O criminalista Luís Francisco Carvalho Filho publica, hoje, na Folha, o patético retrato da submissão de Sérgio Moro ao faroeste defendido por Jair Bolsonaro para a questão da criminalidade.
Cada juiz criminal brasileiro está virtualmente obrigado a relevar os nada raros excessos policiais. Um ou outra exceção virá, talvez, quando a vítima da violência for de classe média e tiver visibilidade como pessoa, não como “elemento”.
Pior ainda é que uma grande parte da magistratura aderiu a ideia de que, agora, é “xerife”.
Moro ainda não chegou ao ponto de seu colega Witzel, que manda ” mirar na cabecinha e… fogo!”
Mas chegará.
*****
Ilegítima defesa
Luís Francisco Carvalho Filho, na Folha
Durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro (PSL) externou várias vezes o sentimento de que o policial tem mais medo do capa preta do que do bandido.
Capa preta é a visão caricata do juiz encarregado de decidir, a posteriori, de cabeça fria e de modo insensível, se o agente de segurança agiu ou não criminosamente em conflito armado.
O candidato prometeu projeto de lei para que policiais não sejam responsabilizados por “excessos”, se, por exemplo, após uma missão, “no dia seguinte, aparece gente morta com três, quatro tiros”.
Para agradar o presidente, ajudando-o a cumprir promessa eleitoral, ao mesmo tempo em que acena para a bancada da bala que atua no Congresso, Sergio Moro, apesar da origem capa preta, incluiu no projeto anticrime uma mexida imprópria no conceito de legítima defesa, tão clássico e enxuto.
Quer alterar o Código Penal para permitir o perdão do excesso doloso ou culposo decorrente de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
Policiais modulados por medo, surpresa e violenta emoção?
O profissionalismo policial aponta justamente para a direção oposta, estimulando reações destemidas, precisas e racionais na luta contra o crime.
Não é privilégio brasileiro a disputa em torno da punibilidade do agir repressivo.
Série de reportagens do site Vox, publicada em novembro, mostra que agentes norte-americanos matam muito mais do que agentes de outros países ricos e que não são frequentes, também nos EUA, processos, punições e encarceramento de policiais acusados de atitude racista ou abuso de poder.
A própria permissividade da posse de armas por civis resulta em percepções subjetivas de ameaça à integridade física de policiais e vítimas, ampliando o potencial de agressividade dos confrontos.
Para Sonia Sotomayor, indicada por Barack Obama para a Suprema Corte, o recente reconhecimento de uma imunidade qualificada para policial assassino do Arizona amplia a aceitação do postulado “atire primeiro e pense depois”.
O texto apresentado por Moro ao país, durante a internação médica do presidente da República, dá a todos (agentes policiais e pessoas comuns) a possibilidade de redução da pena ou perdão por eventuais excessos na defesa da integridade física própria ou alheia.
Mas o propósito é proteger agentes de segurança eventualmente arbitrários e reduzir o risco de interpretações judiciais adversas: deixa a polícia “trabalhar”, sinaliza o ministro da Justiça.
A proposta de Moro retira do capa preta e dá para o delegado de polícia o poder de relaxar a prisão do colega de trabalho, preso em flagrante por excesso doloso ou culposo em conflito armado ou em “risco iminente” de conflito armado, sem prejuízo da investigação cabível.
Se o pacote anticrime for implementado, haverá, de fato, mais rigor penal no Brasil.
Bolsonaro não prometeu “entupir a cadeia de bandidos”?
As cadeias já estão entupidas de bandidos e de miséria e, provavelmente, o número de prisioneiros crescerá.
A mensagem oficial tem um viés estrábico.
Corrupção policial - problema grave em muitos estados brasileiros - aparenta ser menos perigosa que corrupção política. O aumento da letalidade na ação repressiva não importa. O abuso de autoridade permanece impune.
O crime policial (da violência ao enriquecimento ilícito) não faz parte do pacote anticrime de Sergio Moro.
Na fantasia política de Bolsonaro, bandido merece morrer e policial não merece processo.
Luís Francisco Carvalho Filho, na Folha
Durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro (PSL) externou várias vezes o sentimento de que o policial tem mais medo do capa preta do que do bandido.
Capa preta é a visão caricata do juiz encarregado de decidir, a posteriori, de cabeça fria e de modo insensível, se o agente de segurança agiu ou não criminosamente em conflito armado.
O candidato prometeu projeto de lei para que policiais não sejam responsabilizados por “excessos”, se, por exemplo, após uma missão, “no dia seguinte, aparece gente morta com três, quatro tiros”.
Para agradar o presidente, ajudando-o a cumprir promessa eleitoral, ao mesmo tempo em que acena para a bancada da bala que atua no Congresso, Sergio Moro, apesar da origem capa preta, incluiu no projeto anticrime uma mexida imprópria no conceito de legítima defesa, tão clássico e enxuto.
Quer alterar o Código Penal para permitir o perdão do excesso doloso ou culposo decorrente de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
Policiais modulados por medo, surpresa e violenta emoção?
O profissionalismo policial aponta justamente para a direção oposta, estimulando reações destemidas, precisas e racionais na luta contra o crime.
Não é privilégio brasileiro a disputa em torno da punibilidade do agir repressivo.
Série de reportagens do site Vox, publicada em novembro, mostra que agentes norte-americanos matam muito mais do que agentes de outros países ricos e que não são frequentes, também nos EUA, processos, punições e encarceramento de policiais acusados de atitude racista ou abuso de poder.
A própria permissividade da posse de armas por civis resulta em percepções subjetivas de ameaça à integridade física de policiais e vítimas, ampliando o potencial de agressividade dos confrontos.
Para Sonia Sotomayor, indicada por Barack Obama para a Suprema Corte, o recente reconhecimento de uma imunidade qualificada para policial assassino do Arizona amplia a aceitação do postulado “atire primeiro e pense depois”.
O texto apresentado por Moro ao país, durante a internação médica do presidente da República, dá a todos (agentes policiais e pessoas comuns) a possibilidade de redução da pena ou perdão por eventuais excessos na defesa da integridade física própria ou alheia.
Mas o propósito é proteger agentes de segurança eventualmente arbitrários e reduzir o risco de interpretações judiciais adversas: deixa a polícia “trabalhar”, sinaliza o ministro da Justiça.
A proposta de Moro retira do capa preta e dá para o delegado de polícia o poder de relaxar a prisão do colega de trabalho, preso em flagrante por excesso doloso ou culposo em conflito armado ou em “risco iminente” de conflito armado, sem prejuízo da investigação cabível.
Se o pacote anticrime for implementado, haverá, de fato, mais rigor penal no Brasil.
Bolsonaro não prometeu “entupir a cadeia de bandidos”?
As cadeias já estão entupidas de bandidos e de miséria e, provavelmente, o número de prisioneiros crescerá.
A mensagem oficial tem um viés estrábico.
Corrupção policial - problema grave em muitos estados brasileiros - aparenta ser menos perigosa que corrupção política. O aumento da letalidade na ação repressiva não importa. O abuso de autoridade permanece impune.
O crime policial (da violência ao enriquecimento ilícito) não faz parte do pacote anticrime de Sergio Moro.
Na fantasia política de Bolsonaro, bandido merece morrer e policial não merece processo.
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