Por André Barrocal, na revista CartaCapital:
Teori Zavascki, o juiz da Operação Lava Jato em Brasília, estava muito preocupado ao ver o filho Francisco pela última vez, em Porto Alegre, na véspera de encontrar a morte em um desastre aéreo rumo a Paraty, no litoral fluminense.
Examinava há alguns dias o roteiro das delações de mais de 70 executivos da construtora Odebrecht, papelada que caberia a ele validar ou anular. E ficara impressionado, a se perguntar se o País aguentaria o tranco. “Acho que 2017 vai ser muito mais complicado que 2016”, comentou com o filho, autor de relatos sobre a conversa. Por quê? “Pelo envolvimento de pessoas realmente poderosas.”
A incerteza sobre o comando da Lava Jato aberta com sua morte prova que o magistrado acertou na mosca. Às vésperas do fim do recesso parlamentar e forense, Brasília foi tomada por articulações de bastidores sobre o destino dos processos, conversas a mobilizar o Palácio do Planalto, políticos, togados da mais alta Corte, o chefe do Ministério Público.
Uma semana depois do falecimento de Zavascki, dia da conclusão desta reportagem, não se sabia quem assumiria a condução do caso no Supremo Tribunal Federal, único a julgar figurões da República como ministros, senadores e deputados, nem como se daria a escolha do novo relator.
No emaranhado de interesses, dois grupos se destacaram. De um lado, uma turma doida para deter o avanço da Lava Jato em sua direção, casos de Michel Temer, PMDB e PSDB e os ameaçados em geral pela delação dos executivos da Odebrecht. Do outro, o Ministério Público e a presidente do STF, Cármen Lúcia.
Os resistentes contam no próprio STF com os préstimos de Gilmar Mendes, alvo de pedido de impeachment por tucanismo e hoje em dia conselheiro de Temer, com quem se encontra em noites de sábado e tardes de domingo e pega caronas aéreas.
Depois da deposição de Dilma Rousseff, Mendes mudou da água para o vinho. Virou crítico feroz da Lava Jato. Para ele, a relatoria dos processos deveria ficar com o substituto de Zavascki indicado por Temer para o Supremo. Discretamente, insinuou que Cármen Lúcia não deveria tomar decisões solitárias.
Desde que assumiu o cargo, a midiática Cármen deu indícios de não estar disposta a facilitar a vida dos políticos. Não surpreende figurar agora na trincheira oposta à de Mendes, um político nato. Seus assessores contaram à mídia que ela queria para a Lava Jato alguém do perfil de Zavascki. Se um colega de Corte assim topasse, ela buscaria um jeito de viabilizar-lhe a designação.
Em seu plano, a ministra teve o apoio do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ansioso por sacramentar as delações da Odebrecht, sua principal aposta investigatória em 2017. Graças a um pedido de urgência enviado ao STF por Janot um dia após ele conversar com Cármen, ela ganhou respaldo para tomar decisões unilaterais durante o recesso do Judiciário. Foi graças a essa costura que a ministra validou as delações da Odebrecht nesta segunda-feira 30.
As consultas aos demais ministros do STF não deixaram Cármen à vontade para agir por conta própria, no entanto, em relação à escolha de um substituto para Zavascki no comando dos processos da Lava Jato. Qualquer coisa pode acontecer nos próximos dias. Desde o novo relator ser definido por sorteio entre os atuais ministros até o caso ir para as mãos do indicado ao STF de Temer, por ora no aguardo de uma definição dentro da Corte sobre o desenrolar dos acontecimentos.
Há chances de esse ungido por Temer ser um membro do Opus Dei, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, amicíssimo de Gilmar Mendes.
Certo é que, em Brasília e no tocante à turma do foro privilegiado, a Lava Jato tende a desacelerar por um tempo. Motivo de alívio do Planalto, a julgar por um aperitivo oferecido à praça sobre as delações da Odebrecht, o roteiro do ex-lobista da empreiteira Claudio Melo Filho, tornado público em dezembro.
Citado por Melo Filho como acompanhante de Temer em um suspeito jantar de arrecadação de fundos junto à cúpula da construtora, Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, comentou, assim como quem não quer nada, que a morte de Zavascki atrasaria a validação das delações. Idem Gilmar Mendes, para quem só o falecido, entre os ministros do STF, dominava o assunto.
O relator cumpre realmente papel determinante na velocidade e nos alvos dos processos. Se por um lado cabe ao Ministério Público definir uma linha de investigação e em quem vai mirar, é o juiz quem autoriza ou rejeita pedidos de abertura de inquéritos, quebras de sigilo, prisões e operações de busca e apreensão.
A depender de seu humor, talvez de suas preferências político-partidárias (secretas ou nem tanto), o magistrado pode se tornar um obstáculo. Um bom exemplo disso ocorreu em maio do ano passado e teve como estrelas Mendes e o senador mineiro Aécio Neves, presidente do PSDB.
Janot pediu duas vezes à Corte para investigar o senador. Por incrível coincidência, os casos caíram com Mendes. O primeiro era uma suspeita de Aécio participar de um esquema de propinas na estatal Furnas. Mendes autorizou o inquérito. A coleta de provas pela Polícia Federal durou um dia, o senador mineiro foi ouvido no seguinte, Gilmar, finalmente, revogou suas decisões da véspera e mandou o processo de volta a Janot, com a pergunta: precisa apurar mesmo?
O segundo caso diz respeito à suspeita de que Aécio, quando governador de Minas, tenha enviado dados fajutos a uma CPI no Congresso. Mendes devolveu de cara a Janot. O procurador-geral insistiu e o ministro, por fim, cedeu e autorizou o andamento dos dois processos, o de Furnas e o dos dados falsos.
A relação entre o relator e o procurador-geral também pesa no rumo de processos, outra incógnita na Lava Jato. Janot e Zavascki estavam em sintonia e conversavam sempre. O que não significa que o chefe do Ministério Público não tirasse o magistrado do sério às vezes. Quando o roteiro da delação do senador cassado Delcídio do Amaral, ex-PT, vazou dez dias antes de um domingo de protestos pela deposição de Dilma em março de 2016, Zavascki mandou Janot investigar. Em tese, só quem sabia do teor eram as equipes do ministro e do procurador.
O afastamento de Eduardo Cunha do comando da Câmara foi solicitado por Janot a Zavascki na véspera do recesso forense de dezembro de 2015, motivo de irritação do magistrado, para quem tal interferência de um poder em outro não poderia dar-se de supetão.
Para ajudá-lo na Lava Jato, Zavascki montara uma equipe de três juízes auxiliares, Marcio Schiefler, Paulo Marcos de Farias e Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho. O trio é hoje a memória viva da Operação no STF, domina detalhes e personagens. Com sinal verde de Cármen Lúcia, eles cumpriram nos últimos dias uma etapa importante na delação da Odebrecht. Ouviram executivos da empreiteira para conferir se eles selaram o acordo de delação por vontade própria ou se foram coagidos. Uma checagem necessária à homologação de qualquer delação.
O destino do trio também será determinante nos rumos da Lava Jato em Brasília. Não se sabe se os três vão trabalhar com o novo relator nem se eles topariam a missão. Trata-se de uma relação de confiança. Dois deles, Schiefler e Farias, eram conterrâneos catarinenses de Zavascki, enterrado no sábado 21, em Porto Alegre.
O velório foi uma oportunidade para Cármen Lúcia dar mais um indício de sua má vontade em relação a políticos. Em sua posse, em setembro, no comando do STF, não mencionara autoridades presentes, como Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros, dois encrencados. No mês seguinte, recusou-se a reunir-se com Calheiros após uma operação da Polícia Federal no Senado.
Em novembro, comentou ser uma tentativa de calar juízes a aprovação pelos deputados de uma lei a criar crime de responsabilidade para magistrados e procuradores. Agora no velório, um repórter notou que a ministra estava ao lado da família do falecido, retirou-se na hora em que comitiva presidencial estava para chegar e voltou justamente quando Temer e sua trupe partiram.
Essa comitiva do peemedebista é digna de registros. Um dos integrantes era o chanceler José Serra, ministro de uma pasta que nada tem a ver com tribunais. Ele era, aliás, um dos três ministros ao lado de Temer na declaração presidencial à imprensa no dia da morte de Zavascki.
Um rosto conhecido da Lava Jato. Serra é suspeito de receber 23 milhões de reais na Suíça em caixa 2 da Odebrecht na eleição presidencial de 2010. Seu colega de PSDB Geraldo Alckmin era outro na comitiva. O governador paulista pegou carona no avião da FAB rumo a Porto Alegre a convite de Temer, segundo a assessoria de imprensa do tucano.
Alguns dias depois da carona, aconteceu algo curioso. Nomeado pelo governador para o cargo, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, disse ao Valor estar pronto para criar uma força-tarefa que investigue fatos apontados em delações da Odebrecht ocorridos em terras bandeirantes.
Há obras celebradas pelo governo paulista com a Odebrecht que provavelmente foram citadas. Uma linha do metrô, outra de monotrilho, por exemplo. Se a apuração de negociatas nessas obras ficar com promotores de São Paulo, Alckmin dará vivas. Uma pesquisa divulgada em dezembro pela ONG Conectas garante: o Ministério Público paulista sofre influência do governo local.
Smanio não é o único personagem ligado a Alckmin a surgir no meio da Lava Jato. Secretário do tucano duas vezes em São Paulo, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, trocou na quinta-feira 26 a chefia do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, notícia antecipada no site de CartaCapital no dia 13.
Pelo DRCI, passam todos os casos de colaboração com outros países. A ajuda externa é uma das marcas da Lava Jato, vide o acordo de leniência da Odebrecht nos Estados Unidos. Quem comanda o órgão sabe de onde virá chumbo e contra quem.
O diretor demitido, Ricardo Saadi, estava no cargo desde 2010. Tinha independência para atuar, não devia gratidão a Moraes, nem se sentia obrigado a deixá-lo a par das coisas. Consta que o ministro queria exatamente isso, conhecer tudo do Departamento, daí ter lá colocado alguém de sua confiança.
Não é de hoje que a Procuradoria-Geral da República tenta aprofundar a cooperação com a Suíça, para avançar na investigação sobre os delatados pela Odebrecht, e o DRCI tem papel importante nessa negociação.
No domingo 22, o Estado de S. Paulo noticiou que o acordo está travado por culpa do Ministério da Justiça. A pasta tentaria, entre outras coisas, conhecer de antemão os nomes de quem será investigado, exigência que seria rechaçada pela Suíça.
Cooperações à parte, Gilmar Mendes era outro caronista na comitiva de Temer rumo a Porto Alegre. Parece não haver limites para a proximidade entre réu e julgador: como se sabe, o peemedebista corre risco de cassação no Tribunal Superior Eleitoral, comandado por Mendes, em uma ação de cassação da chapa presidencial eleita em 2014. E nem foi a primeira carona em 2017.
Mendes acompanhou Temer a Lisboa no início do mês para o funeral do ex-presidente de Portugal Mário Soares. Uma história esquisita. O magistrado estava de férias em Portugal. Ficaria até 25 de janeiro. Por alegadas “razões pessoais”, voltou antes.
Logo embarcou de novo para Lisboa, com Temer. Não foi ao funeral de Soares, por causa de uma alegada labirintite, nem voltou com o presidente ao Brasil. Seguiu em Portugal a desfrutar das férias antes interrompidas. Só regressou de vez ao saber da morte de Zavascki, por quem chorou sinceramente.
As causas do desastre aéreo ainda são desconhecidas. O Ministério Público Federal abriu um inquérito civil para apurar o caso, investigação a correr em sigilo por ordem judicial. Análises iniciais da Aeronáutica sobre a última meia hora de conversa dentro da cabine do piloto e deste com a torre de controle do aeroporto de Paraty não identificaram problemas mecânicos no jatinho. O piloto Osmar Rodrigues fez duas tentativas de pousar, ambas malsucedidas por causa do mau tempo, e talvez tenha ficado desorientado depois disso, sem enxergar o que era mar e o que era pista.
Além dele e de Zavascki, morreram mais três passageiros. Um era o dono do jatinho, o empresário Carlos Alberto Filgueiras, amigo do magistrado. A amizade teria surgido de solidariedade em 2012, quando Zavascki, que ainda não era do STF, acompanhava a esposa em sessões de tratamento de um câncer em São Paulo e às vezes hospedava-se em um hotel do empresário.
Nesse início de 2017, era Filgueiras quem cuidava da saúde. Para tratar o nervo ciático, levava a bordo a massoterapeuta Maíra Panas, de 23 anos. A mãe dela, Maria Hilda Panas, de 55, morava longe, em Mato Grosso, e a visitava em São Paulo quando os serviços da filha foram requisitados, razão para ter embarcado junto. As duas também morreram.
Diante do CV de Filgueiras, sua proximidade com Zavascki chama a atenção. Ele era sócio indireto do banqueiro André Esteves em uma empresa de empreendimentos imobiliários. Dono do BTG Pactual, Esteves foi encarcerado, em novembro de 2015, por ordem de Zavascki, juntamente com Delcídio do Amaral, em um dos inúmeros capítulos da Lava Jato.
Passou à prisão domiciliar dias depois e, em abril de 2016, foi solto, ambas decisões de Zavascki. Os fatos por trás da detenção levaram o Ministério Público a denunciar Esteves à Justiça, em julho de 2016, ao lado de Delcídio e do ex-presidente Lula, por tentativa de obstruir investigações.
Esteves tinha, ao que parece, interesse em encontrar canais de comunicação com o Judiciário. Cinco dias após ser denunciado, seu BTG anunciou a entrada do advogado Nelson Jobim como sócio e membro do Conselho de Administração. Ex-ministro da Justiça, da Defesa e do STF, Jobim tem boas relações com petistas e tucanos, além de crachá do PMDB.
Era amigo de Zavascki, um sujeito “fechado”, um “burocrata”, “parece que não tem ninguém” ligado a ele capaz de abordá-lo para falar da Lava Jato, conforme uma conversa do enrolado senador Romero Jucá, do PMDB, e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, delator, gravada no início de 2016.
O hotel de Filgueiras em São Paulo, o Emiliano, já despontou na Lava Jato. Em depoimento, Ricardo Pessoa, da empreiteira UTC, contou ter jantado ali, em 2014, com Renan Calheiros, para discutir doações à vitoriosa campanha do filho do senador ao governo de Alagoas na eleição daquele ano.
Calheiros, relatou Pessoa, teria deixado a impressão de o donativo ser uma contrapartida às obras, tocadas entre outras pela UTC, da usina nuclear de Angra 3, localizada por coincidência nas proximidades de onde caiu a aeronave com Zavascki.
O destino final dos passageiros do voo era a Ilha das Almas, um paraíso em Paraty responsável por Filgueiras ser processado por crime ambiental, a pedido do MP. Algumas de suas propriedades na região situam-se em área de proteção e, por isso, só admitiam construções para fins de pesquisas.
Nada de hotéis, bares, restaurantes e pousadas, alguns dos quais erguidos pelo empresário entre 2008 e 2011, acusa o MP. Condenado em várias instâncias, ele recorreu em novembro ao STF, onde teve seu pedido de trancar a ação penal negado pelo relator Luiz Edson Fachin, em 13 de dezembro.
Os mortos não se preocupam mais. Já os muito vivos...
Teori Zavascki, o juiz da Operação Lava Jato em Brasília, estava muito preocupado ao ver o filho Francisco pela última vez, em Porto Alegre, na véspera de encontrar a morte em um desastre aéreo rumo a Paraty, no litoral fluminense.
Examinava há alguns dias o roteiro das delações de mais de 70 executivos da construtora Odebrecht, papelada que caberia a ele validar ou anular. E ficara impressionado, a se perguntar se o País aguentaria o tranco. “Acho que 2017 vai ser muito mais complicado que 2016”, comentou com o filho, autor de relatos sobre a conversa. Por quê? “Pelo envolvimento de pessoas realmente poderosas.”
A incerteza sobre o comando da Lava Jato aberta com sua morte prova que o magistrado acertou na mosca. Às vésperas do fim do recesso parlamentar e forense, Brasília foi tomada por articulações de bastidores sobre o destino dos processos, conversas a mobilizar o Palácio do Planalto, políticos, togados da mais alta Corte, o chefe do Ministério Público.
Uma semana depois do falecimento de Zavascki, dia da conclusão desta reportagem, não se sabia quem assumiria a condução do caso no Supremo Tribunal Federal, único a julgar figurões da República como ministros, senadores e deputados, nem como se daria a escolha do novo relator.
No emaranhado de interesses, dois grupos se destacaram. De um lado, uma turma doida para deter o avanço da Lava Jato em sua direção, casos de Michel Temer, PMDB e PSDB e os ameaçados em geral pela delação dos executivos da Odebrecht. Do outro, o Ministério Público e a presidente do STF, Cármen Lúcia.
Os resistentes contam no próprio STF com os préstimos de Gilmar Mendes, alvo de pedido de impeachment por tucanismo e hoje em dia conselheiro de Temer, com quem se encontra em noites de sábado e tardes de domingo e pega caronas aéreas.
Depois da deposição de Dilma Rousseff, Mendes mudou da água para o vinho. Virou crítico feroz da Lava Jato. Para ele, a relatoria dos processos deveria ficar com o substituto de Zavascki indicado por Temer para o Supremo. Discretamente, insinuou que Cármen Lúcia não deveria tomar decisões solitárias.
Desde que assumiu o cargo, a midiática Cármen deu indícios de não estar disposta a facilitar a vida dos políticos. Não surpreende figurar agora na trincheira oposta à de Mendes, um político nato. Seus assessores contaram à mídia que ela queria para a Lava Jato alguém do perfil de Zavascki. Se um colega de Corte assim topasse, ela buscaria um jeito de viabilizar-lhe a designação.
Em seu plano, a ministra teve o apoio do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ansioso por sacramentar as delações da Odebrecht, sua principal aposta investigatória em 2017. Graças a um pedido de urgência enviado ao STF por Janot um dia após ele conversar com Cármen, ela ganhou respaldo para tomar decisões unilaterais durante o recesso do Judiciário. Foi graças a essa costura que a ministra validou as delações da Odebrecht nesta segunda-feira 30.
As consultas aos demais ministros do STF não deixaram Cármen à vontade para agir por conta própria, no entanto, em relação à escolha de um substituto para Zavascki no comando dos processos da Lava Jato. Qualquer coisa pode acontecer nos próximos dias. Desde o novo relator ser definido por sorteio entre os atuais ministros até o caso ir para as mãos do indicado ao STF de Temer, por ora no aguardo de uma definição dentro da Corte sobre o desenrolar dos acontecimentos.
Há chances de esse ungido por Temer ser um membro do Opus Dei, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, amicíssimo de Gilmar Mendes.
Certo é que, em Brasília e no tocante à turma do foro privilegiado, a Lava Jato tende a desacelerar por um tempo. Motivo de alívio do Planalto, a julgar por um aperitivo oferecido à praça sobre as delações da Odebrecht, o roteiro do ex-lobista da empreiteira Claudio Melo Filho, tornado público em dezembro.
Citado por Melo Filho como acompanhante de Temer em um suspeito jantar de arrecadação de fundos junto à cúpula da construtora, Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, comentou, assim como quem não quer nada, que a morte de Zavascki atrasaria a validação das delações. Idem Gilmar Mendes, para quem só o falecido, entre os ministros do STF, dominava o assunto.
O relator cumpre realmente papel determinante na velocidade e nos alvos dos processos. Se por um lado cabe ao Ministério Público definir uma linha de investigação e em quem vai mirar, é o juiz quem autoriza ou rejeita pedidos de abertura de inquéritos, quebras de sigilo, prisões e operações de busca e apreensão.
A depender de seu humor, talvez de suas preferências político-partidárias (secretas ou nem tanto), o magistrado pode se tornar um obstáculo. Um bom exemplo disso ocorreu em maio do ano passado e teve como estrelas Mendes e o senador mineiro Aécio Neves, presidente do PSDB.
Janot pediu duas vezes à Corte para investigar o senador. Por incrível coincidência, os casos caíram com Mendes. O primeiro era uma suspeita de Aécio participar de um esquema de propinas na estatal Furnas. Mendes autorizou o inquérito. A coleta de provas pela Polícia Federal durou um dia, o senador mineiro foi ouvido no seguinte, Gilmar, finalmente, revogou suas decisões da véspera e mandou o processo de volta a Janot, com a pergunta: precisa apurar mesmo?
O segundo caso diz respeito à suspeita de que Aécio, quando governador de Minas, tenha enviado dados fajutos a uma CPI no Congresso. Mendes devolveu de cara a Janot. O procurador-geral insistiu e o ministro, por fim, cedeu e autorizou o andamento dos dois processos, o de Furnas e o dos dados falsos.
A relação entre o relator e o procurador-geral também pesa no rumo de processos, outra incógnita na Lava Jato. Janot e Zavascki estavam em sintonia e conversavam sempre. O que não significa que o chefe do Ministério Público não tirasse o magistrado do sério às vezes. Quando o roteiro da delação do senador cassado Delcídio do Amaral, ex-PT, vazou dez dias antes de um domingo de protestos pela deposição de Dilma em março de 2016, Zavascki mandou Janot investigar. Em tese, só quem sabia do teor eram as equipes do ministro e do procurador.
O afastamento de Eduardo Cunha do comando da Câmara foi solicitado por Janot a Zavascki na véspera do recesso forense de dezembro de 2015, motivo de irritação do magistrado, para quem tal interferência de um poder em outro não poderia dar-se de supetão.
Para ajudá-lo na Lava Jato, Zavascki montara uma equipe de três juízes auxiliares, Marcio Schiefler, Paulo Marcos de Farias e Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho. O trio é hoje a memória viva da Operação no STF, domina detalhes e personagens. Com sinal verde de Cármen Lúcia, eles cumpriram nos últimos dias uma etapa importante na delação da Odebrecht. Ouviram executivos da empreiteira para conferir se eles selaram o acordo de delação por vontade própria ou se foram coagidos. Uma checagem necessária à homologação de qualquer delação.
O destino do trio também será determinante nos rumos da Lava Jato em Brasília. Não se sabe se os três vão trabalhar com o novo relator nem se eles topariam a missão. Trata-se de uma relação de confiança. Dois deles, Schiefler e Farias, eram conterrâneos catarinenses de Zavascki, enterrado no sábado 21, em Porto Alegre.
O velório foi uma oportunidade para Cármen Lúcia dar mais um indício de sua má vontade em relação a políticos. Em sua posse, em setembro, no comando do STF, não mencionara autoridades presentes, como Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros, dois encrencados. No mês seguinte, recusou-se a reunir-se com Calheiros após uma operação da Polícia Federal no Senado.
Em novembro, comentou ser uma tentativa de calar juízes a aprovação pelos deputados de uma lei a criar crime de responsabilidade para magistrados e procuradores. Agora no velório, um repórter notou que a ministra estava ao lado da família do falecido, retirou-se na hora em que comitiva presidencial estava para chegar e voltou justamente quando Temer e sua trupe partiram.
Essa comitiva do peemedebista é digna de registros. Um dos integrantes era o chanceler José Serra, ministro de uma pasta que nada tem a ver com tribunais. Ele era, aliás, um dos três ministros ao lado de Temer na declaração presidencial à imprensa no dia da morte de Zavascki.
Um rosto conhecido da Lava Jato. Serra é suspeito de receber 23 milhões de reais na Suíça em caixa 2 da Odebrecht na eleição presidencial de 2010. Seu colega de PSDB Geraldo Alckmin era outro na comitiva. O governador paulista pegou carona no avião da FAB rumo a Porto Alegre a convite de Temer, segundo a assessoria de imprensa do tucano.
Alguns dias depois da carona, aconteceu algo curioso. Nomeado pelo governador para o cargo, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio, disse ao Valor estar pronto para criar uma força-tarefa que investigue fatos apontados em delações da Odebrecht ocorridos em terras bandeirantes.
Há obras celebradas pelo governo paulista com a Odebrecht que provavelmente foram citadas. Uma linha do metrô, outra de monotrilho, por exemplo. Se a apuração de negociatas nessas obras ficar com promotores de São Paulo, Alckmin dará vivas. Uma pesquisa divulgada em dezembro pela ONG Conectas garante: o Ministério Público paulista sofre influência do governo local.
Smanio não é o único personagem ligado a Alckmin a surgir no meio da Lava Jato. Secretário do tucano duas vezes em São Paulo, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, trocou na quinta-feira 26 a chefia do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, notícia antecipada no site de CartaCapital no dia 13.
Pelo DRCI, passam todos os casos de colaboração com outros países. A ajuda externa é uma das marcas da Lava Jato, vide o acordo de leniência da Odebrecht nos Estados Unidos. Quem comanda o órgão sabe de onde virá chumbo e contra quem.
O diretor demitido, Ricardo Saadi, estava no cargo desde 2010. Tinha independência para atuar, não devia gratidão a Moraes, nem se sentia obrigado a deixá-lo a par das coisas. Consta que o ministro queria exatamente isso, conhecer tudo do Departamento, daí ter lá colocado alguém de sua confiança.
Não é de hoje que a Procuradoria-Geral da República tenta aprofundar a cooperação com a Suíça, para avançar na investigação sobre os delatados pela Odebrecht, e o DRCI tem papel importante nessa negociação.
No domingo 22, o Estado de S. Paulo noticiou que o acordo está travado por culpa do Ministério da Justiça. A pasta tentaria, entre outras coisas, conhecer de antemão os nomes de quem será investigado, exigência que seria rechaçada pela Suíça.
Cooperações à parte, Gilmar Mendes era outro caronista na comitiva de Temer rumo a Porto Alegre. Parece não haver limites para a proximidade entre réu e julgador: como se sabe, o peemedebista corre risco de cassação no Tribunal Superior Eleitoral, comandado por Mendes, em uma ação de cassação da chapa presidencial eleita em 2014. E nem foi a primeira carona em 2017.
Mendes acompanhou Temer a Lisboa no início do mês para o funeral do ex-presidente de Portugal Mário Soares. Uma história esquisita. O magistrado estava de férias em Portugal. Ficaria até 25 de janeiro. Por alegadas “razões pessoais”, voltou antes.
Logo embarcou de novo para Lisboa, com Temer. Não foi ao funeral de Soares, por causa de uma alegada labirintite, nem voltou com o presidente ao Brasil. Seguiu em Portugal a desfrutar das férias antes interrompidas. Só regressou de vez ao saber da morte de Zavascki, por quem chorou sinceramente.
As causas do desastre aéreo ainda são desconhecidas. O Ministério Público Federal abriu um inquérito civil para apurar o caso, investigação a correr em sigilo por ordem judicial. Análises iniciais da Aeronáutica sobre a última meia hora de conversa dentro da cabine do piloto e deste com a torre de controle do aeroporto de Paraty não identificaram problemas mecânicos no jatinho. O piloto Osmar Rodrigues fez duas tentativas de pousar, ambas malsucedidas por causa do mau tempo, e talvez tenha ficado desorientado depois disso, sem enxergar o que era mar e o que era pista.
Além dele e de Zavascki, morreram mais três passageiros. Um era o dono do jatinho, o empresário Carlos Alberto Filgueiras, amigo do magistrado. A amizade teria surgido de solidariedade em 2012, quando Zavascki, que ainda não era do STF, acompanhava a esposa em sessões de tratamento de um câncer em São Paulo e às vezes hospedava-se em um hotel do empresário.
Nesse início de 2017, era Filgueiras quem cuidava da saúde. Para tratar o nervo ciático, levava a bordo a massoterapeuta Maíra Panas, de 23 anos. A mãe dela, Maria Hilda Panas, de 55, morava longe, em Mato Grosso, e a visitava em São Paulo quando os serviços da filha foram requisitados, razão para ter embarcado junto. As duas também morreram.
Diante do CV de Filgueiras, sua proximidade com Zavascki chama a atenção. Ele era sócio indireto do banqueiro André Esteves em uma empresa de empreendimentos imobiliários. Dono do BTG Pactual, Esteves foi encarcerado, em novembro de 2015, por ordem de Zavascki, juntamente com Delcídio do Amaral, em um dos inúmeros capítulos da Lava Jato.
Passou à prisão domiciliar dias depois e, em abril de 2016, foi solto, ambas decisões de Zavascki. Os fatos por trás da detenção levaram o Ministério Público a denunciar Esteves à Justiça, em julho de 2016, ao lado de Delcídio e do ex-presidente Lula, por tentativa de obstruir investigações.
Esteves tinha, ao que parece, interesse em encontrar canais de comunicação com o Judiciário. Cinco dias após ser denunciado, seu BTG anunciou a entrada do advogado Nelson Jobim como sócio e membro do Conselho de Administração. Ex-ministro da Justiça, da Defesa e do STF, Jobim tem boas relações com petistas e tucanos, além de crachá do PMDB.
Era amigo de Zavascki, um sujeito “fechado”, um “burocrata”, “parece que não tem ninguém” ligado a ele capaz de abordá-lo para falar da Lava Jato, conforme uma conversa do enrolado senador Romero Jucá, do PMDB, e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, delator, gravada no início de 2016.
O hotel de Filgueiras em São Paulo, o Emiliano, já despontou na Lava Jato. Em depoimento, Ricardo Pessoa, da empreiteira UTC, contou ter jantado ali, em 2014, com Renan Calheiros, para discutir doações à vitoriosa campanha do filho do senador ao governo de Alagoas na eleição daquele ano.
Calheiros, relatou Pessoa, teria deixado a impressão de o donativo ser uma contrapartida às obras, tocadas entre outras pela UTC, da usina nuclear de Angra 3, localizada por coincidência nas proximidades de onde caiu a aeronave com Zavascki.
O destino final dos passageiros do voo era a Ilha das Almas, um paraíso em Paraty responsável por Filgueiras ser processado por crime ambiental, a pedido do MP. Algumas de suas propriedades na região situam-se em área de proteção e, por isso, só admitiam construções para fins de pesquisas.
Nada de hotéis, bares, restaurantes e pousadas, alguns dos quais erguidos pelo empresário entre 2008 e 2011, acusa o MP. Condenado em várias instâncias, ele recorreu em novembro ao STF, onde teve seu pedido de trancar a ação penal negado pelo relator Luiz Edson Fachin, em 13 de dezembro.
Os mortos não se preocupam mais. Já os muito vivos...
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