segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Velha mídia dança a beira do abismo

Campo de concentração Dachau/
Por Antonio Barbosa Filho

Quando você entra no campo de concentração de Dachau, próximo a Munique, na primeira sala encontra uma espécie de pequena mesa, quase uma cela de cavalo, onde cada preso era forçado a se inclinar para levar chibatadas, apenas para saber que dali para frente não seria mais tratado como ser humano. Um por um, uma por uma.

Na mesma sala, vitrines exibem documentos e fotos de vários presos, naquele que foi o campo pioneiro, modelo depois copiado em dezenas de prisões por toda a Europa ocupada pelos nazistas. Vê-se logo que, pelos documentos e fichas expostos, os prisioneiros não eram apenas judeus. Na verdade, começaram pelos ciganos, depois intelectuais, depois sindicalistas e operários, depois os judeus. 

O nazismo cria inimigos a cada fase, inventando novo alvo tão logo os anteriores sejam eliminados. Boa parte dos prisioneiros era gente rica da sociedade alemã e européia. Os nazis usavam o poder de matar também para saquear as fortunas dos territórios ocupados. Nem banqueiros se salvavam da tortura e da morte, enquanto seus patrimônios eram tomados pelo Estado e distribuídos aos generais e oficiais do Füher.

Nem falo dos campos de extermínio, depois de 1940, como o complexo Auschwitz-Birkenau, na atual Polônia, onde a primeira medida era extrair os dentes de ouro, roubar relógios, óculos e tudo que tivesse algum valor (inclusive os cabelos, usados para fazerem trajes resistentes ao frio, cobertores e travesseiros para as tropas - fez-se até abajures de pele humana...). Em Birkenau chegavam os trens de transporte de gado, e os sobreviventes a fome e a viagens que duravam dias eram divididos em duas filas de quatro colunas. A frente ficava um oficial, como Mengele (médico que morreu no Brasil), separando com um bastão quem se prestava a escravidão dos que eram imediatamente levados, em fila, mães separadas de filhos, maridos de mulheres, etc, para as câmaras de gás e os fornos crematórios. 

Visitar esses monumentos à estupidez humana, que nem o Marquês de Sade pode imaginar, em sua loucura, deixa-nos descrentes de parte da Humanidade. Pior que isso é ver que tal parte dos seres humanos continua existindo e defendendo as mesmas crueldades. Parece uma doença hereditária, embora nem todo filho ou neto de nazista carregue esse diabólico DNA. A maldade se aprende, assim como a fraternidade.

Em Dachau, visitando o mausoléu às vítimas do Holocausto, inclusive alemães, encontrei excursão de crianças e uma professora explicou-me que todo alemão, enquanto estudante, tem que visitar ao menos dois campos do tipo, para aprender deste cedo sobre o passado criminoso que gerações anteriores tiveram. 

O que vemos hoje no Brasil é aterrador! Pessoas sem nenhuma cultura ou conhecimento histórico, manipuladas por campanhas de ódio persistentes (isso vem do Datena e até de antes, no rádio) simplesmente agem com o mesmo ódio ao semelhante, imunes a qualquer princípio civilizado. A violência verbal e até física, passam a ser tratadas como casos isolados, e dissolvem-se no noticiário como se fossem normais! A mídia, jornais, TV, rádios e internet não protestam, não levantam-se em defesa da civilidade que diferencia um país moderno de uma sociedade de canibais!
Vejo a Globo, a Folha, a Veja, as rádios Jovem Pan e Bandeirantes, para citar apenas os que lideram nossa estrutura de mídia familiar, monopólios capitalistas, tratarem um nazista como apenas um candidato a presidente do Brasil. Ele não é isso! Ele, se eleito, irá destruir o tecido social, e a própria mídia será sua vítima. Na ditadura não há espaço para a Verdade, ou para as verdades de cada setor de opinião. É a unanimidade sob pena de morte!
 
A própria ombusdman da Folha de S. Paulo, Paula Cesarino Costa, condena o tratamento que o jornal dá a Bolsonaro e seus falangistas, ao não expô-lo como um radical do terror: "A candidatura do PSL representa corrente política militarista com demonstrações explícitas de defesa da violação dos direitos humanos, de questionamento dos direitos das minorias, que nega a ditadura militar e a ocorrência comprovada de torturas e que mantém reiterados flertes à quebra da normalidade democrática. Esses pontos factuais somados parecem mais do que suficientes para definir uma candidatura como sendo de extrema direita".

Estamos a beira do abismo, como todos os juristas, analistas, intelectuais e partidos democráticos do mundo já perceberam. No Brasil também, os alertas são inúmeros, vindos de personalidades tão diferentes como Fernando Henrique Cardoso e Boulos, Caetano Veloso e Fábio Konder Comparato, e a lista seria infinita.
 
O que teriam a ganhar nossos conglomerados de mídia com um regime fascista, que lançará o Brasil numa guerra civil, já que a violência da extrema-direita (aí estatal e armada) causará a lógica reação e algum contra-ataque? Que vantagem haveria num isolamento internacional do Brasil, à la África do Sul aos tempos do apartheid? Que capitalista sério acredita em bons negócios num quadro tão instável e violento?
Há tempo (breve) para que a mídia cartelizada defenda-se e ao Brasil de um caos anunciado. Não se trata de abraçar Haddad ou o PT, mas de manter o quadro democrático onde a oposição será possível e republicana, como o foi nos longos anos de Lula/Dilma no poder do Estado.
 
Um valor mais alto se levanta, muito acima de nossas divergências: ou o Brasil aposta na democracia, ou os que hoje dançam a beira do precipício serão as primeiras vítimas do tombo sem fim.

* Antonio Barbosa Filho é jornalista e escritor, autor de "O Brasil na era dos imbecis - o discurso de ódio da Direita", 2012.

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