Vai se cumprindo a previsão de que bastaria deixar a direita governar para ela se enterrar sozinha. Não poderia dar em outra coisa. O governo tucano-peemedebista fará pelo PT e pela esquerda em geral o que nenhum marqueteiro faria. Só o que está surpreendendo é a velocidade da deterioração do “governo” golpista.
Senão, vejamos o contexto em que tudo isso está sucedendo.
Enquanto a direita militante se masturba com a fictícia imagem mental de Lula preso, ele vai sendo absolvido por sucessivos delatores que não conseguiram oferecer nada mais do que a acusação sem provas que propiciou aos golpistas algumas manchetes espalhafatosas.
Moro, Dallagnol, Globo e cia. acusarem Lula é fácil, provar acusações falsas é que são elas. Moro pode não conseguir nem condenar o ex-presidente em primeira instância, apesar de que falta de provas nunca o impediu de condenar ninguém.
Mas não é (só) no fracasso anunciado em destruir Lula que reside o motivo não para comemoração – pois, fracassando ou não, o golpe terá causado prejuízos ao país que vão levar décadas para ser reparados –, mas para alento.
Este Blog quer reiterar, pela enésima vez, que, assim como o golpe era previsível com base em simples lógica, seu fracasso é igualmente previsível com base na mesma lógica.
Em primeiro lugar, a “inteligência” que justificou o golpe contra Dilma Rousseff vendeu a uma maioria de incautos a ideia estapafúrdia de que um grupo político que durante onze anos fez o desemprego cair, o salário aumentar, a economia crescer e a vida dos mais pobres melhorar de forma inédita, de repente, em um ano e pouco, do nada desaprendeu a governar.
Ora, o povo ficar em maioria ao lado dos golpistas foi uma atitude flagrantemente insensata. Esqueceu que votou no PT por QUATRO eleições presidenciais seguidas e, mais do que isso, esqueceu POR QUE votou repetidamente no candidato a presidente desse partido.
Ou alguém acredita que as dezenas de milhões de pessoas que deram quatro mandatos de presidente ao PT fizeram isso pelos belos olhos de Lula ou Dilma?
Ah, foram enganadas, é? Quer dizer que o primeiro mandato de Lula foi ruim e as pessoas quiseram votar nele pela segunda vez por isso?
Lula deixou o poder em 2010 com 80% de aprovação porque ninguém viu as atrocidades que ele cometeu entre aquele ano e 2002 ou porque os brasileiros julgaram que durante oito anos ele governou bem?
Lula elegeu Dilma em 2010 e ela se reelegeu em 2014 porque os períodos anteriores à eleição de dois anos atrás foram um desastre? Quer dizer que o povo votou pela quarta vez seguida no PT mesmo com seus três governos anteriores tendo sido uma droga?
Como se vê, não há lógica na premissa golpista. Assim como não houve lógica em a maioria da população apoiar a destituição de Dilma, conferindo-lhe, do nada, cerca de 10% de aprovação.
Faltou reflexão a este povo. Faltou tentar entender por que um partido que foi bom no poder durante 11 anos, de repente parou de funcionar. Se a maioria que abandonou Dilma, Lula e o PT tivesse pensado um pouco, veria que havia alguma coisa além das aparências.
Havia, como se sabe, sabotagem – o Congresso parou de votar qualquer matéria do interesse de Dilma, impedindo-a de governar, e a Lava Jato paralisou o setor mais dinâmico e que mais dinheiro movimenta na economia, o da construção pesada, gerando forte recessão, sem falar na crise de confiança dos investidores, que se recolheram vendo incerteza sobre quem iria governar o país.
Porém, como se dizia aqui nesta página antes do golpe, era bobagem pensar que a crise política pararia depois do golpe.
Primeiro erro dos golpistas foi achar que a sociedade aceitaria perder direitos e piorar de vida em troca da satisfação da sanha antipetista de uma sua parcela conjunturalmente majoritária. A vida das pessoas começou a piorar em ritmo acelerado.
Nenhum dos problemas na economia que predispuseram grande parcela da população contra Dilma, Lula e PT refluíu. Muito pelo contrário, a economia vem piorando.
Ao lado da piora da economia, os golpistas, acreditando que a maioria esmagadora do povo se convertera em gado e poderia ser “tocada” para qualquer lado pelo berrante midiático, começaram a propor extinção de direitos trabalhistas, precarização do trabalho formal, redução drástica de programas sociais…
Mas não é só isso. A ousadia golpista foi aos píncaros da desfaçatez. Acreditando que bastava tirar o PT do poder para obter salvo-conduto contra a lei e para roubar à vontade, Temer e cia. caíram na esbórnia.
Michê Temer nomeou um ministério composto em maioria por acusados de corrupção e investigados na Lava Jato. Transformou o governo federal em esconderijo para bandidos.
Temer se esqueceu que a maioria esmagadora dos escândalos dos governos petistas foram causados por conta de o PMDB fazer parte da aliança governista. E achou que bastaria trair Dilma e dar o golpe para tudo ser perdoado.
Talvez até fosse assim, mas a ousadia com que Temer e cia. tomaram o poder os fez ir longe demais. Mal Temer e sua quadrilha haviam assumido e o ministro da Saúde já deu a “singela” declaração de que haveria que reduzir o SUS…
Assim, como quem não quer nada.
Veio outro, o ministro da Justiça, e declarou que, derrubado o PT, o presidente da República não poderia mais ficar exposto a procuradores-gerais da República que não fossem aliados, pois esse cargo permite processar o presidente e qualquer outro político com foro privilegiado.
Alexandre de Moraes, para resumir, propôs a enormidade de que a escolha do PGR passasse a desconsiderar a orientação da maioria do Ministério Público do Brasil, o que se constituiu em meia confissão de corrupção.
O nível tosco dos peemedebistas se viu reforçado pelos tucanos. O PSDB mergulhou de cabeça na aventura temerária. Promoveu lambanças nas Relações Exteriores, ameaçando países vizinhos, dando declarações mal-educadas, avessas ao próprio conceito de Diplomacia.
Como se não bastasse, vem à tona que o moralista José Serra, o queridinho da mídia paulista e da esmagadora maioria de militantes de extrema-direita, tem problemas muito mais sérios que a falta de Educação que fez Katia Abreu lhe atirar uma taça de champanhe no rosto.
Os 23 milhões de reais (ou 34 milhões, se atualizados monetariamente) que Serra é acusado de receber de propina deixam a corrupção mineira parecendo uma brisa – não aquela brisa que você está pensando, mas uma brisa mesmo, um vento suave.
Mas a pá de cal no governo Temer é a queda de seu sexto ministro. Mais do que por qualquer outra coisa, porque esse episódio está permitindo provar definitivamente ao país e ao mundo que houve, sim, um golpe no Brasil.
Michel Temer e Geddel Vieira Lima cometeram crime de concussão. De acordo com o Código Penal, concussão é o ato de exigir, para si ou para outrem, dinheiro ou vantagem indevida em razão da função, direta ou indiretamente.
Trocando em miúdos: há provas materiais (gravações) de que Michel Temer e Geddel Vieira Lima, respectivamente presidente da República e (então) ministro da Secretaria de Governo, cometeram concussão ao pedirem ao (então) ministro da Cultura que tomasse medida ilegal para favorecer um deles.
O que faz o PSDB (Aécio Neves)? Critica o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, autor da denúncia, por ter gravado Temer. Aécio agiu como se o conteúdo da gravação não provasse que o presidente da República pediu a um ministro que tomasse uma medida ilegal para beneficiar um amigo e também ministro (Geddel).
Aécio, em suma, propôs, PU-BLI-CA-MEN-TE, que todos ignorassem gravações que podem mostrar Temer cometendo um crime. Por que? Porque, pela lógica tucana, Temer pode ter prova contra si que ela não vale, enquanto que Dilma pôde ser condenada sem uma única prova.
Eis o ponto: a comparação entre a causa da derrubada de Dilma e o crime de que Temer está sendo acusado (com prova gravada) vai mostrar ao mundo e a muito brasileiro ingênuo e de boa fé que acreditou nos golpistas que Dilma não foi derrubada por conta de crime algum, já que Temer tem um crime mais grave e mais provado contra si e o Congresso não se move para derrubá-lo.
O Congresso já estava ficando mal na foto por não ter convocado Geddel. Agora, vai ficar ainda pior por não ter arroubos moralistas diante de um crime tão tosco quanto o do ex-ministro e de Temer.
Temer vinha fazendo um esforço hercúleo para recuperar a imagem internacional do Brasil após o país ter sofrido um golpe parlamentar e jogado 54 milhões de votos no lixo. O esforço, porém, não vinha sendo bem sucedido. Em fóruns internacionais, o presidente golpista vem sendo tratado com frieza por seus homólogos.
Agora ficou pior. Como explicar à comunidade internacional que o Congresso brasileiro cassou uma presidente por medida administrativa que todos os antecessores tomaram e sem crime de responsabilidade e não se propõe a cassar um presidente que cometeu crime comum de corrupção, e com prova material desse crime?
Pois é, não dá pra explicar. Qualquer pessoa minimamente honesta sabe que agora está ficando claro que Dilma foi vítima de um golpe.
Como um governo tão fraco vai ter condições de tomar medidas como eliminar direitos trabalhistas?
Para Temer praticar as tais “medidas amargas” basta ter maioria em um Congresso em que parcela imensa dos integrantes está envolvida e/ou processada por corrupção?
Até quando o povo ingênuo vai ficar comemorando a queda de Dilma enquanto os golpistas e a mídia que o induziram tratam de reverter os benefícios sociais da era petista?
Ah, o povo quer perder direitos, ganhar menos, ter empregos sem garantias? Sério que você acha isso?
Começo a duvidar de que Temer vá levar até o fim projetos de mudança nas leis trabalhistas, previdenciárias e sobre programas sociais que fez tramitar no Congresso. Ele vai acabar vetando o que ele mesmo e seus amiguinhos tucanos propuseram.
Isso se ele não cair antes, é claro. De minha parte, espero que Temer governe até o último dia do mandato que usurpou de Dilma Rousseff. O povo brasileiro tem que arcar com a responsabilidade pela decisão de uma maioria conjuntural de abandonar o governo constitucional do país à própria sorte, nas mãos desses fascistas.
Sim, eu lamento que a permanência de Temer vá causar tantos males ao Brasil. Talvez ele não consiga tirar direitos ou programas sociais, mas irá desidratá-los, relativizá-los, venderá patrimônio público a preço de banana, fará concessões criminosas a grupos econômicos nacionais e estrangeiros…
Porém, se ele for defenestrado (certamente no ano que vem) todos sabemos que virá o pior dos piores. Todos sabemos que esse Congresso de maioria meliante irá colocar Fernando Henrique Cardoso no poder sem ele ter recebido um único voto.
E o que é pior: duvido que, empossado, FHC não faça o que fez em seu segundo governo, quando fez mudar a Constituição para alongar sua permanência no poder. E às custas de compra de votos.
Sim, voltamos ao primeiro mandato de FHC, voltamos a 1997, há quase vinte anos, quando o PSDB e o PMDB comandavam o país com mão de ferro, quando dispunham dos recursos públicos a seu bel-prazer, quando a mídia era só elogios e não existia corrupção no Brasil, segundo a mídia, já que, até então, o STF nunca havia condenado um político à cadeia.
Porém, a grande diferença é que hoje não dá mais para calar ninguém. Hoje qualquer garoto de oito anos pode colocar alguma coisa na internet que em questão de horas poderá ser lida por milhões e até bilhões de pessoas.
Se há vinte anos um garotinho gravasse com uma câmera a chegada de extraterrestres, haveria um longo caminho até que essas imagens e essa informação virassem notícias. No século XXI, esse garotinho posta o vídeo no You Tube via conexão 4g do local do pouso alienígena e em meia hora centenas de milhares ou até milhões de pessoas ficarão sabendo.
É por isso que o golpe está derretendo. Agora, é preciso que se cumpra a lei em relação a Michel Temer e Geddel Vieira Lima, entre tantos outros. Porém, não se pode desgostar da ironia poética de que os golpistas mesmos estão tratando de fazer Justiça consigo mesmos ao abusarem tanto da sorte e da patientia mostra.
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