Por Juarez Guimarães, no site Carta Maior:
Em uma série de cinco artigos escritos de dezembro de 2017 ao fim do primeiro trimestre de 2018, sob o título geral “A narrativa golpista e os caminhos para derrotá-la”, procurou-se criar um campo de análise da batalha política comunicativa em curso no Brasil desde o início da desestabilização do governo Dilma em 2015. Chamou-se de narrativa golpista a construção de unidade argumentativa que, ao mesmo tempo, formulava uma grande interpretação da crise brasileira, dos modos de enfrentá-la e do sentido de sua superação. Esta narrativa golpista havia sido a peça central de legitimação do golpe e da convergência de alianças políticas, midiáticas, empresariais nacionais e internacionais, judiciais que se fez em torno dela.
O primeiro artigo “A construção vitoriosa da narrativa do golpe” introduzia o conceito central de narrativa, de representação e de repertórios para analisar os principais momentos discursivos da construção político-midiática que organizou a crise do governo Dilma, a sua derrubada e a afirmação de um programa neoliberal de refundação do Estado brasileiro.
O segundo artigo foi construído em torno da pergunta “ Por que a narrativa golpista foi vitoriosa?”. Após contatar um déficit histórico da práxis comunicativa da esquerda brasileira, vinculava a construção de narrativas à construção da hegemonia, atualizando o conceito de poder comunicativo como a convergência de potência comunicativa, de potência persuasiva e de potência orgânica. Uma ampla convergência midiática, valendo-se da vantagem histórico-estrutural de poder comunicativo da direita neoliberal brasileira, havia construído o caminho da vitória.
O terceiro artigo “A narrativa golpista em crise versus Lula”, a partir de uma série de indicações de pesquisas de vários institutos, formulava que principalmente desde abril de 2017 a narrativa golpista vinha perdendo capacidade persuasiva, isto é, de convencer e criar adesão. Esta crise decorria do choque frontal com a realidade vivida pelos brasileiros - a crise econômica e a continuidade da corrupção contradizia abertamente as promessas do golpe – e com um melhor posicionamento crítico da mídia alternativa nas redes virtuais. Diante desta crise, apontava-se que a narrativa golpista buscava se reorganizar e se recentralizar identificando Lula como o inimigo central .
O quarto artigo “Lula versus Jornal Nacional” já procurava trabalhar a batalha política-comunicativa central entre a liderança de Lula, em claro reposicionamento e ascensão, e o Jornal Nacional, identificado como o grande instrumento do poder comunicativo, por sua potência comunicativa de ainda falar, com alguma credibilidade, para dezenas de milhões de brasileiros. Esta disputa já se dava em torno à condenação e à impugnação da candidatura de Lula à presidência da República, antecipadas no calendário do TRF-4.
O quinto artigo “ Uma reciclagem da narrativa golpista em crise?”procurava, no cenário da intervenção militar no Rio de janeiro e após o assassinato de Marielle Franco, identificar o modo como o Jornal Nacional procurava reciclar a narrativa de legitimação do governo Temer , dando mais centralidade ao tema da violência urbana, ao lado da corrupção. Após as denúncias casadas de corrupção de Temer e Aécio em 2017, o Jornal Nacional havia mantido uma certa distância crítica do governo Temer, protegendo-se do contágio de sua impopularidade, ao mesmo tempo em que procurava legitimar a caça à liderança de Lula com o mote “todos os políticos são corruptos” e “ a lei é para todos”. O artigo mostrava-se cético quanto á recuperação do poder persuasivo da narrativa golpista, encenada centralmente pelo Jornal Nacional.
O acompanhamento crítico sistemático do Jornal Nacional , que é feito apenas pontualmente pelas mídias alternativas da esquerda brasileira, permitiu conhecer melhor a estruturação editorial de sua narrativa. No agendamento: uma estilística da repetição, ocupando toda a cena da política com o tema da corrupção, tratada de um ponto de vista neoliberal, da segurança pública. No enquadramento: o tratamento dos temas da corrupção e da segurança são desvinculados de suas origens (o poder de corrupção dos grandes empresários, a crise a violenta desigualdade social) e tratados como um ataque á política, à esquerda e aos próprios direitos humanos. Na censura: temas que afligem os brasileiros como a crise econômica, o desemprego, uma das maiores crises sociais da história do Brasil não são tratados ou, quando são noticiados, têm um tratamento anódino ou de neutralização. No silenciamento: as vozes da oposição ao golpe, da esquerda, dos movimentos sociais, do clero e da intelectualidade progressista, dos grandes artistas e setores culturais, das muitas denúncias internacionais ao golpe são sistematicamente caladas. A narrativa se mantém, se atualiza e se refaz pela combinação destes quatro expedientes construindo diariamente, capítulo por capítulo, “uma grande novela farsa do Brasil”.
Ao mesmo tempo, este engajamento e a defesa de pontos de vista tão fortemente anti-populares, são protegidos por um investimento na imagem de “neutralidade jornalística”. O Jornal Nacional seria o grande guardião da luta contra a corrupção. As chamadas diárias para depoimentos populares no quadro “O Brasil que o povo quer” mostra que haveria ali um verdadeiro canal para as aspirações populares. O direito de resposta dos acusados seria garantido, embora sempre editados pelo locutor e em tempo mínimo. A cobertura é sóbria e procura sempre o apoio na voz de “especialistas” ( sempre neoliberais). É a voz da magistratura que condena Lula, não O Jornal Nacional: se o jornal O Globo fez editorial marcando posição pública em favor da prisão de Lula, o Jornal Nacional apenas fez a cobertura técnica jurídica do evento. O Jornal Nacional não apóia os políticos da coalizão golpista: apenas não dá centralidade ou neutraliza, personalizando, a sua profunda corrupção e o sentido anti-popular de seu programa.
Um a derrota parcial na condenação de Lula?
Como já havia se notado no terceiro artigo, todo o esforço de atualização e reciclagem da narrativa golpista em crise se fez em torno do anti-Lula. É que ele é a única voz pública no Brasil que fala também para dezenas de milhões contra o programa neoliberal do golpe. Um duelo de titãs, então, se deu entre a principal e única voz capaz de falar ainda massivamente em favor do programa neoliberal – as principais lideranças políticas do PSDB vivem hoje a maior rejeição de toda sua história – e esta outra voz caluniada, perseguida, presa, calada, mas que representa ainda a consciência história dos trabalhadores e dos pobres brasileiros em luta por seus direitos. Qual foi o resultado deste grande confronto no centro da cena política brasileira?
A análise da cobertura do Jornal Nacional evidencia que ele optou por jogar na retranca. Ele não mobilizou um discurso frontal do ódio, não apontou o dedo, não elevou a voz, não conclamou às ruas como havia feito na criação da cena do impeachment. O Jornal Nacional já havia feito, durante os últimos anos, uma campanha sistemática de acusação e difamação a Lula e de promoção do juiz Moro, que já o havia condenado em primeira instância. Agora, era a vez da “Justiça”!
A cobertura do julgamento do TRF-4 foi exaustiva e técnica, dando voz principalmente à promotoria e aos magistrados. A defesa de Lula não tinha voz mas seus argumentos resumidos pelo próprio locutor. A principal peça de resistência da defesa foi excluída: a acusação da parcialidade e do caráter político do julgamento. No momento decisivo da votação do STF, quando do julgamento da legalidade da prisão de Lula mesmo antes de concluído o trânsito em julgado, o Jornal Nacional noticiou e deu vazão ao ultimato dos generais que comandam o Exército ao STF. Mas não centralizou a edição aí. Ele simplesmente acompanhou a manobra de Carmen Lúcia que formou e consolidou uma maioria no STF em favor da prisão de Lula.
O Jornal Nacional valeu-se, em síntese, de quatro manobras editoriais. Não divulga as pesquisas que dão Lula com potência de vencer a disputa eleitoral da presidência no primeiro turno. A prisão de Lula é assim despolitizada. Em segundo lugar, o enquadramento do motivo da prisão - a propriedade do Triplex -, a relação disso com a corrupção da Petrobrás, os vídeos que mostram que a reforma não foi realizada, é Lava-jato: não há dúvida, polêmica ou incerteza. São censuradas todas as informações, depoimentos e razões que contrariem a acusação da Lava-Jato. Em terceiro lugar, Lula nunca teve a palavra, os advogados de defesa nunca tiveram a apalavra, ninguém da comunidade jurídica nacional ou internacional crítica jamais teve a palavra no Jornal Nacional. Assim como foram brutalmente censurados todos os amplos protestos internacionais e nacionais. Até o papa foi censurado, em sua solidariedade afirmada a Lula!
Este princípio de edição do julgamento de Lula – que prepara agora legitimação da decisão da impugnação de sua candidatura pelo TSE - tornou-se um dos temas centrais do Jornal Nacional neste ano de 2018: a cobertura extensiva, o endosso, a visibilidade e até a celebração do STF, ou de sua maioria, como o último guardião da luta “por uma nova ordem” sem corrupção.
Como se sabe, todas as pesquisas de opinião ou de cenários eleitorais indicam que a prisão de Lula, não alterou o seu potencial eleitoral vencedor, a sua capacidade de indicação de voto se impedido de candidatar, ao mesmo tempo em que os índices de confiança ou de imparcialidade nos órgãos do Judiciário brasileiro, inclusive de suas principais figuras públicas, mostram-se baixíssimos.
Não há dúvidas de que o Jornal Nacional foi derrotado em sua pretensão de minar a força da liderança política e da capacidade eleitoral de Lula. Ele continua no centro das esperanças dos que lutam contra o golpe e, ao mesmo, no centro do impasse da coalizão golpista em renovar a sua legitimidade nas eleições.
Mas seria incorreto julgar como inútil ou sem efeitos a potência comunicativa do Jornal Nacional. A rejeição a Lula, a menor de todos os políticos com expressão nacional, continua em um pouco mais de 50% dos eleitores; mesmo em simulações de segundo turno, sua projeção nunca mobiliza mais de 50% dos votos dos eleitores. Sua votação potencial continua desigualmente distribuída nas regiões, nos estratos de renda, nos grandes centros urbanos e periferias. Mesmo em sua derrota parcial, o Jornal Nacional continua reiterando sua capacidade de polarização e disputa de rumos da política brasileira.
Greve dos caminhoneiros: a edição do JN como direção política
A análise da cobertura do Jornal Nacional no episódio da greve dos caminhoneiros revela que, assim como nas manifestações de junho de 2013, mais do que uma cobertura ou uma opinião editorializada sobre os eventos, ali se testa e se constrói uma direção política para a direita neoliberal. O Jornal Nacional é um ator político, orgânico às forças políticas e econômicas do neoliberalismo, que propõe, organiza e forma ação política. Fica evidente que ele formou uma linha editorial e política no curso mesmo dos eventos, em sintonia direta com o núcleo político do governo Temer e da direção nacional do PSDB, em particular FHC.
No primeiro momento, o Jornal Nacional tratou a greve sem hostilidade, como legítimas as reivindicações, dando cobertura e até patrocinando e anunciando um acordo que, a princípio, era contestado apenas por uma minoria das lideranças dos caminhoneiros. Desde o início, especialistas (neoliberais) foram convocados para explicar e dar razão à política de preços de Parente na Petrobrás. Com a continuidade da greve e a paralisação do país que ela organizou, a linha de cobertura do Jornal Nacional foi a de mostrar os danos sociais da greve ( há notícias de que a cobertura até fraudulentamente criou cenas dramáticas e generalizou-as), de passar a noticiar a greve exclusivamente como um lock-out patronal e a legitimar a intervenção do exército e a punição judicial da paralisação. O motivo da greve – a ascensão do preço do diesel – saiu de cena. Agora, era só o discurso da ordem, a iniciativa de acordo promovido pelo governador de São Paulo e e o caos gerado.
Neste ínterim, o Jornal Nacional identificou forças bolsonaristas e pró- golpe militar na paralisação e introduziu a agenda da crítica à ideia de um golpe militar. Criou-se uma micro-agenda de “defesa da democracia”, mobilizando porta-vozes das forças políticas, inclusive o PT através do senador Humberto Campos (PE). Após o desfecho da greve, o Jornal Nacional fez uma apologia da gestão encerrada de Parente na Petrobrás e da necessidade de dar continuidade a ela.
Isto não é só uma edição, mas uma direção política que responde a uma crise imprevista e extrema, organizando o sentido de uma resposta. Neste trabalho de direção, o JN se fez nuclear e orgânico ao próprio governo: os ministros de Temer tinham amplo direito de fala no Jornal Nacional e a oposição zero.
Evidenciando a mudança de qualidade da crise econômica e social, do amadurecimento até um grau de saturação da impopularidade do governo Temer e de tudo que a ele se liga, a paralisação dos caminhoneiros é um marco. A cobertura do JN, nitidamente contrária aos caminhoneiros a partir do fracasso da primeira negociação parcial e insuficiente, ficou no ar, praticamente sem adesão: em pesquisa, cerca de 86% dos brasileiros, apenar de todas as dificuldades sofridas, continuava a apoiar os caminhoneiros e em uma proporção semelhante contrária à política de preços da Petrobrás apoiada pelo Globo. O que isto significa?
Da crise ao impasse da narrativa?
Se a noção de crise da narrativa golpista, visava jogar luz em sua dificuldade crescente de convencer, criar adesão, o juízo de um impasse desta narrativa procuraria evidenciar a sua dificuldade central em criar agora uma narrativa em torno das eleições de 2018 que consiga formar a opinião da maioria dos eleitores brasileiros.
Esta dificuldade é certamente orgânica ao campo político da coalizão golpista mas é vivida com uma certa autonomia pelo Jornal Nacional, que tem sido e é hoje, mais do que nunca, o principal instrumento de legitimação do golpe. É certamente uma situação extraordinária já que as lideranças nacionais do PSDB ou do PMDB sofrem hoje a maior rejeição em toda a sua história, nem emergiu ou se criou ainda outra liderança capaz de se construir como uma alternativa com credibilidade no campo da coalizão golpista. Além disso, o próprio mote do Jornal Nacional de que “todos os políticos são corruptos” retira credibilidade dos partidos, certamente do horário eleitoral gratuito, auto-reforçando o poder de voz do próprio Jornal Nacional no contexto.
Talvez desde o fim do regime militar, o Jornal Nacional não tenha empenhado tanto e exposto tanto a sua credibilidade. O seu engajamento e investimento no golpe foi total. E a desilusão da população, mesmo os que o apoiaram, cobra hoje o seu preço.
A partir deste juízo – o impasse da narrativa em se reciclar com credibilidade junto à maioria dos eleitores brasileiros -, poderiam ser formulados quatro hipóteses em um campo de previsão, a serem acompanhadas.
A primeira hipótese é justamente aquela que prevê que o Jornal Nacional dificilmente terá condições de puxar a legitimação de uma nova candidatura majoritária à presidência da República. O aprofundamento dramático da crise econômica e social, as divisões no campo golpista, a difícil situação inercial de Alckmin, o custo da legitimação da prisão de Lula, o tempo curto em um cenário de desilusão com a política e o próprio déficit de credibilidade do Jornal Nacional apontam nesta direção.
A segunda hipótese é que o Jornal Nacional continua, a partir de sua potência comunicativa, a dispor de um poder de intervenção crítico e destrutivo sobre as esquerdas e as candidaturas de oposição à coalizão golpista. A agenda Lava-jato, em particular sobre Lula e o PT, dispõem de um material para ser trabalhado no ambiente eleitoral, que, se não têm o poder de esmagar o PT como nas eleições municipais de 2016, podem certamente obstaculizar ou criar dificuldades para a sua construção majoritária.
A terceira hipótese é, que a partir de sua condição orgânica à coordenação e à inteligência da coalizão golpista, o Jornal Nacional pode certamente operar para favorecer a convergência de candidaturas neste campo e, inclusive, operar para destruir outras que estejam dificultando esta convergência. Este é claramente o caso da candidatura de Bolsonaro, cuja imagem pode ser certamente bastante minada por uma série ou uma concentração de denúncias do Jornal Nacional. Ele continua a ser, assim, um operador político de primeira grandeza na conjuntura.
A quarta hipótese, em coerência com as anteriores, é que as esquerdas e as forças de oposição ao golpe têm acumulado um grande potencial crítico e uma grande oportunidade para travar a batalha comunicativa com o Jornal Nacional. Este, em seu momento de máxima exposição de credibilidade e de impasse de narrativa, apresenta amplos flancos abertos à denúncia e desconstrução por uma mídia alternativa que seja capaz, com recursos inclusive virtuais na rede, com qualidade editorial mais além dos slogans, provar, documentar e demonstrar a farsa diária encenada pelo Jornal Nacional.
Em uma série de cinco artigos escritos de dezembro de 2017 ao fim do primeiro trimestre de 2018, sob o título geral “A narrativa golpista e os caminhos para derrotá-la”, procurou-se criar um campo de análise da batalha política comunicativa em curso no Brasil desde o início da desestabilização do governo Dilma em 2015. Chamou-se de narrativa golpista a construção de unidade argumentativa que, ao mesmo tempo, formulava uma grande interpretação da crise brasileira, dos modos de enfrentá-la e do sentido de sua superação. Esta narrativa golpista havia sido a peça central de legitimação do golpe e da convergência de alianças políticas, midiáticas, empresariais nacionais e internacionais, judiciais que se fez em torno dela.
O primeiro artigo “A construção vitoriosa da narrativa do golpe” introduzia o conceito central de narrativa, de representação e de repertórios para analisar os principais momentos discursivos da construção político-midiática que organizou a crise do governo Dilma, a sua derrubada e a afirmação de um programa neoliberal de refundação do Estado brasileiro.
O segundo artigo foi construído em torno da pergunta “ Por que a narrativa golpista foi vitoriosa?”. Após contatar um déficit histórico da práxis comunicativa da esquerda brasileira, vinculava a construção de narrativas à construção da hegemonia, atualizando o conceito de poder comunicativo como a convergência de potência comunicativa, de potência persuasiva e de potência orgânica. Uma ampla convergência midiática, valendo-se da vantagem histórico-estrutural de poder comunicativo da direita neoliberal brasileira, havia construído o caminho da vitória.
O terceiro artigo “A narrativa golpista em crise versus Lula”, a partir de uma série de indicações de pesquisas de vários institutos, formulava que principalmente desde abril de 2017 a narrativa golpista vinha perdendo capacidade persuasiva, isto é, de convencer e criar adesão. Esta crise decorria do choque frontal com a realidade vivida pelos brasileiros - a crise econômica e a continuidade da corrupção contradizia abertamente as promessas do golpe – e com um melhor posicionamento crítico da mídia alternativa nas redes virtuais. Diante desta crise, apontava-se que a narrativa golpista buscava se reorganizar e se recentralizar identificando Lula como o inimigo central .
O quarto artigo “Lula versus Jornal Nacional” já procurava trabalhar a batalha política-comunicativa central entre a liderança de Lula, em claro reposicionamento e ascensão, e o Jornal Nacional, identificado como o grande instrumento do poder comunicativo, por sua potência comunicativa de ainda falar, com alguma credibilidade, para dezenas de milhões de brasileiros. Esta disputa já se dava em torno à condenação e à impugnação da candidatura de Lula à presidência da República, antecipadas no calendário do TRF-4.
O quinto artigo “ Uma reciclagem da narrativa golpista em crise?”procurava, no cenário da intervenção militar no Rio de janeiro e após o assassinato de Marielle Franco, identificar o modo como o Jornal Nacional procurava reciclar a narrativa de legitimação do governo Temer , dando mais centralidade ao tema da violência urbana, ao lado da corrupção. Após as denúncias casadas de corrupção de Temer e Aécio em 2017, o Jornal Nacional havia mantido uma certa distância crítica do governo Temer, protegendo-se do contágio de sua impopularidade, ao mesmo tempo em que procurava legitimar a caça à liderança de Lula com o mote “todos os políticos são corruptos” e “ a lei é para todos”. O artigo mostrava-se cético quanto á recuperação do poder persuasivo da narrativa golpista, encenada centralmente pelo Jornal Nacional.
O acompanhamento crítico sistemático do Jornal Nacional , que é feito apenas pontualmente pelas mídias alternativas da esquerda brasileira, permitiu conhecer melhor a estruturação editorial de sua narrativa. No agendamento: uma estilística da repetição, ocupando toda a cena da política com o tema da corrupção, tratada de um ponto de vista neoliberal, da segurança pública. No enquadramento: o tratamento dos temas da corrupção e da segurança são desvinculados de suas origens (o poder de corrupção dos grandes empresários, a crise a violenta desigualdade social) e tratados como um ataque á política, à esquerda e aos próprios direitos humanos. Na censura: temas que afligem os brasileiros como a crise econômica, o desemprego, uma das maiores crises sociais da história do Brasil não são tratados ou, quando são noticiados, têm um tratamento anódino ou de neutralização. No silenciamento: as vozes da oposição ao golpe, da esquerda, dos movimentos sociais, do clero e da intelectualidade progressista, dos grandes artistas e setores culturais, das muitas denúncias internacionais ao golpe são sistematicamente caladas. A narrativa se mantém, se atualiza e se refaz pela combinação destes quatro expedientes construindo diariamente, capítulo por capítulo, “uma grande novela farsa do Brasil”.
Ao mesmo tempo, este engajamento e a defesa de pontos de vista tão fortemente anti-populares, são protegidos por um investimento na imagem de “neutralidade jornalística”. O Jornal Nacional seria o grande guardião da luta contra a corrupção. As chamadas diárias para depoimentos populares no quadro “O Brasil que o povo quer” mostra que haveria ali um verdadeiro canal para as aspirações populares. O direito de resposta dos acusados seria garantido, embora sempre editados pelo locutor e em tempo mínimo. A cobertura é sóbria e procura sempre o apoio na voz de “especialistas” ( sempre neoliberais). É a voz da magistratura que condena Lula, não O Jornal Nacional: se o jornal O Globo fez editorial marcando posição pública em favor da prisão de Lula, o Jornal Nacional apenas fez a cobertura técnica jurídica do evento. O Jornal Nacional não apóia os políticos da coalizão golpista: apenas não dá centralidade ou neutraliza, personalizando, a sua profunda corrupção e o sentido anti-popular de seu programa.
Um a derrota parcial na condenação de Lula?
Como já havia se notado no terceiro artigo, todo o esforço de atualização e reciclagem da narrativa golpista em crise se fez em torno do anti-Lula. É que ele é a única voz pública no Brasil que fala também para dezenas de milhões contra o programa neoliberal do golpe. Um duelo de titãs, então, se deu entre a principal e única voz capaz de falar ainda massivamente em favor do programa neoliberal – as principais lideranças políticas do PSDB vivem hoje a maior rejeição de toda sua história – e esta outra voz caluniada, perseguida, presa, calada, mas que representa ainda a consciência história dos trabalhadores e dos pobres brasileiros em luta por seus direitos. Qual foi o resultado deste grande confronto no centro da cena política brasileira?
A análise da cobertura do Jornal Nacional evidencia que ele optou por jogar na retranca. Ele não mobilizou um discurso frontal do ódio, não apontou o dedo, não elevou a voz, não conclamou às ruas como havia feito na criação da cena do impeachment. O Jornal Nacional já havia feito, durante os últimos anos, uma campanha sistemática de acusação e difamação a Lula e de promoção do juiz Moro, que já o havia condenado em primeira instância. Agora, era a vez da “Justiça”!
A cobertura do julgamento do TRF-4 foi exaustiva e técnica, dando voz principalmente à promotoria e aos magistrados. A defesa de Lula não tinha voz mas seus argumentos resumidos pelo próprio locutor. A principal peça de resistência da defesa foi excluída: a acusação da parcialidade e do caráter político do julgamento. No momento decisivo da votação do STF, quando do julgamento da legalidade da prisão de Lula mesmo antes de concluído o trânsito em julgado, o Jornal Nacional noticiou e deu vazão ao ultimato dos generais que comandam o Exército ao STF. Mas não centralizou a edição aí. Ele simplesmente acompanhou a manobra de Carmen Lúcia que formou e consolidou uma maioria no STF em favor da prisão de Lula.
O Jornal Nacional valeu-se, em síntese, de quatro manobras editoriais. Não divulga as pesquisas que dão Lula com potência de vencer a disputa eleitoral da presidência no primeiro turno. A prisão de Lula é assim despolitizada. Em segundo lugar, o enquadramento do motivo da prisão - a propriedade do Triplex -, a relação disso com a corrupção da Petrobrás, os vídeos que mostram que a reforma não foi realizada, é Lava-jato: não há dúvida, polêmica ou incerteza. São censuradas todas as informações, depoimentos e razões que contrariem a acusação da Lava-Jato. Em terceiro lugar, Lula nunca teve a palavra, os advogados de defesa nunca tiveram a apalavra, ninguém da comunidade jurídica nacional ou internacional crítica jamais teve a palavra no Jornal Nacional. Assim como foram brutalmente censurados todos os amplos protestos internacionais e nacionais. Até o papa foi censurado, em sua solidariedade afirmada a Lula!
Este princípio de edição do julgamento de Lula – que prepara agora legitimação da decisão da impugnação de sua candidatura pelo TSE - tornou-se um dos temas centrais do Jornal Nacional neste ano de 2018: a cobertura extensiva, o endosso, a visibilidade e até a celebração do STF, ou de sua maioria, como o último guardião da luta “por uma nova ordem” sem corrupção.
Como se sabe, todas as pesquisas de opinião ou de cenários eleitorais indicam que a prisão de Lula, não alterou o seu potencial eleitoral vencedor, a sua capacidade de indicação de voto se impedido de candidatar, ao mesmo tempo em que os índices de confiança ou de imparcialidade nos órgãos do Judiciário brasileiro, inclusive de suas principais figuras públicas, mostram-se baixíssimos.
Não há dúvidas de que o Jornal Nacional foi derrotado em sua pretensão de minar a força da liderança política e da capacidade eleitoral de Lula. Ele continua no centro das esperanças dos que lutam contra o golpe e, ao mesmo, no centro do impasse da coalizão golpista em renovar a sua legitimidade nas eleições.
Mas seria incorreto julgar como inútil ou sem efeitos a potência comunicativa do Jornal Nacional. A rejeição a Lula, a menor de todos os políticos com expressão nacional, continua em um pouco mais de 50% dos eleitores; mesmo em simulações de segundo turno, sua projeção nunca mobiliza mais de 50% dos votos dos eleitores. Sua votação potencial continua desigualmente distribuída nas regiões, nos estratos de renda, nos grandes centros urbanos e periferias. Mesmo em sua derrota parcial, o Jornal Nacional continua reiterando sua capacidade de polarização e disputa de rumos da política brasileira.
Greve dos caminhoneiros: a edição do JN como direção política
A análise da cobertura do Jornal Nacional no episódio da greve dos caminhoneiros revela que, assim como nas manifestações de junho de 2013, mais do que uma cobertura ou uma opinião editorializada sobre os eventos, ali se testa e se constrói uma direção política para a direita neoliberal. O Jornal Nacional é um ator político, orgânico às forças políticas e econômicas do neoliberalismo, que propõe, organiza e forma ação política. Fica evidente que ele formou uma linha editorial e política no curso mesmo dos eventos, em sintonia direta com o núcleo político do governo Temer e da direção nacional do PSDB, em particular FHC.
No primeiro momento, o Jornal Nacional tratou a greve sem hostilidade, como legítimas as reivindicações, dando cobertura e até patrocinando e anunciando um acordo que, a princípio, era contestado apenas por uma minoria das lideranças dos caminhoneiros. Desde o início, especialistas (neoliberais) foram convocados para explicar e dar razão à política de preços de Parente na Petrobrás. Com a continuidade da greve e a paralisação do país que ela organizou, a linha de cobertura do Jornal Nacional foi a de mostrar os danos sociais da greve ( há notícias de que a cobertura até fraudulentamente criou cenas dramáticas e generalizou-as), de passar a noticiar a greve exclusivamente como um lock-out patronal e a legitimar a intervenção do exército e a punição judicial da paralisação. O motivo da greve – a ascensão do preço do diesel – saiu de cena. Agora, era só o discurso da ordem, a iniciativa de acordo promovido pelo governador de São Paulo e e o caos gerado.
Neste ínterim, o Jornal Nacional identificou forças bolsonaristas e pró- golpe militar na paralisação e introduziu a agenda da crítica à ideia de um golpe militar. Criou-se uma micro-agenda de “defesa da democracia”, mobilizando porta-vozes das forças políticas, inclusive o PT através do senador Humberto Campos (PE). Após o desfecho da greve, o Jornal Nacional fez uma apologia da gestão encerrada de Parente na Petrobrás e da necessidade de dar continuidade a ela.
Isto não é só uma edição, mas uma direção política que responde a uma crise imprevista e extrema, organizando o sentido de uma resposta. Neste trabalho de direção, o JN se fez nuclear e orgânico ao próprio governo: os ministros de Temer tinham amplo direito de fala no Jornal Nacional e a oposição zero.
Evidenciando a mudança de qualidade da crise econômica e social, do amadurecimento até um grau de saturação da impopularidade do governo Temer e de tudo que a ele se liga, a paralisação dos caminhoneiros é um marco. A cobertura do JN, nitidamente contrária aos caminhoneiros a partir do fracasso da primeira negociação parcial e insuficiente, ficou no ar, praticamente sem adesão: em pesquisa, cerca de 86% dos brasileiros, apenar de todas as dificuldades sofridas, continuava a apoiar os caminhoneiros e em uma proporção semelhante contrária à política de preços da Petrobrás apoiada pelo Globo. O que isto significa?
Da crise ao impasse da narrativa?
Se a noção de crise da narrativa golpista, visava jogar luz em sua dificuldade crescente de convencer, criar adesão, o juízo de um impasse desta narrativa procuraria evidenciar a sua dificuldade central em criar agora uma narrativa em torno das eleições de 2018 que consiga formar a opinião da maioria dos eleitores brasileiros.
Esta dificuldade é certamente orgânica ao campo político da coalizão golpista mas é vivida com uma certa autonomia pelo Jornal Nacional, que tem sido e é hoje, mais do que nunca, o principal instrumento de legitimação do golpe. É certamente uma situação extraordinária já que as lideranças nacionais do PSDB ou do PMDB sofrem hoje a maior rejeição em toda a sua história, nem emergiu ou se criou ainda outra liderança capaz de se construir como uma alternativa com credibilidade no campo da coalizão golpista. Além disso, o próprio mote do Jornal Nacional de que “todos os políticos são corruptos” retira credibilidade dos partidos, certamente do horário eleitoral gratuito, auto-reforçando o poder de voz do próprio Jornal Nacional no contexto.
Talvez desde o fim do regime militar, o Jornal Nacional não tenha empenhado tanto e exposto tanto a sua credibilidade. O seu engajamento e investimento no golpe foi total. E a desilusão da população, mesmo os que o apoiaram, cobra hoje o seu preço.
A partir deste juízo – o impasse da narrativa em se reciclar com credibilidade junto à maioria dos eleitores brasileiros -, poderiam ser formulados quatro hipóteses em um campo de previsão, a serem acompanhadas.
A primeira hipótese é justamente aquela que prevê que o Jornal Nacional dificilmente terá condições de puxar a legitimação de uma nova candidatura majoritária à presidência da República. O aprofundamento dramático da crise econômica e social, as divisões no campo golpista, a difícil situação inercial de Alckmin, o custo da legitimação da prisão de Lula, o tempo curto em um cenário de desilusão com a política e o próprio déficit de credibilidade do Jornal Nacional apontam nesta direção.
A segunda hipótese é que o Jornal Nacional continua, a partir de sua potência comunicativa, a dispor de um poder de intervenção crítico e destrutivo sobre as esquerdas e as candidaturas de oposição à coalizão golpista. A agenda Lava-jato, em particular sobre Lula e o PT, dispõem de um material para ser trabalhado no ambiente eleitoral, que, se não têm o poder de esmagar o PT como nas eleições municipais de 2016, podem certamente obstaculizar ou criar dificuldades para a sua construção majoritária.
A terceira hipótese é, que a partir de sua condição orgânica à coordenação e à inteligência da coalizão golpista, o Jornal Nacional pode certamente operar para favorecer a convergência de candidaturas neste campo e, inclusive, operar para destruir outras que estejam dificultando esta convergência. Este é claramente o caso da candidatura de Bolsonaro, cuja imagem pode ser certamente bastante minada por uma série ou uma concentração de denúncias do Jornal Nacional. Ele continua a ser, assim, um operador político de primeira grandeza na conjuntura.
A quarta hipótese, em coerência com as anteriores, é que as esquerdas e as forças de oposição ao golpe têm acumulado um grande potencial crítico e uma grande oportunidade para travar a batalha comunicativa com o Jornal Nacional. Este, em seu momento de máxima exposição de credibilidade e de impasse de narrativa, apresenta amplos flancos abertos à denúncia e desconstrução por uma mídia alternativa que seja capaz, com recursos inclusive virtuais na rede, com qualidade editorial mais além dos slogans, provar, documentar e demonstrar a farsa diária encenada pelo Jornal Nacional.
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