Varoufakis na Universidade de Coimbra. Foto: Paulo Novais/Lusa
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A conferência do ministro grego Varoufakis, que dirigiu a primeira fase das negociações do seu país, com a União Europeia, ecoou do gigantesco auditório da Faculdade de Direito de Coimbra para toda a Europa e para todo o país. Sem vender facilidades Varoufakis repetiu, com ironia e brilho, o que já tinha afirmado numa longa entrevista ao jornal “Público”, no dia 16 de outubro: “qualquer tentativa de sair da UE está repleta de perigos”(…)”estamos todos presos numa zona do euro que temos obrigação de melhorar” e, para isso, é preciso “mostrar rejeição às políticas que estão sendo impostas”.
A tese central da Varoufakis é que a integração europeia está sendo comandada no sentido de resolver os impasses de mercado das economias fortes da Europa e não de promover uma horizontalidade de compromissos para o desenvolvimento e coesão social, com um mínimo de bem-estar, para as populações mais pobres, tanto do Leste Europeu, como dos países da Europa Ocidental. Qual a prova que Varoufakis apresenta? Através do próprio desequilíbrio alemão, cuja moeda originária, o marco, estaria valendo, hoje – sem a União Europeia – pelo menos o dobro do euro, o que seria um brutal desequilíbrio cambial, promotor de um enorme desarranjo da economia alemã, na sua relação com o mundo capitalista desenvolvido, ao qual ela pertence.
Em Portugal, ao contrário do que foi divulgado pela mídia tradicional, o polo conservador não ganhou as eleições. A vitória foi da esquerda, cujos votos somados lhe dão maioria parlamentar, embora o partido-chave da coalizão governista conservadora atual, tenha sido, isoladamente, o mais votado. Isso lhe dá apenas preferência formal para tentar formar um Governo, que seria, provavelmente de minoria, ou de maioria instável.
Neste momento, três adversários históricos no cenário político português, com passivos que vem da Revolução dos Cravos - Partido Socialista, Partido Comunista e Bloco de Esquerda - negociam superar suas divergências, para convencer o Presidente da República, a quem compete definir o partido que vai encabeçar a nova coalizão governista, que tem condições de aplicar um novo programa, com maioria parlamentar estável para tanto.
Esta negociação está, agora, colocada num terreno mais realista, depois da conferência de Varoufakis, pois Portugal está subordinado às condicionalidades impostas pela Europa (leia-se Banco Central Alemão), reguladas no “Pacto de Estabilidade e Crescimento”, cujas orientações orçamentárias para os países do euro que bloqueiam qualquer “derrapagem” no “déficit público”. São cláusulas que impedem a execução das clássicas medidas distributivas da social-democracia, para melhorar o consumo dos pobres e reforçar políticas públicas de caráter “social” -por exemplo – nas áreas de saúde e educação pública, hoje tão subfinanciadas como as suas irmãs brasileiras.
Varoufakis disse em Coimbra que não abandonou Tsipras, mas se sentiu impedido de assinar o novo Memorando exigido pela “Troika”, porque as políticas dele decorrentes teriam “chance zero” de ter resultados positivos. E que isso se repetirá, porque a soberania europeia -mais particularmente dos países mais pobres da zona do euro- não mais existe. Esta eliminação da soberania impede, segundo Varoufakis, qualquer negociação séria sobre a dívida, bloqueia o financiamento imediato do desenvolvimento e também eventuais relações de solidariedade sub-regional para a montagem, em conjunto, de novas alternativas fora dos padrões da sra. Merkhel.
Varoufakis deu uma declaração surpreendente: “um verdadeiro capitalista, que quer investir, criar empregos, nos dias de hoje, sofre tanto como os proletários”, disse, reportando-se aos deslocamento de poder, dentro do sistema do capital, do setor industrial para o setor financeiro.
O impasse dos descendentes políticos de Mário Soares (Antonio Costa, PS), Álvaro Cunhal (Jerônimo de Sousa, PCP) e Chico Louçã (Catarina Martins, Bloco de Esquerda), é verdadeiramente dramático: para aplicar um programa socialdemocrata de esquerda, hoje, é preciso desafiar a União Europeia, mas os efeitos deste desafio -num primeiro momento- serão tão devastadores, no plano econômico, como as próprias políticas da “Tróika”: a economia portuguesa não tem, hoje, no plano internacional (como a própria Grécia), condições de competitividade global para acumular -no setor público e no setor privado- para ir “crescendo e distribuindo” imediatamente.
Entendo que a grande advertência de Varoufakis, que decorre da sua histórica presença à frente das negociações do governo grego, é que existe uma mudança de sentido, hoje, em quaisquer transformações democráticas e sociais minimamente ousadas: antes, ela eram impulsionadas por lutas “de dentro” dos territórios soberanos, para “fora deles”, como ocorreu com as lutas socialistas e democráticas de todas ordens; hoje, elas só parecem ter futuro, se sofrerem interferências decisivas de “fora para dentro”, para a recuperação de uma soberania nova e compartilhada, com relações de solidariedade direta entre governos, além da solidariedade entre grupos e classes sociais, à margem do “crescimento” elitizado da globalização financeira.
O impasse italiano, o impasse grego, o impasse português, na atual situação do mundo, de certa forma previnem governos e partidos democráticos e de esquerda, que um dia chegaremos lá e que, na verdade das verdades, chegaremos um dia ao supremo limite de tudo isso: ou a soberania compartilhada de novo tipo, gera relações de solidariedade regional para empregar e incluir, com mais democracia, ou o fim da soberania política, imposta pelo capital financeiro, gerará mais autoritarismo, mais guerras e busca de saídas violentas, pelos que não estão na primeira classe deste mundo-nave. O mesmo que está afundando em cada gemido e em cada estrondo.
* Tarso Genro foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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