Por Roberto Amaral, em seu blog:
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Esse, o claro paradoxo presente no editorial de primeira página da edição do último dia 13 da Folha de S. Paulo, lembrando os terríveis artigos do Correio da Manhã contra Jango, às vésperas do golpe: Dilma deve presidir uma política conservadora, executada por um representante do sistema financeiro para esse fim indicado, e nem por isso terá o apoio das forças de direita, que, apesar de tudo, lhe exigem – mediante medidas concretas de governo – o rompimento com as bases populares que a elegeram e que já escasseiam em seu apoio, inclusive nas hostes de seu partido. Essas forças (populares) condicionam o apoio ao rompimento com a política à qual o editorial, vocalizando os sentimentos dos setores mais atrasados da economia, exige que se curve a presidente.
A direita que fala por intermédio desse editorial apresenta, nos termos imperativos de um diktat, as medidas de arrocho que levarão o País à paralisia econômica e grandes contingentes de assalariados ao desemprego, à precariedade e à angústia: cortes nos gastos públicos “com radicalidade sem precedentes”, contenção das despesas com a Previdência, corte dos subsídios a setores específicos da economia (donde mais desinvestimento, mais retração), corte dos programas sociais, e ainda desobrigação dos gastos compulsórios em saúde e educação. A saúde e a educação do andar de baixo, por suposto.
Nem uma só palavra, porém, acerca do combate à sonegação de impostos, privilégio do empresariado, que chega à patologia de algo como 50% do valor devido.
Nem uma só palavra sobre a taxação dos ganhos de capital.
Nada sobre a tributação progressiva.
À presidente, porém, não são concedidas opções: ou faz o que o grande capital quer, ou será defenestrada. Diz o editorial:
“Serão imensas, escusado dizer, as resistências da sociedade a iniciativas desse tipo. O país, contudo, não tem escolha. A presidente Dilma tão pouco: não lhe restará, caso se dobre sob o peso da crise, senão abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo que ocupa”.
Em bom português: ou dá, ou desce. Mas, de onde vem a legitimidade do jornal para assim dirigir-se a uma mandatária eleita pelo voto majoritário de 54 milhões de brasileiros?
O soco no fígado, de qualquer forma, já surtiu seus efeitos. Não mais que 24 horas após o ultimato, os ministros da Fazenda e do Planejamento anunciavam o ‘pacote de cortes’: cortes no PAC, cortes no programa ‘Minha casa, Minha vida’, corte nos subsídios agrícolas, corte das despesas com o servidor público – que, ao lado dos demais assalariados, é mesmo quem vai pagar o pato.
Até aqui, nem uma só palavra, um só aceno sobre a taxação das grandes fortunas e das grandes heranças.
De sua parte, o presidente da Câmara (que já anunciou o imperial veto à CPMF) aproveita a onda e, diz o Valor, acelera o projeto de José Serra, senador tucano por São Paulo, que revoga o regime de partilha no pré-sal, enquanto os ativos da Petrobras, desvalorizados ao final de uma maquinação especulativa bem urdida, serão vendidos a preço de chuchu. Como se deu com a Vale, nos tempos da ‘privataria’ presidida por FHC.
A direita que, derrotada em três eleições seguidas, impõe aos vencedores o seu programa, ainda assim não se dá por satisfeita, e jamais dar-se-á por saciada, quaisquer que sejam as concessões. Anotem isso os cedentes e os concedentes.
Olhando o aqui e o agora, a direita mira longe. Mira a liquidação do atual governo, sim – menos pelos seus erros mas principalmente pelo que representa – e mira igualmente a eventualidade de uma retomada progressista em 2018. Não se trata, apenas, de interromper o atual ciclo. Não se trata mesmo de finalmente regurgitar o ‘sapo barbudo’, jamais assimilado, nada obstante as ilusões de conciliação de classe do metalúrgico. Trata-se de travar o avanço social, mesmo ao risco de, nesta débâcle, derruir a sociedade democrática construída sob os influxos progressistas e socialdemocratas da Carta de 1988.
Assim foi em 1954: o combate a um ‘mar de lama’ (por sinal inexistente) foi o pano de fundo que uniu liberais e reacionários no combate ao governo Vargas, efetivamente demonizado pelo que de fato representava como proposta de soberania nacional e defesa dos interesses dos trabalhadores. A história repetir-se-ia em 1964. Desta feita o ‘crime’ eram as ‘reformas de base’ que, ainda hoje, como a reforma agrária, arrepiam a burguesia atrasada. Naquele então, pensando que defendiam uma Constituição ameaçada, os liberais de novo se deram as mãos com a direita e acabaram contribuindo, com a deposição do presidente constitucional, para a implantação de uma ditadura que revogou a Constituição e suprimiu as liberdades.
Consabidamente, a História não se repete; mas no Brasil ela toma os ares de recorrente.
O impeachment – a ameaça ostensivamente presente no referido editorial –, uma vez alcançado (e, se o for, será com o lamentável concurso de pessoas de bem como Hélio Bicudo, que, não sabendo envelhecer, dá as mãos antes limpas para o afago de Bolsonaros e Caiados), será o ponto de partida para a destruição dos partidos de esquerda, a começar pelo PT (mas não ficando nele), a destruição dos quadros-ícones da esquerda, a começar pela imagem de Lula, impondo um longo retrocesso ao movimento popular, progressista e de esquerda, numa quadra de crise política e falência do sistema de partidos. Iluda-se quem quiser e aposte no ‘quanto pior melhor’ quem tiver vocação suicida.
A crise e o conflito que se anunciam como inevitáveis exigem das forças progressistas a reaglutinação de todas as tendências em torno de uma política de Frente, para a qual são chamados os liberais e os democratas de um modo geral, com fulcro em apenas dois pontos: a defesa do mandato da presidente Dilma e a mudança da política econômica, para para o peso do ‘ajuste’ se desloque dos assalariados para o capital financeiro. É o momento difícil, mas rico, que exige de nossas esquerdas a distinção entre o essencial e o contingente, a tática e a estratégia, os fins e os meios, os objetivos e as circunstâncias da luta.
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Esse, o claro paradoxo presente no editorial de primeira página da edição do último dia 13 da Folha de S. Paulo, lembrando os terríveis artigos do Correio da Manhã contra Jango, às vésperas do golpe: Dilma deve presidir uma política conservadora, executada por um representante do sistema financeiro para esse fim indicado, e nem por isso terá o apoio das forças de direita, que, apesar de tudo, lhe exigem – mediante medidas concretas de governo – o rompimento com as bases populares que a elegeram e que já escasseiam em seu apoio, inclusive nas hostes de seu partido. Essas forças (populares) condicionam o apoio ao rompimento com a política à qual o editorial, vocalizando os sentimentos dos setores mais atrasados da economia, exige que se curve a presidente.
A direita que fala por intermédio desse editorial apresenta, nos termos imperativos de um diktat, as medidas de arrocho que levarão o País à paralisia econômica e grandes contingentes de assalariados ao desemprego, à precariedade e à angústia: cortes nos gastos públicos “com radicalidade sem precedentes”, contenção das despesas com a Previdência, corte dos subsídios a setores específicos da economia (donde mais desinvestimento, mais retração), corte dos programas sociais, e ainda desobrigação dos gastos compulsórios em saúde e educação. A saúde e a educação do andar de baixo, por suposto.
Nem uma só palavra, porém, acerca do combate à sonegação de impostos, privilégio do empresariado, que chega à patologia de algo como 50% do valor devido.
Nem uma só palavra sobre a taxação dos ganhos de capital.
Nada sobre a tributação progressiva.
À presidente, porém, não são concedidas opções: ou faz o que o grande capital quer, ou será defenestrada. Diz o editorial:
“Serão imensas, escusado dizer, as resistências da sociedade a iniciativas desse tipo. O país, contudo, não tem escolha. A presidente Dilma tão pouco: não lhe restará, caso se dobre sob o peso da crise, senão abandonar suas responsabilidades presidenciais e, eventualmente, o cargo que ocupa”.
Em bom português: ou dá, ou desce. Mas, de onde vem a legitimidade do jornal para assim dirigir-se a uma mandatária eleita pelo voto majoritário de 54 milhões de brasileiros?
O soco no fígado, de qualquer forma, já surtiu seus efeitos. Não mais que 24 horas após o ultimato, os ministros da Fazenda e do Planejamento anunciavam o ‘pacote de cortes’: cortes no PAC, cortes no programa ‘Minha casa, Minha vida’, corte nos subsídios agrícolas, corte das despesas com o servidor público – que, ao lado dos demais assalariados, é mesmo quem vai pagar o pato.
Até aqui, nem uma só palavra, um só aceno sobre a taxação das grandes fortunas e das grandes heranças.
De sua parte, o presidente da Câmara (que já anunciou o imperial veto à CPMF) aproveita a onda e, diz o Valor, acelera o projeto de José Serra, senador tucano por São Paulo, que revoga o regime de partilha no pré-sal, enquanto os ativos da Petrobras, desvalorizados ao final de uma maquinação especulativa bem urdida, serão vendidos a preço de chuchu. Como se deu com a Vale, nos tempos da ‘privataria’ presidida por FHC.
A direita que, derrotada em três eleições seguidas, impõe aos vencedores o seu programa, ainda assim não se dá por satisfeita, e jamais dar-se-á por saciada, quaisquer que sejam as concessões. Anotem isso os cedentes e os concedentes.
Olhando o aqui e o agora, a direita mira longe. Mira a liquidação do atual governo, sim – menos pelos seus erros mas principalmente pelo que representa – e mira igualmente a eventualidade de uma retomada progressista em 2018. Não se trata, apenas, de interromper o atual ciclo. Não se trata mesmo de finalmente regurgitar o ‘sapo barbudo’, jamais assimilado, nada obstante as ilusões de conciliação de classe do metalúrgico. Trata-se de travar o avanço social, mesmo ao risco de, nesta débâcle, derruir a sociedade democrática construída sob os influxos progressistas e socialdemocratas da Carta de 1988.
Assim foi em 1954: o combate a um ‘mar de lama’ (por sinal inexistente) foi o pano de fundo que uniu liberais e reacionários no combate ao governo Vargas, efetivamente demonizado pelo que de fato representava como proposta de soberania nacional e defesa dos interesses dos trabalhadores. A história repetir-se-ia em 1964. Desta feita o ‘crime’ eram as ‘reformas de base’ que, ainda hoje, como a reforma agrária, arrepiam a burguesia atrasada. Naquele então, pensando que defendiam uma Constituição ameaçada, os liberais de novo se deram as mãos com a direita e acabaram contribuindo, com a deposição do presidente constitucional, para a implantação de uma ditadura que revogou a Constituição e suprimiu as liberdades.
Consabidamente, a História não se repete; mas no Brasil ela toma os ares de recorrente.
O impeachment – a ameaça ostensivamente presente no referido editorial –, uma vez alcançado (e, se o for, será com o lamentável concurso de pessoas de bem como Hélio Bicudo, que, não sabendo envelhecer, dá as mãos antes limpas para o afago de Bolsonaros e Caiados), será o ponto de partida para a destruição dos partidos de esquerda, a começar pelo PT (mas não ficando nele), a destruição dos quadros-ícones da esquerda, a começar pela imagem de Lula, impondo um longo retrocesso ao movimento popular, progressista e de esquerda, numa quadra de crise política e falência do sistema de partidos. Iluda-se quem quiser e aposte no ‘quanto pior melhor’ quem tiver vocação suicida.
A crise e o conflito que se anunciam como inevitáveis exigem das forças progressistas a reaglutinação de todas as tendências em torno de uma política de Frente, para a qual são chamados os liberais e os democratas de um modo geral, com fulcro em apenas dois pontos: a defesa do mandato da presidente Dilma e a mudança da política econômica, para para o peso do ‘ajuste’ se desloque dos assalariados para o capital financeiro. É o momento difícil, mas rico, que exige de nossas esquerdas a distinção entre o essencial e o contingente, a tática e a estratégia, os fins e os meios, os objetivos e as circunstâncias da luta.
1 comentários:
é por isso que eles querem impor e lavar a cabeça das pesoas que Dilma tem apenas 7% de aprovaçao. Ora 54 milhoes de eleitores que votaram nela continuaram votando. tenho certeza disso. 54 milhoes de votos é mais que a metade dos eleitores. eles podiam dizer que ela tinha 40% 30% mais 7% vou usar o termo certo para lidar com essa gente. É MENTIRA.
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