 bilhões.
O número vem de estimativas feitas com base em dados como PIB, gastos do governo, dimensão da economia formal e alíquotas tributárias. Segundo um dos pesquisadores da organização, estudos sobre evasão fiscal mostram que as estimativas do que deixa de ser arrecadado leva em conta também a economia informal.
O valor coloca o Brasil atrás apenas dos Estados Unidos numa lista de países que mais perdem dinheiro com evasão fiscal. É 18 vezes maior que o orçamento oficial da Copa do Mundo de 2014 e quase cinco vezes mais que o orçamento federal para a Saúde em 2015, por exemplo.
É bem maior que os R$ 19 bilhões que a Polícia Federal acredita terem sido desviados da União por um esquema bilionário de corrupção envolvendo um dos principais órgãos do sistema tributário brasileiro, o Carf – a agência responsável pelo julgamento de recursos contra decisões da Receita Federal, e que é o principal alvo da Operação Zelotes.
Mas para diversos estudiosos da área, a deflagração da ação policial pode representar o momento em que a sonegação ocupe um espaço maior nas discussões sobre impostos no Brasil, normalmente dominadas pelas críticas à carga tributária no país.
“A operação Zelotes mostrou que grandes empresas são pegas (em esquemas de sonegação) e têm grandes valores de dívidas. Mostrou ainda que não há constrangimento em pagar ‘consultorias’ que lhes assessorem em seus pleitos. A evasão fiscal é um problema muito mais grave do que a corrupção, não apenas por causa do volume de dinheiro envolvido, mas porque é ideologicamente justificada como uma estratégia de sobrevivência”, disse à BBC Brasil uma fonte da Receita Federal.
Pesquisador da Tax Justice Network, o alemão Markus Meinzer, aponta também para estimativas da entidade, igualmente baseadas em dados de 2010, de que os super-ricos brasileiros detinham o equivalente a mais de R$ 1 trilhão em paraísos fiscais, o quarto maior total em um ranking de países divulgado em 2012 pelo grupo de pesquisa.
“Números como estes relacionados aos paraísos fiscais mostram que o grosso do dinheiro que deixa de ser arrecadado vem de grandes fortunas e empresas. Por isso a operação da receita brasileira poderá ser extremamente importante como forma de tornar o assunto mais público”, acredita Meinzer.
O pesquisador acredita que a discussão é crucial para debates políticos no Brasil. Cita especificamente como exemplo o debate sobre os gastos sociais do governo da presidente Dilma Rousseff, um ponto contencioso em discussões públicas no Brasil.
“A verdadeira injustiça não está nas pessoas que usam benefícios da previdência social, mas as pessoas no topo da pirâmide econômica que simplesmente não pagam imposto. Pois isso é o que força governos a aumentar a taxação para os cidadãos. Alguns milhares de sonegadores milionários fazem a vida de milhões mais difícil”.
Autor de Ilhas do Tesouro, um livro sobre a proliferação dos paraísos fiscais e esquemas de evasão de renda que rendeu elogios do Nobel de Economia Paul Krugman, o britânico Nicholas Shaxson, concorda com a atenção que a Operação Zelotes poderá despertar junto ao grande público, em especial sobre a bandeira da justiça fiscal.
“Nos países europeus, a crise econômica de 2008 mobilizou o público para questões como esquemas de evasão fiscal, incluindo sistemas de certa forma encorajados pelo governo, como os impostos de multinacionais. Falar em impostos é um tema delicado politicamente, mas que se transformou em algo instrumental em campanhas políticas. O Brasil, que agora passa por um momento econômico mais delicado terá uma oportunidade de abordar esse assunto de forma mais generalizada”, diz Shaxson.
“O princípio de justiça fiscal é uma bandeira de campanha interessante. Na Grã-Bretanha, por exemplo, já não é mais exclusivamente restrito a uma parte do espectro político. E mostra que não adianta você insistir naquela tese de ‘ensinar a pescar em vez de dar o peixe’ quando alguns poucos são donos de imensos aquários”, completa o britânico, numa alusão à expressão usada para criticar programas assistenciais como o Bolsa-Família.
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