Começo hoje uma coluna quinzenal em CartaCapital. Vou começar light, falando sobre a “turma da bufunfa”. O leitor já ouviu falar? Trata-se da minha principal, talvez única, contribuição à literatura econômica. Ainda não ganhou, entretanto, reconhecimento universal.
Ofereço uma definição sintética: a turma da bufunfa é um agrupamento, razoavelmente estruturado, que se dedica a fomentar, proteger e cultuar o vil metal. O seu núcleo duro é composto de banqueiros, financistas e rentistas. Na periferia figuram os economistas, jornalistas e outros profissionais.
Os economistas são os sacerdotes do culto, encarregados de suprir a fundamentação metafísica para as atividades da turma. O fenômeno é antigo. John Kenneth Galbraith explicava que a teoria econômica moderna, ensinada como ciência, tinha também o que ele chamou de “função instrumental”, isto é, a de confirmar e reforçar os pressupostos dos círculos dominantes da sociedade.
Muito antes dele, os marxistas denunciavam o caráter ideológico e “de classe” da economia política.
Nas décadas recentes, o fenômeno adquiriu, porém, dimensão estarrecedora. A turma da bufunfa inchou de maneira medonha. As instituições financeiras tornaram-se o centro do poder e da apropriação de riqueza. Em outras palavras, estabeleceu-se a hegemonia avassaladora do capital financeiro.
Antes de prosseguir, faço uma pequena pausa. Gosto de descrever física e espiritualmente os meus personagens. Os “bufunfeiros”, leitor, se parecem muito uns com os outros. São, eu diria, intercambiáveis. Primeiro traço geral: são gordos, no mínimo balofos, e não raro obesos. Mas são gordos de um tipo muito singular.
É que, normalmente, as banhas predispõem aos aconchegos, ao carinho, à conciliação e ao bom humor. No caso em tela, as banhas não têm esses efeitos salutares. Os bufunfeiros são quase sempre sisudos, cinzentos, intolerantes. Não se lhes ouve uma piada ou mesmo um simples gracejo.
O maior elogio que se pode fazer a um economista bufunfeiro é dizer que ele é “sério” e “bem treinado”. Para merecer esses qualificativos o economista se esmera em repetir fórmulas áridas e teses respeitáveis. Frases prontas substituem a necessidade de pensar. O mesmo encadeamento de palavras, sempre o mesmo, e em tom sentencioso produz na opinião pública um efeito quase hipnótico.
Paro e releio o que escrevi até agora. Está ficando um pouco vago e abstrato. Hesito. Devo dar nome aos bois? Ou deixá-los tranquilos no pasto? Na última vez em que nomeei bois a boiada estourou para cima de mim. Cortaram a minha coluna no Globo. Em CartaCapital, sinto-me mais protegido. E toda exposição teórica, convenhamos, precisa de exemplificação.
Vejamos. Um bom exemplo seria o atual presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn. Para começar, o seu visual obedece ao figurino e a boca mole balbucia, monotonamente, os chavões que o mercado espera. Recentemente, tive a curiosidade de tentar descobrir o que pensa e o que diz o chefe do nosso BC. Terá publicado algo interessante? Nada encontrei de substancial. O seu discurso e seus textos intercalam homenagens ao Conselheiro Acácio com a repetição mecânica da vulgata ortodoxa.
Antigamente, valia a pena ler economistas conservadores, como Eugênio Gudin, Otávio Gouveia de Bulhões, Mário Henrique Simonsen, Roberto Campos. Sempre se aprendia algo. Encontravam-se capacidade analítica, ironia, cultura, polêmica inteligente e, pasmem, até espírito público. Os economistas bufunfeiros atuais não oferecem nada disso. Um deles, outro dia, seguia distraído, quando de repente tropeçou numa ideia. Recompôs-se rapidamente, olhou para o lado temendo testemunhas e retomou o seu caminho, imperturbável.
Conto, para encerrar, um pequeno episódio. Há alguns anos, fui almoçar no Itaú, a convite do então presidente do banco, Olavo Setubal. Estava presente um economista, chefe do departamento econômico. A certa altura, baixou a falta de assunto.
Perguntei então o que ele sabia de dois economistas nomeados havia pouco para a diretoria do Banco Central. O economista explicou, sem qualquer ironia, que um deles era economista sério, treinado nos EUA. O outro também, só que tinha “umas ideias” de vez em quando...
Para a turma da bufunfa, ideias são fonte de inquietação, sintomas de rebeldia.
* Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.
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