Por Luiz Gonzaga Belluzzo, na revista CartaCapital:
Sete da manhã, segunda-feira 9 de abril, ano da graça de 2018. Na posteridade da prisão de Lula, enfiei os olhos na página de opinião da Folha de S.Paulo. Topei com o artigo Pau na Imprensa, Tiros na Democracia, assinado por Ricardo Gandour, diretor-executivo da Rádio CBN e professor da ESPM.
Na onda de turbações que se seguiram à prisão do ex-presidente Lula, jornalistas foram hostilizados e agredidos por populares inconformados com o ocorrido. Sob a inspiração de Michael Schudson, Gandour assevera aos leitores da Folha que as “democracias precisam de uma imprensa desagradável”. Não há como discordar. Suspeito que os brasileiros sabem que a grande mídia brasileira é bastante agradável para uns e desagradável para outros. Resta saber quem são uns e outros.
O leitor atilado de CartaCapital há de julgar se, no Brasil, a liberdade de opinião e de informação vem se ampliando e favorecendo o esclarecimento dos cidadãos ou se transformando em seu contrário, num exercício do poder monopolista que viola os direitos reconhecidos como essenciais.
Há tempos, escrevi nas páginas de nossa brava e sobrevivente CartaCapital a respeito do relatório final da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa nomeada pelo Congresso dos Estados Unidos no imediato pós-Guerra. Concluído em 1947, o relatório advertia: existe uma razão inversamente proporcional entre a vasta influência da imprensa na atualidade e o tamanho do grupo que pode utilizá-la para expressar suas opiniões.
Enquanto a importância da imprensa para o povo aumentou enormemente com o seu desenvolvimento como meio de comunicação de massa, “diminuiu em grande escala a proporção de pessoas que podem expressar suas opiniões e ideias através da imprensa”.
O relatório procurou apontar “o que a sociedade tem direito de exigir de sua imprensa”. Definiu duas regras essenciais para o legítimo exercício da liberdade de informação e de opinião:
1. “Todos os pontos de vista importantes e todos os interesses da sociedade devem estar representados nos organismos de comunicação de massa”.
2. “É necessário que a imprensa dê uma ideia dos grupos que constituem a sociedade. Dizer a verdade a respeito de qualquer grupo social – sem excluir suas debilidades e vícios – inclui também reconhecer os seus valores, suas aspirações, seu caráter humano.”
As recomendações exaradas no relatório da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa refletem o espírito do tempo nos Estados Unidos e na Europa Ocidental: a aposta no aperfeiçoamento dos processos de controle democrático sobre o Estado e o poder privado. O trauma das duas guerras mundiais e da Grande Depressão saturou o ambiente intelectual dos anos 40 do século XX da rejeição ao mercado despótico e ao totalitarismo político.
O sociólogo Karl Mannheim, pensador representativo de sua época, escreveu em 1950 no livro Liberdade, Poder e Planejamento Democrático: “... não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder político.
Trataremos do poder econômico e administrativo, assim como do poder de persuasão que se manifesta através da religião, da educação e dos meios de comunicação de massa, tais como a imprensa, o cinema e a radiodifusão”. Para Mannheim, deve-se temer menos os governos, que podemos controlar e substituir, e muito mais os poderes privados que exercem sua influência no “interior” das sociedades capitalistas.
Na aurora do século XXI, as forças democráticas sobreviventes, os que ainda conseguem respirar no “admirável mundo novo” construído pelo capitalismo da finança e das fake newsmal conseguem defender o que restou dos direitos sociais e econômicos obtidos pelos subalternos no imediato pós-Guerra.
Os meios de comunicação empresariais nativos reivindicam a neutralidade e a isenção. Ingenuidade ou excesso de esperteza? O relatório de 1947 não advoga a neutralidade impossível, mas reconhece a disparidade de situações sociais e defende a diversidade de visões do mundo.
Compelida pela disputa de audiência a mídia contemporânea, não raro, é arrastada para o abismo da vulgaridade. O âncora do Jornal Nacional, William Bonner, conseguiu escapar, certa vez, de seu teleprompter: confessou que a grande mídia repercute e realimenta as simplificações e slogans no afã de manipular a “massa informe dos Homer Simpson”.
Para manter o status quo, os senhores da informação e da opinião empenham-se em abastardar as faculdades de compreensão dos indivíduos entregues à solidão em meio à bulha das multidões. No interior da sociedade de massa, a relação perversa entre a linguagem midiática e o desamparo dos indivíduos sem relações acolhedoras instiga a prática de tropelias e brutalidades. As boas intenções de Ricardo Gandour naufragam nas águas profundas e traiçoeiras da oligarquia colonial brasileira.
A defesa da liberdade de opinião e de informação é fundamental para a sobrevivência do espaço público democrático, mas incompatível com o controle social e político exercido pelos monopólios midiáticos.
Defende seus privilégios com eficiência crescente numa sociedade encantada pela “inversão” de significados e pelo ilusionismo da liberdade de escolha do indivíduo-consumidor. A censura da opinião e até do silêncio alheios, a intimidação sistemática, deve “aparecer” aos olhos do público consumidor como legítimo exercício dos direitos de opinar, de informar e de defender a comunidade.
Na onda de turbações que se seguiram à prisão do ex-presidente Lula, jornalistas foram hostilizados e agredidos por populares inconformados com o ocorrido. Sob a inspiração de Michael Schudson, Gandour assevera aos leitores da Folha que as “democracias precisam de uma imprensa desagradável”. Não há como discordar. Suspeito que os brasileiros sabem que a grande mídia brasileira é bastante agradável para uns e desagradável para outros. Resta saber quem são uns e outros.
O leitor atilado de CartaCapital há de julgar se, no Brasil, a liberdade de opinião e de informação vem se ampliando e favorecendo o esclarecimento dos cidadãos ou se transformando em seu contrário, num exercício do poder monopolista que viola os direitos reconhecidos como essenciais.
Há tempos, escrevi nas páginas de nossa brava e sobrevivente CartaCapital a respeito do relatório final da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa nomeada pelo Congresso dos Estados Unidos no imediato pós-Guerra. Concluído em 1947, o relatório advertia: existe uma razão inversamente proporcional entre a vasta influência da imprensa na atualidade e o tamanho do grupo que pode utilizá-la para expressar suas opiniões.
Enquanto a importância da imprensa para o povo aumentou enormemente com o seu desenvolvimento como meio de comunicação de massa, “diminuiu em grande escala a proporção de pessoas que podem expressar suas opiniões e ideias através da imprensa”.
O relatório procurou apontar “o que a sociedade tem direito de exigir de sua imprensa”. Definiu duas regras essenciais para o legítimo exercício da liberdade de informação e de opinião:
1. “Todos os pontos de vista importantes e todos os interesses da sociedade devem estar representados nos organismos de comunicação de massa”.
2. “É necessário que a imprensa dê uma ideia dos grupos que constituem a sociedade. Dizer a verdade a respeito de qualquer grupo social – sem excluir suas debilidades e vícios – inclui também reconhecer os seus valores, suas aspirações, seu caráter humano.”
As recomendações exaradas no relatório da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa refletem o espírito do tempo nos Estados Unidos e na Europa Ocidental: a aposta no aperfeiçoamento dos processos de controle democrático sobre o Estado e o poder privado. O trauma das duas guerras mundiais e da Grande Depressão saturou o ambiente intelectual dos anos 40 do século XX da rejeição ao mercado despótico e ao totalitarismo político.
O sociólogo Karl Mannheim, pensador representativo de sua época, escreveu em 1950 no livro Liberdade, Poder e Planejamento Democrático: “... não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder político.
Trataremos do poder econômico e administrativo, assim como do poder de persuasão que se manifesta através da religião, da educação e dos meios de comunicação de massa, tais como a imprensa, o cinema e a radiodifusão”. Para Mannheim, deve-se temer menos os governos, que podemos controlar e substituir, e muito mais os poderes privados que exercem sua influência no “interior” das sociedades capitalistas.
Na aurora do século XXI, as forças democráticas sobreviventes, os que ainda conseguem respirar no “admirável mundo novo” construído pelo capitalismo da finança e das fake newsmal conseguem defender o que restou dos direitos sociais e econômicos obtidos pelos subalternos no imediato pós-Guerra.
Os meios de comunicação empresariais nativos reivindicam a neutralidade e a isenção. Ingenuidade ou excesso de esperteza? O relatório de 1947 não advoga a neutralidade impossível, mas reconhece a disparidade de situações sociais e defende a diversidade de visões do mundo.
Compelida pela disputa de audiência a mídia contemporânea, não raro, é arrastada para o abismo da vulgaridade. O âncora do Jornal Nacional, William Bonner, conseguiu escapar, certa vez, de seu teleprompter: confessou que a grande mídia repercute e realimenta as simplificações e slogans no afã de manipular a “massa informe dos Homer Simpson”.
Para manter o status quo, os senhores da informação e da opinião empenham-se em abastardar as faculdades de compreensão dos indivíduos entregues à solidão em meio à bulha das multidões. No interior da sociedade de massa, a relação perversa entre a linguagem midiática e o desamparo dos indivíduos sem relações acolhedoras instiga a prática de tropelias e brutalidades. As boas intenções de Ricardo Gandour naufragam nas águas profundas e traiçoeiras da oligarquia colonial brasileira.
A defesa da liberdade de opinião e de informação é fundamental para a sobrevivência do espaço público democrático, mas incompatível com o controle social e político exercido pelos monopólios midiáticos.
Defende seus privilégios com eficiência crescente numa sociedade encantada pela “inversão” de significados e pelo ilusionismo da liberdade de escolha do indivíduo-consumidor. A censura da opinião e até do silêncio alheios, a intimidação sistemática, deve “aparecer” aos olhos do público consumidor como legítimo exercício dos direitos de opinar, de informar e de defender a comunidade.
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