Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Para quem foi levado a acreditar que a Justiça é a salvação da dignidade nacional, um impávido colosso entre as demais instituições com sede na Praça dos Três Poderes, a decisão que preservou Michel Temer cumpriu uma missão didática.
Mostrou que o Judiciário tem um lado político e que, mesmo uma frente tão vigorosa liderada pela TV Globo, pode ser derrotada nos tribunais.
O sentimento de injustiça e indignação diante de uma decisão que agora amarga a boca de pessoas respeitáveis e decentes - além de pilantras e engravatados flagrados nas ilusões de uma arrogância profunda - tem sido partilhado de forma permanente por uma grande parcela de brasileiros nos últimos anos.
Pode ter sido desde 2012, com as sentenças duras para provas fracas da AP 470.
Ou desde 2014, com as prisões preventivas que alimentaram as delações premiadas da Lava Jato, submetendo lideranças históricas e respeitáveis, como José Dirceu, a sentenças desproporcionais, num jogo de cartas marcadas e truques previsíveis para que venham a mofar na prisão.
Ou desde setembro de 2016, com o impeachment de uma presidente eleita com 54,5 milhões de votos, numa denuncia de "pedaladas fiscais", que não é considerada crime de responsabilidade em nenhum livro de Direito.
Pense em todas as denúncias contra Aécio Neves que ficaram escondidas desde que Roberto Jefferson falou sobre o esquema de Furnas na CPI dos Correios, em 2005, em Brasília - e não deixe de perguntar pela cocaína no helicóptero. Pense nos desvios grotescos de trens urbanos e do metrô de São Paulo, denunciados em São Paulo, na Alemanha, na França, onde são definidos como escândalos "merdiatiques" - rendem pouco e sujam as mãos Não esqueça da cratera na estação Pinheiros do metrô, onde morreram sete pessoas, há dez anos. Lembre: muito cedo os acusados graúdos conseguiram pular fora, numa tragédia com vidas humanas. Em outubro passado, os demais acusados - a denúncia já se encontrava no baixo escalão - foram absolvidos por falta de provas.
Para quem foi levado a acreditar que a Justiça é a salvação da dignidade nacional, um impávido colosso entre as demais instituições com sede na Praça dos Três Poderes, a decisão que preservou Michel Temer cumpriu uma missão didática.
Mostrou que o Judiciário tem um lado político e que, mesmo uma frente tão vigorosa liderada pela TV Globo, pode ser derrotada nos tribunais.
O sentimento de injustiça e indignação diante de uma decisão que agora amarga a boca de pessoas respeitáveis e decentes - além de pilantras e engravatados flagrados nas ilusões de uma arrogância profunda - tem sido partilhado de forma permanente por uma grande parcela de brasileiros nos últimos anos.
Pode ter sido desde 2012, com as sentenças duras para provas fracas da AP 470.
Ou desde 2014, com as prisões preventivas que alimentaram as delações premiadas da Lava Jato, submetendo lideranças históricas e respeitáveis, como José Dirceu, a sentenças desproporcionais, num jogo de cartas marcadas e truques previsíveis para que venham a mofar na prisão.
Ou desde setembro de 2016, com o impeachment de uma presidente eleita com 54,5 milhões de votos, numa denuncia de "pedaladas fiscais", que não é considerada crime de responsabilidade em nenhum livro de Direito.
Pense em todas as denúncias contra Aécio Neves que ficaram escondidas desde que Roberto Jefferson falou sobre o esquema de Furnas na CPI dos Correios, em 2005, em Brasília - e não deixe de perguntar pela cocaína no helicóptero. Pense nos desvios grotescos de trens urbanos e do metrô de São Paulo, denunciados em São Paulo, na Alemanha, na França, onde são definidos como escândalos "merdiatiques" - rendem pouco e sujam as mãos Não esqueça da cratera na estação Pinheiros do metrô, onde morreram sete pessoas, há dez anos. Lembre: muito cedo os acusados graúdos conseguiram pular fora, numa tragédia com vidas humanas. Em outubro passado, os demais acusados - a denúncia já se encontrava no baixo escalão - foram absolvidos por falta de provas.
Pense no caixa da Dersa. Pense em todos os réus do mensalão PSDB-MG que conseguiram pular de galho em galho, entre o Supremo e a primeira instância, sem jamais receber uma sentença de prisão. Pimenta da Veiga, o ministro das Comunicações de Fernando Henrique Cardoso, foi um dos primeiros a contratar Marcos Valério em Brasília. A Polícia Federal encontrou quatro cheques na conta de Pimenta. Nada lhe aconteceu nem acontecerá. No mês que vem, completa 80 anos.
Nada aconteceu a Fernando Henrique, que ainda estava no governo quando passou o chapéu entre grandes empresários para fundar o Instituto FHC, antecipando uma prática que seria tratada como crime quando foi repetida por Lula. A diferença é que Lula já havia saído do governo quando chegou sua vez e hoje é réu em cinco casos da Lava Jato, inclusive por um apartamento que não é seu e um sítio que também não é, ao contrário da fazenda que Fernando Henrique comprou junto com o tesoureiro Sérgio Motta.
É isso aí, meus amigos. Uma dor de tirar o fôlego. Impossível de fazer a crítica de ontem sem o anteontem.
Na pele dos outros, a injustiça é uma marca que não deixa manchas, uma dor que não dói, uma vergonha que não produz indignação. Na dúvida, basta, humildemente, abrir as páginas de "Felicidade Fechada," de Miruna Genoíno, para saber como é conviver com isso no Brasil de hoje. Outro caminho é "Até Quarta, Isabella " de Francisco Julião, para saber como era isso depois do golpe de 64.
Num país onde a justiça de exceção tornou-se a regra, o cumprimento da lei torna-se uma questão de amigos, de preferência, de atos arbitrários, de favores e, é claro, de opções políticas. O que se viu ontem foi a continuidade de um longo processo mantido atrás das cortinas da justiça-espetáculo.
Não custa recordar o básico. Na última década, quando a consolidação eleitoral do projeto Lula-Dilma criou um compreensível receio das urnas por parte dos adversários, nossos tribunais passaram a ser endeusados como uma espécie de Poder Moderador, numa visão incongruente com a democracia, pois em nossa Constituição este papel pertence a soberania popular, onde o eleitor e só ele tem a palavra final sobre os destinos do país, inclusive para instituir e afastar governos.
A Carta de 1988 descreve uma democracia que dispensa a coroa de dom Pedro e, de modo explícito, a espada de Deodoro, aquela das intervenções militares. Pela mesma razão não se cogita, como já foi lembrado tantas vezes nestes espaço, a "ditadura das togas", aquela que é "pior que a das fardas pelo crédito de que dispõe na sociedade," nas palavras de um antigo ministro do STF.
A votação 4 a 3 expressou a força de uma ditadura que não presta contas - nem a si própria.
Foi um soco no rosto de quem não quer ver a realidade e cultiva ilusões de uma Justiça de exceção igual para todos por causa de suas estátuas com olhos vendados.
Para defender o mais reacionário governo civil da história republicana, proprietário, em apenas um ano, de uma terrível folha de serviços prestados, Gilmar Mendes & amigos voltaram atrás no que disseram e fizeram - sem ruborizar, sem pedir desculpas. Vamos nos entender sobre a dupla encenação.
Durante dois anos e meio, construiu-se uma farsa jurídica destinada a emparedar o governo Dilma, dissolver seu governo e, acima de tudo, desmoralizar a legitimidade do voto popular. Descontentando os piores momentos da Justiça eleitoral - como as tramas da família Sarney para derrubar desafetos, no Maranhão e na ex-colônia do Amapá - nunca se viu um caso dessa dimensão.
"Aponte-me um homem e eu direi seu crime", dizia Andrey Vyzhinzky, o promotor dos Grandes Expurgos de Moscou, no período Stálin.
O retrato final é uma caricatura do desmando, sempre autorizado, tolerado e estimulado com holofotes até aqui. Aquelas que pareciam provas de grande utilidade para condenar a presidente indesejável se transformaram em matéria sem serventia para atingir o substituto, amigo da turma, sócio desse esforço para jogar o país no abismo. De duas, uma. Ou eram pura invencionice. Ou se manipulou, politicamente, um inquérito quando interessava atingir o projeto que Dilma representava. "Para encher o saco", como disse Aécio.
Chocante? Talvez.
Mas um balanço honesto mostra que não pode haver a crítica a ontem sem a autocrítica pelo anteontem.
Também aponta um caminho para o amanhã.
Para quem compreende a necessidade de encerrar o governo Temer, o 4 a 3 lembra a inutilidade de se acreditar numa operação de gabinete - mesmo exibida ao vivo pela TV - para dar resposta a um problema tão grave.
Os interesses materiais que Temer encarna são grandes demais, explícitos demais, para serem derrotados de uma hora para outra, sem que a mudança tenha uma garantia absoluta de continuidade.
O placar de 4 a 3 mostrou a profunda divisão do patamar de cima.
Não há atalhos - ao menos no momento - para uma luta dessa envergadura, que envolve o futuro de uma nação com 204 milhões de pessoas, a oitava economia do planeta e uma bela história de lutas difíceis.
A disputa se dará na rua e é pela participação nos próximos atos de protesto, inclusive na greve geral da sexta-feira, 30 de junho, que o país irá livrar-se do flagelo Temer. É nestes momentos que cada um poderá mostrar até onde vai a indignação diante de Temer e do resultado de ontem.
Nada aconteceu a Fernando Henrique, que ainda estava no governo quando passou o chapéu entre grandes empresários para fundar o Instituto FHC, antecipando uma prática que seria tratada como crime quando foi repetida por Lula. A diferença é que Lula já havia saído do governo quando chegou sua vez e hoje é réu em cinco casos da Lava Jato, inclusive por um apartamento que não é seu e um sítio que também não é, ao contrário da fazenda que Fernando Henrique comprou junto com o tesoureiro Sérgio Motta.
É isso aí, meus amigos. Uma dor de tirar o fôlego. Impossível de fazer a crítica de ontem sem o anteontem.
Na pele dos outros, a injustiça é uma marca que não deixa manchas, uma dor que não dói, uma vergonha que não produz indignação. Na dúvida, basta, humildemente, abrir as páginas de "Felicidade Fechada," de Miruna Genoíno, para saber como é conviver com isso no Brasil de hoje. Outro caminho é "Até Quarta, Isabella " de Francisco Julião, para saber como era isso depois do golpe de 64.
Num país onde a justiça de exceção tornou-se a regra, o cumprimento da lei torna-se uma questão de amigos, de preferência, de atos arbitrários, de favores e, é claro, de opções políticas. O que se viu ontem foi a continuidade de um longo processo mantido atrás das cortinas da justiça-espetáculo.
Não custa recordar o básico. Na última década, quando a consolidação eleitoral do projeto Lula-Dilma criou um compreensível receio das urnas por parte dos adversários, nossos tribunais passaram a ser endeusados como uma espécie de Poder Moderador, numa visão incongruente com a democracia, pois em nossa Constituição este papel pertence a soberania popular, onde o eleitor e só ele tem a palavra final sobre os destinos do país, inclusive para instituir e afastar governos.
A Carta de 1988 descreve uma democracia que dispensa a coroa de dom Pedro e, de modo explícito, a espada de Deodoro, aquela das intervenções militares. Pela mesma razão não se cogita, como já foi lembrado tantas vezes nestes espaço, a "ditadura das togas", aquela que é "pior que a das fardas pelo crédito de que dispõe na sociedade," nas palavras de um antigo ministro do STF.
A votação 4 a 3 expressou a força de uma ditadura que não presta contas - nem a si própria.
Foi um soco no rosto de quem não quer ver a realidade e cultiva ilusões de uma Justiça de exceção igual para todos por causa de suas estátuas com olhos vendados.
Para defender o mais reacionário governo civil da história republicana, proprietário, em apenas um ano, de uma terrível folha de serviços prestados, Gilmar Mendes & amigos voltaram atrás no que disseram e fizeram - sem ruborizar, sem pedir desculpas. Vamos nos entender sobre a dupla encenação.
Durante dois anos e meio, construiu-se uma farsa jurídica destinada a emparedar o governo Dilma, dissolver seu governo e, acima de tudo, desmoralizar a legitimidade do voto popular. Descontentando os piores momentos da Justiça eleitoral - como as tramas da família Sarney para derrubar desafetos, no Maranhão e na ex-colônia do Amapá - nunca se viu um caso dessa dimensão.
"Aponte-me um homem e eu direi seu crime", dizia Andrey Vyzhinzky, o promotor dos Grandes Expurgos de Moscou, no período Stálin.
O retrato final é uma caricatura do desmando, sempre autorizado, tolerado e estimulado com holofotes até aqui. Aquelas que pareciam provas de grande utilidade para condenar a presidente indesejável se transformaram em matéria sem serventia para atingir o substituto, amigo da turma, sócio desse esforço para jogar o país no abismo. De duas, uma. Ou eram pura invencionice. Ou se manipulou, politicamente, um inquérito quando interessava atingir o projeto que Dilma representava. "Para encher o saco", como disse Aécio.
Chocante? Talvez.
Mas um balanço honesto mostra que não pode haver a crítica a ontem sem a autocrítica pelo anteontem.
Também aponta um caminho para o amanhã.
Para quem compreende a necessidade de encerrar o governo Temer, o 4 a 3 lembra a inutilidade de se acreditar numa operação de gabinete - mesmo exibida ao vivo pela TV - para dar resposta a um problema tão grave.
Os interesses materiais que Temer encarna são grandes demais, explícitos demais, para serem derrotados de uma hora para outra, sem que a mudança tenha uma garantia absoluta de continuidade.
O placar de 4 a 3 mostrou a profunda divisão do patamar de cima.
Não há atalhos - ao menos no momento - para uma luta dessa envergadura, que envolve o futuro de uma nação com 204 milhões de pessoas, a oitava economia do planeta e uma bela história de lutas difíceis.
A disputa se dará na rua e é pela participação nos próximos atos de protesto, inclusive na greve geral da sexta-feira, 30 de junho, que o país irá livrar-se do flagelo Temer. É nestes momentos que cada um poderá mostrar até onde vai a indignação diante de Temer e do resultado de ontem.
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