Por Helena Sthephanowitz, na Rede Brasil Atual:
Enquanto os brasileiros se distraem com o carnaval, a partir desta sexta-feira (24), Michel Temer (PMDB-SP) estará articulando a abertura de mais um saco de maldades. O presidente cobrou agilidade e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prometeu colocar em votação no plenário, tão logo acabe a folia popular, o projeto de lei – que tramita há quase 20 anos na Casa – que libera a terceirização irrestrita de trabalhadores pelas empresas. Visto pelas centrais sindicais como uma ofensa brutal aos direitos dos trabalhadores, o projeto tem como relator o deputado Laércio Oliveira (SD-SE) e chegou ao Congresso em 1998, ainda na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O PL-4330, do deputado e empresário Sandro Mabel (PMDB-GO), abre as portas para a "gatunagem" nos direitos trabalhistas. Explico: num passado não muito distante, era prática usual entre latifundiários a contratação do "gato", um intermediário que recrutava o pessoal para trabalhar em condições análogas à escravidão nas grandes lavouras. O "gato" fazia o serviço sujo. Prometia boas condições de trabalho e remuneração para os trabalhadores, que acabavam sendo explorados sob condições análogas à escravidão.
O truque era, quando flagrado submetendo trabalhadores a condições desumanas, o latifundiário livrar a própria cara colocando a culpa no "gato", que em geral era um testa de ferro, um capataz, sem escrúpulos e sem capital para pagar indenizações. Atualmente, a legislação coíbe a prática: se o trabalho escravo é executado na empresa – seja um latifúndio, uma pequena propriedade, um comércio ou uma indústria – não importa se houve intermediários para subcontratar, porque o responsável é o dono do negócio. Essa é a interpretação da lei que vem sendo aplicada pela Justiça.
Agora, porém, o projeto que Temer e Maia tramam para votar a partir da semana que vem, de maneira similar à contratação de trabalhadores rurais por "gatos", transfere a empresas "prestadoras de serviços" toda a responsabilidade social pela contratação dos terceirizados que ficarão à disposição das contratantes. Ou seja, assim como o "gato" era quem respondia na Justiça do Trabalho por eventuais flagrantes de exploração do trabalhador, sem implicar o latifundiário mandante, agora os empresários poderão se safar de processos trabalhistas alegando que terceirizaram a contratação de mão de obra, que assim terá sido explorada não por eles, mas pelas prestadoras de serviços.
Mais que isso, com o PL da terceirização um banco como o Itaú, por exemplo, pode demitir todos os seus funcionários bancários – que são a única categoria profissional do país que conquistou uma convenção coletiva nacional – e subcontratar empresas terceirizadas para fornecer a mão de obra. Se essa empresa for picareta e der o cano no trabalhador – o que é um caso recorrente no setor, basta consultar os dados da Justiça do Trabalho – será ela, a empresa picareta que será processando, ficando o bancão livre de qualquer responsabilidade, apesar de o funcionário ter trabalhado o tempo todo no banco.
Isso sem contar o enfraquecimento dos trabalhadores na hora de negociar salários, piso salarial, benefícios, participação nos lucros, condições de trabalho etc., já que não mais contarão com a proteção aos seus direitos conquistados pela organização e mobilização em torno de seus sindicatos. Vai ser trabalhar quieto e aguentar calado.
Trata-se praticamente da revogação da Lei Áurea.
E até o FMI é contra
Um estudo publicado no ano passado pelo Fundo Monetário Internacional – que todos sabem que é uma instituição ortodoxa e conservadora – no ano passado é devastador para desmontar os argumentos neoliberais dos defensores da terceirização irrestrita da mão de obra, como são os bilionários donos da Globo e dos políticos empresários, abrigados sob siglas como o PSDB, PMDB, DEM, PP e tantos outros.
O relatório coloca em xeque a terceirização ilimitada, recomenda criar impostos sobre grandes fortunas, combater a sonegação, e demonstra que concentração de renda prejudica o crescimento econômico.
O estudo avaliou os impactos nos países mais ricos e considerado desenvolvidos e tirou algumas conclusões:
1. Cada 1% de crescimento na renda dos 20% mais pobres provoca 0,38% de crescimento econômico (isso em países já desenvolvidos, mas o índice é bem maior nos países em desenvolvimento);
2. Por outro lado, cada 1% de crescimento na renda dos 20% mais ricos provoca diminuição do crescimento econômico em 0,08%;
3. A perda de direitos trabalhistas, como a que resulta da terceirização, e o enfraquecimento dos sindicatos, levou o abismo entre ricos e pobres no mundo atingir “seu nível mais alto em décadas”;
4. Mais flexibilidade nas regras de contratação e demissão, salários mínimos mais baixos e sindicatos menos poderosos estão associados a uma maior desigualdade;
5. Uma melhor distribuição da riqueza poderia ser obtida por maior taxação sobre o patrimônio, caso de um imposto sobre grandes fortunas;
6. Reforço da luta contra a sonegação fiscal contribui decisivamente para melhorar a distribuição de renda e para o crescimento econômico;
7. Avanços tecnológicos aplicados nos locais de trabalho também causam concentração de renda, ao impactarem, principalmente, os trabalhadores de escolaridade baixa. Logo, exigem mecanismos de compensação para quem lucra mais com tais inovações. Por exemplo, contribuir para a inclusão produtiva daqueles que perdem empregos e para a viabilização de pequenos negócios, como forma de absorver os trabalhadores que tiveram seus empregos sacrificados;
8. A crise mundial iniciada em 2008 reforçou a desigualdade, com lobistas do mercado financeiro impedindo maior regulação do setor;
9. Os 1% mais ricos ficam com cerca de 10% do total da renda das economias avançadas (no Brasil, apesar da melhoria nos últimos anos, os 10% mais ricos ainda ficavam com 41,7% da renda nacional em 2013);
10. A renda dos 10% mais ricos é de cerca de nove vezes maior do que a renda dos 10% mais pobres.
Embora o documento não represente uma posição oficial do FMI, sua divulgação pelo órgão mostra que não dá mais para tapar o sol com a peneira, diante do crescente aumento da desigualdade nos países desenvolvidos, tendo a terceirização irrestrita como uma de suas principais causadoras.
O documento foi elogiado pela ONG Oxfam: "O FMI prova que tornar os ricos mais ricos não é bom para o crescimento", salientou o diretor da organização em Washington, Nicolas Mombrial.
O PL-4330, do deputado e empresário Sandro Mabel (PMDB-GO), abre as portas para a "gatunagem" nos direitos trabalhistas. Explico: num passado não muito distante, era prática usual entre latifundiários a contratação do "gato", um intermediário que recrutava o pessoal para trabalhar em condições análogas à escravidão nas grandes lavouras. O "gato" fazia o serviço sujo. Prometia boas condições de trabalho e remuneração para os trabalhadores, que acabavam sendo explorados sob condições análogas à escravidão.
O truque era, quando flagrado submetendo trabalhadores a condições desumanas, o latifundiário livrar a própria cara colocando a culpa no "gato", que em geral era um testa de ferro, um capataz, sem escrúpulos e sem capital para pagar indenizações. Atualmente, a legislação coíbe a prática: se o trabalho escravo é executado na empresa – seja um latifúndio, uma pequena propriedade, um comércio ou uma indústria – não importa se houve intermediários para subcontratar, porque o responsável é o dono do negócio. Essa é a interpretação da lei que vem sendo aplicada pela Justiça.
Agora, porém, o projeto que Temer e Maia tramam para votar a partir da semana que vem, de maneira similar à contratação de trabalhadores rurais por "gatos", transfere a empresas "prestadoras de serviços" toda a responsabilidade social pela contratação dos terceirizados que ficarão à disposição das contratantes. Ou seja, assim como o "gato" era quem respondia na Justiça do Trabalho por eventuais flagrantes de exploração do trabalhador, sem implicar o latifundiário mandante, agora os empresários poderão se safar de processos trabalhistas alegando que terceirizaram a contratação de mão de obra, que assim terá sido explorada não por eles, mas pelas prestadoras de serviços.
Mais que isso, com o PL da terceirização um banco como o Itaú, por exemplo, pode demitir todos os seus funcionários bancários – que são a única categoria profissional do país que conquistou uma convenção coletiva nacional – e subcontratar empresas terceirizadas para fornecer a mão de obra. Se essa empresa for picareta e der o cano no trabalhador – o que é um caso recorrente no setor, basta consultar os dados da Justiça do Trabalho – será ela, a empresa picareta que será processando, ficando o bancão livre de qualquer responsabilidade, apesar de o funcionário ter trabalhado o tempo todo no banco.
Isso sem contar o enfraquecimento dos trabalhadores na hora de negociar salários, piso salarial, benefícios, participação nos lucros, condições de trabalho etc., já que não mais contarão com a proteção aos seus direitos conquistados pela organização e mobilização em torno de seus sindicatos. Vai ser trabalhar quieto e aguentar calado.
Trata-se praticamente da revogação da Lei Áurea.
E até o FMI é contra
Um estudo publicado no ano passado pelo Fundo Monetário Internacional – que todos sabem que é uma instituição ortodoxa e conservadora – no ano passado é devastador para desmontar os argumentos neoliberais dos defensores da terceirização irrestrita da mão de obra, como são os bilionários donos da Globo e dos políticos empresários, abrigados sob siglas como o PSDB, PMDB, DEM, PP e tantos outros.
O relatório coloca em xeque a terceirização ilimitada, recomenda criar impostos sobre grandes fortunas, combater a sonegação, e demonstra que concentração de renda prejudica o crescimento econômico.
O estudo avaliou os impactos nos países mais ricos e considerado desenvolvidos e tirou algumas conclusões:
1. Cada 1% de crescimento na renda dos 20% mais pobres provoca 0,38% de crescimento econômico (isso em países já desenvolvidos, mas o índice é bem maior nos países em desenvolvimento);
2. Por outro lado, cada 1% de crescimento na renda dos 20% mais ricos provoca diminuição do crescimento econômico em 0,08%;
3. A perda de direitos trabalhistas, como a que resulta da terceirização, e o enfraquecimento dos sindicatos, levou o abismo entre ricos e pobres no mundo atingir “seu nível mais alto em décadas”;
4. Mais flexibilidade nas regras de contratação e demissão, salários mínimos mais baixos e sindicatos menos poderosos estão associados a uma maior desigualdade;
5. Uma melhor distribuição da riqueza poderia ser obtida por maior taxação sobre o patrimônio, caso de um imposto sobre grandes fortunas;
6. Reforço da luta contra a sonegação fiscal contribui decisivamente para melhorar a distribuição de renda e para o crescimento econômico;
7. Avanços tecnológicos aplicados nos locais de trabalho também causam concentração de renda, ao impactarem, principalmente, os trabalhadores de escolaridade baixa. Logo, exigem mecanismos de compensação para quem lucra mais com tais inovações. Por exemplo, contribuir para a inclusão produtiva daqueles que perdem empregos e para a viabilização de pequenos negócios, como forma de absorver os trabalhadores que tiveram seus empregos sacrificados;
8. A crise mundial iniciada em 2008 reforçou a desigualdade, com lobistas do mercado financeiro impedindo maior regulação do setor;
9. Os 1% mais ricos ficam com cerca de 10% do total da renda das economias avançadas (no Brasil, apesar da melhoria nos últimos anos, os 10% mais ricos ainda ficavam com 41,7% da renda nacional em 2013);
10. A renda dos 10% mais ricos é de cerca de nove vezes maior do que a renda dos 10% mais pobres.
Embora o documento não represente uma posição oficial do FMI, sua divulgação pelo órgão mostra que não dá mais para tapar o sol com a peneira, diante do crescente aumento da desigualdade nos países desenvolvidos, tendo a terceirização irrestrita como uma de suas principais causadoras.
O documento foi elogiado pela ONG Oxfam: "O FMI prova que tornar os ricos mais ricos não é bom para o crescimento", salientou o diretor da organização em Washington, Nicolas Mombrial.
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