Paulo Sérgio Pinheiro, que foi Secretário Nacional de Direitos Humanos no governo FHC e membro da Comissão Nacional da Verdade no governo Dilma, verbaliza o sentimento que inquieta a sociedade brasileira: “Estamos vivendo no Brasil uma escalada autoritária”.
Na opinião dele, “depois do fechamento do Instituto Lula não há absolutamente nenhuma dúvida. A decisão é um atentado contra o direito de associação, o direito de reunião, o direito de opinião, ao pluralismo e com um conteúdo nitidamente persecutório ao ex-presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva”.
Ele afirma que “a sucessão de eventos confirma essa escalada”, e ilustra a afirmação com episódios como a violência contra os trabalhadores rurais no Mato Grosso, a repressão brutal na greve geral, a selvageria contra os índios Gamelas no Maranhão, a proibição de manifestações em Curitiba e a tramitação, no Congresso, de projetos que restauram a escravidão no meio rural brasileiro.
Na vida real, as regras do Estado de Direito estão suspensas. O devido processo legal e o princípio da presunção da inocência tornaram-se letra morta para determinados operadores da justiça.
É deplorável que no limiar da terceira década do século 21 juízes, procuradores e delegados de polícia instituam o princípio da presunção da culpa, pelo qual acusadores ficam dispensados da produção da prova de culpa, porque basta o desejo de condenar. Cabe aos acusados, convertidos em réus sem embasamento legal e sem provas, provar inocência.
Por outro lado, o sistema político foi deliberadamente colapsado; foi deixado aos frangalhos para permitir a dominância, na arena política, dos sem-voto, dos não-eleitos, daqueles que carecem de legitimidade democrática.
A política não está sendo deliberada pelo sistema político. O sistema, aliás, é refém da tirania do judiciário e da mídia, da Lava Jato e da Globo, que agendam o debate público a partir de um enquadramento enviesado para aniquilar inimigos ideológicos. Isso com a conivência da maioria de políticos corruptos do Congresso, muitos deles réus, que silenciam em troca de impunidade.
A escalada autoritária, se não for detida, evoluirá inexoravelmente para uma nova ditadura no Brasil. Uma ditadura diferente da instalada com o golpe civil-militar de 1964, porém nem por isso menos totalitária, menos regressiva e menos destrutiva que aquela.
A democracia, mesmo com defeitos e limites, é sempre preferível a qualquer regime autoritário. Só no ambiente da democracia e do Estado de Direito os conflitos políticos e sociais podem ser mediados e os impasses solucionados.
É crucial, por isso, que os setores democráticos da sociedade brasileira, dos diferentes matizes ideológicos, se unam na defesa da democracia, da Constituição e pela restauração do Estado de Direito.
Este momento crítico da política nacional convoca os movimentos sociais, os partidos políticos, as organizações populares e eclesiásticas; empresários, trabalhadores, universidades, artistas, intelectuais, juventudes e todos os democratas do país a defenderem a democracia.
Mesmo nos partidos que representam o conservadorismo atual [PSDB, PMDB, PPS, PTB, PSB etc] encontram-se pessoas que no passado estiveram nas trincheiras da resistência contra a ditadura. Aqueles que lutaram contra o arbítrio, mesmo que hoje defendam posições conservadoras, devem recobrar a consciência do quão terrível seria para o Brasil a repetição de nova tragédia ditatorial.
Esta é a hora de FHC, José Serra, Aloysio Nunes Ferreira, Roberto Freire, Pedro Simon, Raul Jungmann e outros mostrarem que, mesmo sendo hoje de direita, ainda defendem a democracia enquanto um valor fundamental e irrenunciável.
No mundo empresarial existem empresários democratas, que sabem que não haverá reconstrução econômica e social do país fora de um ambiente de estabilidade social e de liberdade civil e política.
No judiciário, no STF, no MP, na PF, assim como no universo dos operadores do Direito, existem vozes dissonantes, que se insurgem contra a tirania jurídica que abastarda a democracia.
É somente no Estado de Direito, ao abrigo da Constituição, da justiça, da democracia e da República que os diferentes campos ideológicos podem se confrontar para construir saídas eficientes e, sobretudo, legítimas para esta que é a mais grave crise da história do Brasil nas últimas décadas.
A história cobrará muito caro daqueles que, por conveniência mesquinha, hoje se calam porque, afinal, neste momento o arbítrio se volta contra seus adversários. Mais cedo que tarde, porém, eles próprios, aqueles que hoje se calam e consentem, serão as primeiras vítimas do arbítrio e do fascismo.
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