Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Ainda que tenha obtido uma vitória respeitável, quando se considera o ambiente de guerra civil sem armas que define a situação política do país, a reeleição de Nicolás Maduro deve ser vista como uma oportunidade para o chavismo acumular forças e enfrentar adversários que planejam sua destruição por um golpe de Estado, num processo apocalíptico que já derrubou os governos de vários países vizinhos.
O sinal de advertência é fácil de enxergar. Se a oposição programou uma abstenção como forma de criar, já na apuração, um ambiente de descrédito contra Maduro, o chavismo tentou mobilizar forças que não corresponderam a seus apelos para garantir uma vitória mais expressiva. No comício final da campanha, Maduro anunciou a meta de conseguir 10 milhões de votos. Vinte e quatro horas antes da votação, o ministro das Comunas, Aristóbulo Istúriz, diminuiu o objetivo para 8 milhões. Durante o pleito, lideranças chavistas multiplicaram apelos públicos com a finalidade de reforçar o comparecimento.
O saldo final, 6,1 milhões de votos para Maduro, é um sucesso quando comparado com o desempenho minúsculo de concorrentes que não somaram 3 milhões de votos. Maduro recebeu apoio de 68% de todos os eleitores que foram as urnas no domingo – e isso não é pouca coisa.
Os números da abstenção não podem provocar ilusões, contudo.
É certo que eleitorado que foi às urnas tem o mesmo valor estatístico daquele que deu a vitória a Emmanuel Macron na França, a Donald Trump nos Estados Unidos ou Sebastião Piñera, no Chile. Mas nem Trump nem Macron nem Piñera enfrentam uma conjuntura de hostilidade tão áspera e dura quanto Maduro. Não tem um movimento golpista nos calcanhares, com apoio e liderança da primeira potência mundial. Em nenhum desses países, o regime – a Venezuela vive uma democracia sim senhor – está em risco. Tampouco a população enfrenta um cotidiano de guerra econômica e sabotagem, num quadro artificial de dor e sacrifício.
Não se pede esmola nas ruas de Caracas. Não há famílias que dormem na rua. Mas há um sofrimento que deixou milhões de eleitores chavistas em casa, impedindo uma vitória mais contundente de Maduro. Estas são as milhões de pessoas que necessitam de uma resposta urgente e ela terá de vir do palácio presidencial de Miraflores.
Maduro tem razão em fazer apelos contra o ódio e a divisão do país. A principal resposta terá de vir do governo – ou não virá. Cabe-lhe liderar, com medidas concretas, a reconstrução do país.
Não há muito a esperar de governos estrangeiros que nem aguardaram pela contagem final de votos para anunciar que não reconheciam uma vitória inquestionável de Maduro. Os esforços de pacificação nacional parecem condenados por antecipação, em função da postura de seus aliados locais, que têm outros compromissos e métodos.
Os mais ilustres sobreviventes e herdeiros do tradicional sistema de dominação política do país – aquele que elegeu pelo menos um presidente da República que era agente remunerado da CIA --, já desistiram de travar a luta política no campo democrático. Estão empenhados, 24 horas por dia, nos preparativos de um golpe de Estado, patrocinado pelos Estados Unidos, no qual pretendem administrar a carceragem a serviço das tropas estrangeiras de ocupação.
Cercado por dificuldades imensas, há um ponto a favor de Maduro, que precisa ser aproveitado.
As bases da economia estão melhores hoje do que há dois anos. Consolida-se a recuperação do preço do petróleo para a faixa de 70 dólares, contra 20 dólares em seu pior momento. É um imenso alívio, num país no qual a exportação do ouro negro gera mais de 90% das divisas disponíveis. Para a economista Paqualina Curcio Curcio, uma das principais estudiosas da guerra econômica, a conjuntura não poderia ser mais favorável para a aplicação de mudanças capazes de abrir uma nova etapa na economia do país. "As soluções estão colocadas. Resta saber se haverá vontade política de aproveitá-las" disse ela em entrevista ao 247.
Legítima em todos seus aspectos, ainda que adversários não queiram admitir, a vitória nas urnas dá fôlego a Maduro para tomar providências que estão na boca tanto de economistas como de muitos eleitores chavistas – um dos povos mais politizados que já conheci. Ali se encontra sua chance e oportunidade.
Num resumo das propostas em debate em Caracas, em programas de TV e conversas entre economistas, o horizonte envolve a construção de um pacto econômico para o país. A prioridade absoluta consiste na defesa da moeda nacional, tarefa que pode se iniciar com a ruptura de contratos milionários com operadores que se utilizam de recursos subsidiados para importação de medicamentos e outros produtos de primeira necessidade para investir na especulação contra o bolívar. Não há dúvida que será necessário enfrentar – inclusive com ação policial -- os atravessadores que comandam o mercado de alimentos e contrabandistas que têm a desfaçatez de manipular a oferta de gasolina no país que possui as maiores reservas de petróleo do planeta.
Como é óbvio, não será possível completar a tarefa sem um olhar para dentro do Estado, onde se abrigam esquemas de corrupção que lubrificam práticas condenáveis, que empobrecem a população e paralisam os investimentos.
Não parece fácil nem se imagina que poderia ser. É uma resposta que envolve uma mudança de postura política importante. Com uma tradição de negociação e conciliação de interesses que está mais presente nos métodos chavistas de governo do que se costuma admitir, parece inevitável enfrentar as forças encasteladas na defesa de privilégios e interesses que nada tem a ver com o futuro do país e da maioria dos venezuelanos. É isso ou a catástrofe.
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