Por Luís Eduardo Gomes, no site Sul-21:
Um político recebe a outorga de um veículo de comunicação. A partir disso, participa de um seleto grupo de proprietários de mídia regional. Com isso, constrói um monopólio eleitoral que vai perpetuar o seu nome e de familiares como uma oligarquia política e, consequentemente, ampliar o seu poder sobre os meios de comunicação. Essa relação umbilical entre mídia regional e poder é o tema do livro “Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul”, que será lançado no Rio de Janeiro na próximo dia 21 de junho.
Em conversa por telefone com o Sul21, a autora, Pâmela Araujo Pinto, professora substituta da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), diz que o interesse por estudar os laços entre mídia regional e política é fruto da situação em seu estado natal, o Maranhão, onde as quatro principais emissoras de TV afiliadas são ligadas a políticos e suas famílias: o ex-presidente José Sarney (PMDB) – afiliada da Rede Globo -, o senador Edison Lobão (PMDB) – SBT -, o senador Roberto Rocha (PSB) – Record – e o ex-deputado estadual Manoel Ribeiro (PTB) – Bandeirantes.
A professora pondera que a relação entre mídia e política é antiga no Brasil, datando desde o surgimento da imprensa no País, com as primeiras prensas móveis sendo de propriedade sempre de um governador ou de alguma autoridade regional. Essa relação, no entanto, se intensificou no governo de José Sarney (PMDB). Entre 1985 e 1988, ele distribuiu 1.028 concessões de radiodifusão, metade de todas as concessões distribuídas entre 1922 e 1985, grande parte como moeda de troca para deputados e senadores. O governo dele foi o último no qual o presidente poderia conceder outorgas sem a necessidade de submetê-las ao Congresso.
Pâmela começou a trabalhar a questão quando mudou-se para o Rio de Janeiro, em 2008, para cursar o mestrado em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), cuja dissertação é intitulada “As Interfaces do Jornalismo Nacional e Regional no Brasil: Roseana Sarney e ocaso Lunus”. Na tese de doutorado, realizado entre 2011 e 2015, também pela UFF, ela traçou um comparativo entre a composição das mídias regionais das regiões Norte e Sul do país, intitulada “Mídia Regional Brasileira: características dos subsistemas midiáticos das regiões Norte e Sul”. A pesquisa, base para o livro, recebeu o Prêmio Compolítica de Melhor Tese de 2017, concedido pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política.
Em sua pesquisa, Pâmela identificou 34 políticos ligados a 26 grupos de mídia nos sete estados do Norte e 56 políticos ligados a 41 grupos nos três estados da região Sul. Ao comparar a relação entre mídias regionais e políticos das duas regiões, Pâmela constatou que no Norte do país há um grande número de senadores, deputados e governadores cujas famílias são proprietárias de grupos de comunicação detentores de afiliadas das grandes emissoras de TV nacionais e baseados nas capitais dos estados, enquanto que, no Sul, há uma ligação muito forte com grupos que operam no interior, além de grande ligação com rádios e jornais. “Tem um preconceito na academia que fala em coronelismo eletrônico na região Norte. Imaginei que fosse encontrar mais diferenças do que semelhanças, mas a presença de políticos nos dois mercados foi muito expressiva”, afirma.
No Norte do País, além do Maranhão, ela destaca os casos dos senadores Jader Barbalho (PMDB), no Pará, e de Romero Jucá (PMDB), em Roraima. O primeiro, dono de conglomerado de mídia Rede Brasil Amazônica de Comunicação (RBA) que possui emissoras de TV ligadas à Bandeirantes, ocupa cargos públicos desde os anos 1960, sua a ex-mulher Elcione Barbalho foi eleita para cinco mandatos como deputada federal e o filho deles, Helder Barbalho, é o atual ministro da Integração Nacional do governo Temer. Já Jucá, cuja família controla afiliadas das redes Band e Record com cerca de 14 concessões de radiodifusão, é senador desde 1995 e recentemente era ministro no governo Temer. Sua ex-mulher Teresa Surita, que é irmã do apresentador Emílio Surita, do Programa Pânico, foi deputada federal e atualmente é prefeita de Boa Vista, tendo sido reeleita para o seu quinto mandato em 2016. O filho deles, Rodrigo, foi deputado estadual.
Na região Sul, ela destaca o caso da Rede Massa, afiliada do SBT de propriedade do apresentador de TV Carlos Massa, o Ratinho, cujo filho, Ratinho Junior (PSC) foi deputado federal e atualmente é secretário estadual no Paraná. A rede tem cinco emissoras de TV e uma rede de rádios. Também no Paraná, o atual ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP), é proprietário de emissoras de rádio em Maringá. Deputado federal há cinco mandatos, é casado com a vice-governadora do Estado, Cida Borghetti (PP), e pai da deputada estadual Maria Victoria Borghetti Barros (PP), eleita pela primeira vez aos 22 anos, em 2014.
Em Santa Catarina, ela destaca que três das principais lideranças do Estado, o governador Raimundo Colombo (PSD), o prefeito de Florianópolis, César Souza Júnior (PSD) e o senador Paulo Bauer (PSDB) estão vinculados a veículos de mídia. No RS, apesar de não serem proprietários, os senadores Lasier Martins (PDT) e Ana Amélia Lemos (PP) foram ligados à RBS, afiliada da Rede Globo.
Pâmela também destaca a “ascensão meteórica” de senadores ligados a grupos de comunicação. O senador mais jovem do Brasil, Gladson Cameli (PP-AC), 39 anos, eleito pelo Acre em 2014, é sobrinho do proprietário da rádio Jurá FM e ex-governador do Estado, Orleir Cameli. Ele estreou na vida pública já como deputado federal, em 2008. Também com 39 anos, Davi Alcolumbre (DEM-AP) começou a carreira política aos 23 anos, como vereador de Macapá, foi eleito deputado federal por três mandados pelo Amapá, entre 2003 e 2015, quando assumiu uma cadeira no Senado. A família dele é dona de um grupo de comunicação que controla emissoras afiliadas do SBT, Record e Band, segundo a pesquisadora. Os senadores gaúchos, por sua vez, começaram a carreira política diretamente no Senado Federal.
‘Palanques constantes’
A professora destaca que a propriedade de mídias regionais oferece “palanques constantes” para os políticos, seja no período que detêm mandato ou quando estão em busca de um. Citando o caso do Pará, ela diz que a emissora ligada à família do senador Jader Barbalho a todo momento abre espaço para aparições dele, de sua ex-mulher ou do filho do casal. “Ele toma o espaço de uma concessão pública para fazer propaganda de seu grupo político”, diz.
Como consequência desse palanque, ela diz que os políticos vão conquistando uma hegemonia regional de tal monta que acabam por se tornar lideranças nacionais. “Você limita a concorrência no Estado, porque vai se firmando cada vez mais em função dessas mídias, e paralelamente acaba sendo um ator nacional”, diz. Um exemplo disso é o ministro da Saúde, Ricardo Barros, que após se eleger para cinco mandatos consecutivos foi um nome imposto pelo PP para o ministério de Michel Temer (PMDB) em troca do apoio ao impeachment de Dilma Roussef.
Ela ainda constatou que, uma vez no Congresso, os parlamentares ligados a grupos de comunicação costumam ocupar grande parte das cadeiras das comissões de Ciência e Tecnologia da Câmara e do Senado, responsáveis por analisar a legislação para o setor de radiodifusão. Com isso, para surpresa de ninguém, atuam para favorecer os interesses de suas famílias. Outra constatação que fez foi que os parlamentares que analisou votaram a favor do impeachment.
A professora lembra ainda que, além do impeachment, no governo Temer as concessões de radiodifusão também voltaram a ser uma importante moeda de troca em busca de apoio para as reformas trabalhista e da Previdência. No final de março, Temer sancionou uma medida provisória que simplifica os procedimentos para renovação de concessões de rádio e televisão. Segundo o governo, o objetivo principal é desburocratizar os processos e evitar a descontinuidade ou interrupção do serviço público de radiodifusão, esse que está em grande parte na mão de famílias políticas “tradicionais”.
Um político recebe a outorga de um veículo de comunicação. A partir disso, participa de um seleto grupo de proprietários de mídia regional. Com isso, constrói um monopólio eleitoral que vai perpetuar o seu nome e de familiares como uma oligarquia política e, consequentemente, ampliar o seu poder sobre os meios de comunicação. Essa relação umbilical entre mídia regional e poder é o tema do livro “Brasil e as suas mídias regionais: estudos sobre as regiões Norte e Sul”, que será lançado no Rio de Janeiro na próximo dia 21 de junho.
Em conversa por telefone com o Sul21, a autora, Pâmela Araujo Pinto, professora substituta da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), diz que o interesse por estudar os laços entre mídia regional e política é fruto da situação em seu estado natal, o Maranhão, onde as quatro principais emissoras de TV afiliadas são ligadas a políticos e suas famílias: o ex-presidente José Sarney (PMDB) – afiliada da Rede Globo -, o senador Edison Lobão (PMDB) – SBT -, o senador Roberto Rocha (PSB) – Record – e o ex-deputado estadual Manoel Ribeiro (PTB) – Bandeirantes.
A professora pondera que a relação entre mídia e política é antiga no Brasil, datando desde o surgimento da imprensa no País, com as primeiras prensas móveis sendo de propriedade sempre de um governador ou de alguma autoridade regional. Essa relação, no entanto, se intensificou no governo de José Sarney (PMDB). Entre 1985 e 1988, ele distribuiu 1.028 concessões de radiodifusão, metade de todas as concessões distribuídas entre 1922 e 1985, grande parte como moeda de troca para deputados e senadores. O governo dele foi o último no qual o presidente poderia conceder outorgas sem a necessidade de submetê-las ao Congresso.
Pâmela começou a trabalhar a questão quando mudou-se para o Rio de Janeiro, em 2008, para cursar o mestrado em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), cuja dissertação é intitulada “As Interfaces do Jornalismo Nacional e Regional no Brasil: Roseana Sarney e ocaso Lunus”. Na tese de doutorado, realizado entre 2011 e 2015, também pela UFF, ela traçou um comparativo entre a composição das mídias regionais das regiões Norte e Sul do país, intitulada “Mídia Regional Brasileira: características dos subsistemas midiáticos das regiões Norte e Sul”. A pesquisa, base para o livro, recebeu o Prêmio Compolítica de Melhor Tese de 2017, concedido pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política.
Em sua pesquisa, Pâmela identificou 34 políticos ligados a 26 grupos de mídia nos sete estados do Norte e 56 políticos ligados a 41 grupos nos três estados da região Sul. Ao comparar a relação entre mídias regionais e políticos das duas regiões, Pâmela constatou que no Norte do país há um grande número de senadores, deputados e governadores cujas famílias são proprietárias de grupos de comunicação detentores de afiliadas das grandes emissoras de TV nacionais e baseados nas capitais dos estados, enquanto que, no Sul, há uma ligação muito forte com grupos que operam no interior, além de grande ligação com rádios e jornais. “Tem um preconceito na academia que fala em coronelismo eletrônico na região Norte. Imaginei que fosse encontrar mais diferenças do que semelhanças, mas a presença de políticos nos dois mercados foi muito expressiva”, afirma.
No Norte do País, além do Maranhão, ela destaca os casos dos senadores Jader Barbalho (PMDB), no Pará, e de Romero Jucá (PMDB), em Roraima. O primeiro, dono de conglomerado de mídia Rede Brasil Amazônica de Comunicação (RBA) que possui emissoras de TV ligadas à Bandeirantes, ocupa cargos públicos desde os anos 1960, sua a ex-mulher Elcione Barbalho foi eleita para cinco mandatos como deputada federal e o filho deles, Helder Barbalho, é o atual ministro da Integração Nacional do governo Temer. Já Jucá, cuja família controla afiliadas das redes Band e Record com cerca de 14 concessões de radiodifusão, é senador desde 1995 e recentemente era ministro no governo Temer. Sua ex-mulher Teresa Surita, que é irmã do apresentador Emílio Surita, do Programa Pânico, foi deputada federal e atualmente é prefeita de Boa Vista, tendo sido reeleita para o seu quinto mandato em 2016. O filho deles, Rodrigo, foi deputado estadual.
Na região Sul, ela destaca o caso da Rede Massa, afiliada do SBT de propriedade do apresentador de TV Carlos Massa, o Ratinho, cujo filho, Ratinho Junior (PSC) foi deputado federal e atualmente é secretário estadual no Paraná. A rede tem cinco emissoras de TV e uma rede de rádios. Também no Paraná, o atual ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP), é proprietário de emissoras de rádio em Maringá. Deputado federal há cinco mandatos, é casado com a vice-governadora do Estado, Cida Borghetti (PP), e pai da deputada estadual Maria Victoria Borghetti Barros (PP), eleita pela primeira vez aos 22 anos, em 2014.
Em Santa Catarina, ela destaca que três das principais lideranças do Estado, o governador Raimundo Colombo (PSD), o prefeito de Florianópolis, César Souza Júnior (PSD) e o senador Paulo Bauer (PSDB) estão vinculados a veículos de mídia. No RS, apesar de não serem proprietários, os senadores Lasier Martins (PDT) e Ana Amélia Lemos (PP) foram ligados à RBS, afiliada da Rede Globo.
Pâmela também destaca a “ascensão meteórica” de senadores ligados a grupos de comunicação. O senador mais jovem do Brasil, Gladson Cameli (PP-AC), 39 anos, eleito pelo Acre em 2014, é sobrinho do proprietário da rádio Jurá FM e ex-governador do Estado, Orleir Cameli. Ele estreou na vida pública já como deputado federal, em 2008. Também com 39 anos, Davi Alcolumbre (DEM-AP) começou a carreira política aos 23 anos, como vereador de Macapá, foi eleito deputado federal por três mandados pelo Amapá, entre 2003 e 2015, quando assumiu uma cadeira no Senado. A família dele é dona de um grupo de comunicação que controla emissoras afiliadas do SBT, Record e Band, segundo a pesquisadora. Os senadores gaúchos, por sua vez, começaram a carreira política diretamente no Senado Federal.
‘Palanques constantes’
A professora destaca que a propriedade de mídias regionais oferece “palanques constantes” para os políticos, seja no período que detêm mandato ou quando estão em busca de um. Citando o caso do Pará, ela diz que a emissora ligada à família do senador Jader Barbalho a todo momento abre espaço para aparições dele, de sua ex-mulher ou do filho do casal. “Ele toma o espaço de uma concessão pública para fazer propaganda de seu grupo político”, diz.
Como consequência desse palanque, ela diz que os políticos vão conquistando uma hegemonia regional de tal monta que acabam por se tornar lideranças nacionais. “Você limita a concorrência no Estado, porque vai se firmando cada vez mais em função dessas mídias, e paralelamente acaba sendo um ator nacional”, diz. Um exemplo disso é o ministro da Saúde, Ricardo Barros, que após se eleger para cinco mandatos consecutivos foi um nome imposto pelo PP para o ministério de Michel Temer (PMDB) em troca do apoio ao impeachment de Dilma Roussef.
Ela ainda constatou que, uma vez no Congresso, os parlamentares ligados a grupos de comunicação costumam ocupar grande parte das cadeiras das comissões de Ciência e Tecnologia da Câmara e do Senado, responsáveis por analisar a legislação para o setor de radiodifusão. Com isso, para surpresa de ninguém, atuam para favorecer os interesses de suas famílias. Outra constatação que fez foi que os parlamentares que analisou votaram a favor do impeachment.
A professora lembra ainda que, além do impeachment, no governo Temer as concessões de radiodifusão também voltaram a ser uma importante moeda de troca em busca de apoio para as reformas trabalhista e da Previdência. No final de março, Temer sancionou uma medida provisória que simplifica os procedimentos para renovação de concessões de rádio e televisão. Segundo o governo, o objetivo principal é desburocratizar os processos e evitar a descontinuidade ou interrupção do serviço público de radiodifusão, esse que está em grande parte na mão de famílias políticas “tradicionais”.
1 comentários:
Faltou citar: Bahia, Sergipe, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Alagoas. Todos com oligarquias política midiática predominante. Vivemos uma falsa democracia. Ou lutamos para desconstruir essa relação promíscua ou jamais teremos democracia.
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