Por Paulo Kliass, no site Outras Palavras:
Anunciados os resultados do segundo turno do pleito presidencial, é natural que sejam aceleradas as tratativas e as negociações em torno da formatação da versão 1.0 do futuro governo do Capitão Bolsonaro. Por mais que estejamos a dois meses da posse, o novo presidente avança na definição de nomes estratégicos na composição ministerial. Além disso, precisa responder aos pleitos por cargos dos setores que o apoiaram no processo eleitoral e também atender às demandas dos atuais e, principalmente, dos futuros integrantes do Congresso Nacional.
Tendo em vista sua incapacidade de lidar com os temas complexos da agenda econômica, Bolsonaro terminou por aceitar a ascendência do economista conservador e ortodoxo Paulo Guedes. Guindado à condição de seu guru econômico, passou a ser chamado pelo então candidato como seu Posto Ipiranga. Alguma pergunta dos jornalistas ou interessados em assuntos de política econômica? Falem com o Paulo Guedes. E ponto final.
Ocorre que o diagnóstico daquele estudante, formado no mais monetarista dos centros universitários do mundo na década de 1970, a respeito da crise atual da economia brasileira pode se revelar como um verdadeiro tiro no pé do recém-eleito. Guedes obteve seu doutorado na Universidade de Chicago e parece ter orgulho em se exibir como um fiel seguidor daquele obtuso doutrinarismo até os dias de hoje. Sua aproximação com um candidato que apresenta um passado nacionalista poderia ser considerado até uma tremenda heresia, aos olhos do patrono Milton Friedman.
Guedes: monetarismo de raiz
Mas Guedes parece ter se imbuído de uma “missão” especial: converter Bolsonaro em um liberal de raiz, apesar da defesa que o militar sempre fez das empresas estatais na economia brasileira. Afinal, ele havia votado contra as privatizações e contra a entrega do Pré Sal, tal como sugerida por Temer. Além disso, na própria votação da Reforma da Previdência, quando o deputado havia se posicionado também contra a proposta do governo encaminhada por Meirelles.
O futuro dirá como será definido o sutil equilíbrio entre as duas posições: aquela da história de vida do futuro presidente e a de seu assessor especial para o conjunto de temas mais espinhosos da agenda governamental. O problema é que a combinação perversa de crise econômica aguda com uma assumida incapacidade do chefe do Executivo em lidar com o assunto tende a provocar a criação de monstrengos políticos e institucionais perigosos.
No caso concreto, trata-se da sugestão do pretendente em centralizar todo o poder de órgãos que lidem com a matéria. A História registra casos semelhantes, onde o resultado político, social e econômico foi desastroso. No início da década de 1980, o aprofundamento da crise externa e fiscal fez com que o general Figueiredo brindasse o economista Delfim Netto com o cargo informal de super ministro da economia, ainda que Ernane Galveas ainda permanecesse formalmente como o responsável pela pasta da Fazenda. A recessão só fez se aprofundar e contribuiu para acelerar a transição democrática logo à frente.
No início da década seguinte, a posse de Fernando Collor também se deu com a nomeação de uma superministra para a economia – Zélia Cardoso de Mello. No caso concreto, houve formalmente a fusão dos ministérios da Fazenda e do Planejamento. Os resultados não duraram um ano e a saída da onipotente mandatária da economia já antecipava, de certa forma, o início do impeachment que viria na sequência.
O risco da centralização autoritária
Pois agora Paulo Guedes propõe também a aglutinação de todos os poderes e órgãos de economia sob seu comando. A intenção inicial era promover a fusão de três ministérios: Fazenda, Planejamento e Desenvolvimento Industrial e Comércio. No entanto, ao que tudo indica, a pressão de setores empresariais temerosos dessa excessiva concentração teria deixado de fora da obsessão centralizadora essa última área.
Mas de toda maneira, Fazenda e Planejamento já são mais do que suficientes para uma hiperconcentração perigosa e inadequada. Só caem nessa canto de carochinha presidentes fracos e que não pretendem se envolver na necessária ponderação em assuntos cruciais, em especial nos momento de crise profunda como a atual. Afinal, a fusão concentra em uma única pessoa o poder sobre órgãos que devem estar separados, como o Tesouro Nacional e o Orçamento Federal. O superministro terá poder de nomeação e comando sobre os três gigantes financeiros do governo federal: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES. Além disso, permanecerão subordinados ao mesmo neoministro entidades estratégicas como o Banco Central, o Banco da Amazônia e o Banco do Nordeste.
Ao contrário do que pretendem vender os assessores e consultores especiais do financismo, não existem soluções mágicas para dramas econômicos. Basta ver o destino que foi dado ao projeto de tirar Dilma e colocar os “entendidos” do financismo no comando da Fazenda e do Banco Central. A dupla dinâmica de Meirelles & Goldfajn só fez aprofundar o desastre do austericídio. É importante sempre lembrarmos que a questão da economia passa por decisões de caráter político. Assim, deve caber ao Chefe do Executivo arbitrar os conflitos e as diferentes opiniões existentes na sociedade e na sua própria equipe.
Fugir da responsabilidade e delegar todo esse poder a uma pessoa completamente de fora da esfera política pode repetir o grave equívoco dos momentos anteriores de nossa História. Bolsonaro parece ter optado por esse caminho, considerado erroneamente como o “mais fácil”. A concentração extremada de poder é ainda mais grave se Guedes realmente conseguir fazer valer sua agenda maximalista na esfera econômica. Ele sempre se colocou favorável a favor de uma “solução total” para a privatização das empresas estatais e de uma Reforma da Previdência ainda mais extremada do que as maldades contidas na reforma de Temer.
Ainda que o governo consiga superar as dificuldades para aprovar as medidas no Congresso Nacional, é sabido que a superação da profunda crise econômica e social depende da recuperação do protagonismo do Estado como vetor impulsionador da atividade em todas as áreas da economia. A crença absoluta de Guedes no mito do Estado mínimo e a exaltação doutrinarista de um liberalismo radical de botequim não permitirá que o crescimento do PIB seja retomado em uma rota de sustentabilidade.
Ora, onze em cada dez economistas não vinculados ao sistema financeiro sabem que é urgente a revogação das amarras imposta pela EC 95, que incluiu na Constituição o congelamento dos gastos orçamentários por lonvinte gos anos. Não há governo que recupere credibilidade sem recursos para saúde, educação, segurança pública, previdência social, pagamento de pessoal, saneamento, assistência social, entre outros gastos fundamentais para tocar a máquina pública. E isso tudo sem mencionar os necessários e urgentes investimentos em expansão da rede de infraestrutura. Mas Guedes se coloca a favor da solução extremista também na seara fiscal.
Bolsonaro inicia a sua transição com uma proposta equivocada. A ideia de um superministério da economia se traduz em grave risco ao futuro do Brasil.
Anunciados os resultados do segundo turno do pleito presidencial, é natural que sejam aceleradas as tratativas e as negociações em torno da formatação da versão 1.0 do futuro governo do Capitão Bolsonaro. Por mais que estejamos a dois meses da posse, o novo presidente avança na definição de nomes estratégicos na composição ministerial. Além disso, precisa responder aos pleitos por cargos dos setores que o apoiaram no processo eleitoral e também atender às demandas dos atuais e, principalmente, dos futuros integrantes do Congresso Nacional.
Tendo em vista sua incapacidade de lidar com os temas complexos da agenda econômica, Bolsonaro terminou por aceitar a ascendência do economista conservador e ortodoxo Paulo Guedes. Guindado à condição de seu guru econômico, passou a ser chamado pelo então candidato como seu Posto Ipiranga. Alguma pergunta dos jornalistas ou interessados em assuntos de política econômica? Falem com o Paulo Guedes. E ponto final.
Ocorre que o diagnóstico daquele estudante, formado no mais monetarista dos centros universitários do mundo na década de 1970, a respeito da crise atual da economia brasileira pode se revelar como um verdadeiro tiro no pé do recém-eleito. Guedes obteve seu doutorado na Universidade de Chicago e parece ter orgulho em se exibir como um fiel seguidor daquele obtuso doutrinarismo até os dias de hoje. Sua aproximação com um candidato que apresenta um passado nacionalista poderia ser considerado até uma tremenda heresia, aos olhos do patrono Milton Friedman.
Guedes: monetarismo de raiz
Mas Guedes parece ter se imbuído de uma “missão” especial: converter Bolsonaro em um liberal de raiz, apesar da defesa que o militar sempre fez das empresas estatais na economia brasileira. Afinal, ele havia votado contra as privatizações e contra a entrega do Pré Sal, tal como sugerida por Temer. Além disso, na própria votação da Reforma da Previdência, quando o deputado havia se posicionado também contra a proposta do governo encaminhada por Meirelles.
O futuro dirá como será definido o sutil equilíbrio entre as duas posições: aquela da história de vida do futuro presidente e a de seu assessor especial para o conjunto de temas mais espinhosos da agenda governamental. O problema é que a combinação perversa de crise econômica aguda com uma assumida incapacidade do chefe do Executivo em lidar com o assunto tende a provocar a criação de monstrengos políticos e institucionais perigosos.
No caso concreto, trata-se da sugestão do pretendente em centralizar todo o poder de órgãos que lidem com a matéria. A História registra casos semelhantes, onde o resultado político, social e econômico foi desastroso. No início da década de 1980, o aprofundamento da crise externa e fiscal fez com que o general Figueiredo brindasse o economista Delfim Netto com o cargo informal de super ministro da economia, ainda que Ernane Galveas ainda permanecesse formalmente como o responsável pela pasta da Fazenda. A recessão só fez se aprofundar e contribuiu para acelerar a transição democrática logo à frente.
No início da década seguinte, a posse de Fernando Collor também se deu com a nomeação de uma superministra para a economia – Zélia Cardoso de Mello. No caso concreto, houve formalmente a fusão dos ministérios da Fazenda e do Planejamento. Os resultados não duraram um ano e a saída da onipotente mandatária da economia já antecipava, de certa forma, o início do impeachment que viria na sequência.
O risco da centralização autoritária
Pois agora Paulo Guedes propõe também a aglutinação de todos os poderes e órgãos de economia sob seu comando. A intenção inicial era promover a fusão de três ministérios: Fazenda, Planejamento e Desenvolvimento Industrial e Comércio. No entanto, ao que tudo indica, a pressão de setores empresariais temerosos dessa excessiva concentração teria deixado de fora da obsessão centralizadora essa última área.
Mas de toda maneira, Fazenda e Planejamento já são mais do que suficientes para uma hiperconcentração perigosa e inadequada. Só caem nessa canto de carochinha presidentes fracos e que não pretendem se envolver na necessária ponderação em assuntos cruciais, em especial nos momento de crise profunda como a atual. Afinal, a fusão concentra em uma única pessoa o poder sobre órgãos que devem estar separados, como o Tesouro Nacional e o Orçamento Federal. O superministro terá poder de nomeação e comando sobre os três gigantes financeiros do governo federal: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES. Além disso, permanecerão subordinados ao mesmo neoministro entidades estratégicas como o Banco Central, o Banco da Amazônia e o Banco do Nordeste.
Ao contrário do que pretendem vender os assessores e consultores especiais do financismo, não existem soluções mágicas para dramas econômicos. Basta ver o destino que foi dado ao projeto de tirar Dilma e colocar os “entendidos” do financismo no comando da Fazenda e do Banco Central. A dupla dinâmica de Meirelles & Goldfajn só fez aprofundar o desastre do austericídio. É importante sempre lembrarmos que a questão da economia passa por decisões de caráter político. Assim, deve caber ao Chefe do Executivo arbitrar os conflitos e as diferentes opiniões existentes na sociedade e na sua própria equipe.
Fugir da responsabilidade e delegar todo esse poder a uma pessoa completamente de fora da esfera política pode repetir o grave equívoco dos momentos anteriores de nossa História. Bolsonaro parece ter optado por esse caminho, considerado erroneamente como o “mais fácil”. A concentração extremada de poder é ainda mais grave se Guedes realmente conseguir fazer valer sua agenda maximalista na esfera econômica. Ele sempre se colocou favorável a favor de uma “solução total” para a privatização das empresas estatais e de uma Reforma da Previdência ainda mais extremada do que as maldades contidas na reforma de Temer.
Ainda que o governo consiga superar as dificuldades para aprovar as medidas no Congresso Nacional, é sabido que a superação da profunda crise econômica e social depende da recuperação do protagonismo do Estado como vetor impulsionador da atividade em todas as áreas da economia. A crença absoluta de Guedes no mito do Estado mínimo e a exaltação doutrinarista de um liberalismo radical de botequim não permitirá que o crescimento do PIB seja retomado em uma rota de sustentabilidade.
Ora, onze em cada dez economistas não vinculados ao sistema financeiro sabem que é urgente a revogação das amarras imposta pela EC 95, que incluiu na Constituição o congelamento dos gastos orçamentários por lonvinte gos anos. Não há governo que recupere credibilidade sem recursos para saúde, educação, segurança pública, previdência social, pagamento de pessoal, saneamento, assistência social, entre outros gastos fundamentais para tocar a máquina pública. E isso tudo sem mencionar os necessários e urgentes investimentos em expansão da rede de infraestrutura. Mas Guedes se coloca a favor da solução extremista também na seara fiscal.
Bolsonaro inicia a sua transição com uma proposta equivocada. A ideia de um superministério da economia se traduz em grave risco ao futuro do Brasil.
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