Por Raul Varassin
Vários jornalistas e historiadores já escreveram sobre o atentado ao Carlos Lacerda na rua Tonelero, 180, Copacabana, edifício Albervânia, aos 45 minutos do dia 5 de agosto de l954. Lira Neto, Leandro Melito, Palmério Dória, entre outros.
Em síntese, fica quase claro nos depoimentos que Carlos Lacerda não levou tiro algum. Não há exame de corpo de delito do Hospital Miguel Couto, não há raios-x provando isso, nem foi exibido o revólver que Lacerda teria disparado tiros para se defender do pistoleiro.
O desaparecimento do prontuário do hospital, que poderia atestar se o jornalista teria ou não sido realmente ferido no pé, só complicou ainda mais o esclarecimento do caso. E também as seguidas versões dadas a ele, em várias épocas, narrando o episódio de diversas maneiras. E revelam que não houve atentado ao jornalista Carlos Lacerda. O major Vaz foi morto por tentar, na ocasião, dar uma gravata no pescoço de Alcino do Nascimento, o suposto pistoleiro.
Primeira reportagem
A primeira reportagem, publicada no Diário Carioca, e que passou a ser a versão oficial, sobre o atentado a Carlos Lacerda foi escrita pelo jornalista Armando Nogueira, que morava ao lado, na rua Tonelero, 184 e que estava chegando em casa. Diz a reportagem dele: "Acabava de chegar de carro (um Chrysler) do meu colega Deodato Maia, que viajava com outro colega do Diário Carioca, Otávio Bonfim. O Otávio nos mostrou:"olha aí o Carlos Lacerda". Eu vi o jornalista Carlos Lacerda se desviar de seis tiros de revólver à porta de seu edifício na rua Tonelero", escreveu Armando, às pressas, e a tempo de sair na primeira edição do dia, indo para a redação.
E continua: "Carlos Lacerda acabara de se despedir de um amigo – major Vaz - e já ia entrando em casa quando um homem magro, moreno, meia altura e trajando terno cinza surgiu por trás de um carro (um Studebaker, placa 5-60-21) e, de cócoras, disparou toda a carga de seu revólver, quase a queima roupa. Lacerda foi atingido no pé esquerdo; o major, no peito, morrendo em seguida. Dois minutos depois do tiroteio, meu colega Deodato correu até o corpo do major Vaz que já agonizava, com a camisa toda ensanguentada. Logo atrás, vindo de dentro de seu edifício, chegava Carlos Lacerda que, ao reconhecer o amigo, quis carregá-lo nos braços. Deodato, então, ponderou: talvez fosse melhor não levá-lo dali para que a polícia fizesse a perícia."Meu Deus, meu amigo Vaz está morto", gritou Lacerda.
A sequência
O motorista do automóvel, o taxista Nelson Raimundo, que teve a placa anotada pelo vigilante Sálvio Romeiro, um guarda municipal que passava nas imediações, apresentou-se na delegacia ainda naquela madrugada. Disse que fez uma corrida de táxi, mas que não conhecia os passageiros e não sabia o motivo da corrida. Chamou a atenção que ele fazia ponto de táxi na rua Silveira Martins, ao lado do Palácio do Catete. Depois disse que conhecia um deles, Climério Euribes de Almeida, que era integrante da guarda pessoal do presidente Vargas.E mais tarde descobriu-se que o segundo passageiro era Alcino João do Nascimento.
O jornalista Palmério Doria, por indicação do chefe de reportagem Hamilton Almeida Filho, foi ao Rio e entrevistou Alcino logo depois dele ter sido libertado dos 20 anos de prisão a que foi condenado por assassinar major Vaz. Ele contou que recebeu ordens da chefia da segurança pessoal do presidente da República, cujo comandante era Gregório Fortunato, para seguir Lacerda e anotar onde ia, com quem conversava e quem o acompanhava.
E assim o fez naquele dia, chegando na rua Tonelero e, em seguida, a saída de Carlos Lacerda do carro, e ainda agachado, tentava anotar a placa do carro do major Vaz quando este, um corpulento homem, faixa preta de judô se aproximou inesperadamente e tentou lhe dar uma gravata. Ao que Alcino revidou dando-lhe dois tiros e fugindo.
Com exceção da Ultima Hora, todas as redações dos jornais estavam em campanha contra o governo, não só a Tribuna de Imprensa de Carlos Lacerda. Correio da Manhã, O Globo, Jornal do Brasil igualmente embebidas pelas posições udenistas.
No Diário Carioca, Armando Nogueira, sempre meticuloso em seus textos, cuidados com apuração dos fatos, chegou e começou a escrever a sua reportagem narrando os fatos e, pressionado pelo chefe de redação Pompeu de Souza, contou a sua versão.
Falso atentado
Três fatos ficam claros: um revólver calibre 38, com 6 balas, não poderia ter disparado outras 6, já que duas tinham sido gastas para atingir o major Vaz. Carlos Lacerda não tinha ferimento algum na perna ou no pé, tanto que tentou levantar o corpo do major Vaz do chão. No Hospital Miguel Couto não houve confirmação alguma de tiro em Lacerda. Mesmo assim, no dia seguinte, Carlos Lacerda aparecia nas manchetes amparado por dois oficiais da Aeronáutica, com a perna engessada.
Pompeu de Souza, editor chefe do Diário Carioca, fez démarches com Armando Nogueira sobre a reportagem, e com outros, para que o inquérito fosse levado da delegacia de policia do bairro de Copacabana, já que a morte de um oficial da FAB foi levada para a Base Aérea do Galeão. Assim nasceu a chamada República do Galeão, que culminou com o suicídio de Getúlio Vargas.
Lá, sob torturas, todos os presos, confessaram que o que lhe mandaram: tinham sido contratados para matar Carlos Lacerda, que o dinheiro para a fuga deles tinha sido dado por Gregório Fortunato, em seguida também preso, e todos foram condenados. Gregório morreu na cadeia.
Nos jornais e nos quartéis, a crise era geral exigindo-se a renúncia do presidente Getúlio Vargas que, com o seu suicídio, reverteu a situação, mantendo criadas a Petrobrás, a Eletrobrás, a Cia Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional e consagrando os direitos dos trabalhadores pela CLT.
* Raul Varassin é jornalista, ex-diretor de Jornalismo da Globo Paraná, Pernambuco e Minas Gerais, chefe de reportagem da TVs Cultura (contratado por Vladimir Herzog), SBT e Record.
Vários jornalistas e historiadores já escreveram sobre o atentado ao Carlos Lacerda na rua Tonelero, 180, Copacabana, edifício Albervânia, aos 45 minutos do dia 5 de agosto de l954. Lira Neto, Leandro Melito, Palmério Dória, entre outros.
Em síntese, fica quase claro nos depoimentos que Carlos Lacerda não levou tiro algum. Não há exame de corpo de delito do Hospital Miguel Couto, não há raios-x provando isso, nem foi exibido o revólver que Lacerda teria disparado tiros para se defender do pistoleiro.
O desaparecimento do prontuário do hospital, que poderia atestar se o jornalista teria ou não sido realmente ferido no pé, só complicou ainda mais o esclarecimento do caso. E também as seguidas versões dadas a ele, em várias épocas, narrando o episódio de diversas maneiras. E revelam que não houve atentado ao jornalista Carlos Lacerda. O major Vaz foi morto por tentar, na ocasião, dar uma gravata no pescoço de Alcino do Nascimento, o suposto pistoleiro.
Primeira reportagem
A primeira reportagem, publicada no Diário Carioca, e que passou a ser a versão oficial, sobre o atentado a Carlos Lacerda foi escrita pelo jornalista Armando Nogueira, que morava ao lado, na rua Tonelero, 184 e que estava chegando em casa. Diz a reportagem dele: "Acabava de chegar de carro (um Chrysler) do meu colega Deodato Maia, que viajava com outro colega do Diário Carioca, Otávio Bonfim. O Otávio nos mostrou:"olha aí o Carlos Lacerda". Eu vi o jornalista Carlos Lacerda se desviar de seis tiros de revólver à porta de seu edifício na rua Tonelero", escreveu Armando, às pressas, e a tempo de sair na primeira edição do dia, indo para a redação.
E continua: "Carlos Lacerda acabara de se despedir de um amigo – major Vaz - e já ia entrando em casa quando um homem magro, moreno, meia altura e trajando terno cinza surgiu por trás de um carro (um Studebaker, placa 5-60-21) e, de cócoras, disparou toda a carga de seu revólver, quase a queima roupa. Lacerda foi atingido no pé esquerdo; o major, no peito, morrendo em seguida. Dois minutos depois do tiroteio, meu colega Deodato correu até o corpo do major Vaz que já agonizava, com a camisa toda ensanguentada. Logo atrás, vindo de dentro de seu edifício, chegava Carlos Lacerda que, ao reconhecer o amigo, quis carregá-lo nos braços. Deodato, então, ponderou: talvez fosse melhor não levá-lo dali para que a polícia fizesse a perícia."Meu Deus, meu amigo Vaz está morto", gritou Lacerda.
A sequência
O motorista do automóvel, o taxista Nelson Raimundo, que teve a placa anotada pelo vigilante Sálvio Romeiro, um guarda municipal que passava nas imediações, apresentou-se na delegacia ainda naquela madrugada. Disse que fez uma corrida de táxi, mas que não conhecia os passageiros e não sabia o motivo da corrida. Chamou a atenção que ele fazia ponto de táxi na rua Silveira Martins, ao lado do Palácio do Catete. Depois disse que conhecia um deles, Climério Euribes de Almeida, que era integrante da guarda pessoal do presidente Vargas.E mais tarde descobriu-se que o segundo passageiro era Alcino João do Nascimento.
O jornalista Palmério Doria, por indicação do chefe de reportagem Hamilton Almeida Filho, foi ao Rio e entrevistou Alcino logo depois dele ter sido libertado dos 20 anos de prisão a que foi condenado por assassinar major Vaz. Ele contou que recebeu ordens da chefia da segurança pessoal do presidente da República, cujo comandante era Gregório Fortunato, para seguir Lacerda e anotar onde ia, com quem conversava e quem o acompanhava.
E assim o fez naquele dia, chegando na rua Tonelero e, em seguida, a saída de Carlos Lacerda do carro, e ainda agachado, tentava anotar a placa do carro do major Vaz quando este, um corpulento homem, faixa preta de judô se aproximou inesperadamente e tentou lhe dar uma gravata. Ao que Alcino revidou dando-lhe dois tiros e fugindo.
Com exceção da Ultima Hora, todas as redações dos jornais estavam em campanha contra o governo, não só a Tribuna de Imprensa de Carlos Lacerda. Correio da Manhã, O Globo, Jornal do Brasil igualmente embebidas pelas posições udenistas.
No Diário Carioca, Armando Nogueira, sempre meticuloso em seus textos, cuidados com apuração dos fatos, chegou e começou a escrever a sua reportagem narrando os fatos e, pressionado pelo chefe de redação Pompeu de Souza, contou a sua versão.
Falso atentado
Três fatos ficam claros: um revólver calibre 38, com 6 balas, não poderia ter disparado outras 6, já que duas tinham sido gastas para atingir o major Vaz. Carlos Lacerda não tinha ferimento algum na perna ou no pé, tanto que tentou levantar o corpo do major Vaz do chão. No Hospital Miguel Couto não houve confirmação alguma de tiro em Lacerda. Mesmo assim, no dia seguinte, Carlos Lacerda aparecia nas manchetes amparado por dois oficiais da Aeronáutica, com a perna engessada.
Pompeu de Souza, editor chefe do Diário Carioca, fez démarches com Armando Nogueira sobre a reportagem, e com outros, para que o inquérito fosse levado da delegacia de policia do bairro de Copacabana, já que a morte de um oficial da FAB foi levada para a Base Aérea do Galeão. Assim nasceu a chamada República do Galeão, que culminou com o suicídio de Getúlio Vargas.
Lá, sob torturas, todos os presos, confessaram que o que lhe mandaram: tinham sido contratados para matar Carlos Lacerda, que o dinheiro para a fuga deles tinha sido dado por Gregório Fortunato, em seguida também preso, e todos foram condenados. Gregório morreu na cadeia.
Nos jornais e nos quartéis, a crise era geral exigindo-se a renúncia do presidente Getúlio Vargas que, com o seu suicídio, reverteu a situação, mantendo criadas a Petrobrás, a Eletrobrás, a Cia Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional e consagrando os direitos dos trabalhadores pela CLT.
* Raul Varassin é jornalista, ex-diretor de Jornalismo da Globo Paraná, Pernambuco e Minas Gerais, chefe de reportagem da TVs Cultura (contratado por Vladimir Herzog), SBT e Record.
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