Por Celso Amorim, na revista CartaCapital:
Desde o agravamento da crise na Venezuela, com a autoproclamação do presidente da Assembleia Legislativa como chefe do Poder Executivo e seu precipitado reconhecimento por vários governos da região, liderados pelos Estados Unidos, a sensação que se tem é de que já se disse tudo (ou quase tudo) que precisava ser dito. No Brasil, o general Hamilton Mourão, então no exercício da Presidência da República, afirmou que nosso País não participaria de uma intervenção.
Seria uma posição prudente e coerente com a tradição diplomática brasileira de defesa do diálogo e solução pacífica dos conflitos. Infelizmente, as sábias palavras do general parecem não prevalecer ou ser interpretadas de maneira restrita ao uso direto da força.
Ao declarar que o governo brasileiro não só reconhece Juan Guaidó como vai apoiá-lo política e economicamente, o Brasil está, de fato, interferindo no conflito interno venezuelano. Mais do que isso. Como a história demonstra, o apoio “político e econômico” pode, a depender dos desdobramentos, arrastar a algum tipo de apoio militar.
Não se trata “apenas” do respeito a um princípio constitucional. Do ponto de vista pragmático, é preciso ter em conta que estamos falando de um país com extensa fronteira terrestre com o Brasil e que fornece energia a um estado da federação brasileira.
O engajamento ativo em favor de uma “mudança de regime” (pois é disso que se trata) expressou-se também na votação no Conselho da OEA, quando da frustrada tentativa de Washington de obter o endosso daquela organização. De maneira ainda mais triste – e conflitante com as atitudes do Brasil, que angariaram respeito internacional ao longo de décadas –, nossa delegação na ONU foi instruída a pronunciar um duro discurso de apoio a Guaidó e de condenação de Maduro na sessão aberta do Conselho de Segurança.
É impossível prever qual será o desenlace da crise. Pronunciamentos de militares de alto escalão, nestes primeiros dias desde a autoproclamação, indicariam que as Forças Armadas venezuelanas continuam fiéis ao governo de Nicolás Maduro. Mesmo que, hipoteticamente, venham a ocorrer cisões, é muito improvável que a oposição consiga derrubar o atual presidente sem derramamento de sangue. É, pois, no mínimo irresponsável, se falar, como tem ocorrido, de uma “transição” para um governo soi-disant democrático.
Essa linguagem nos faz lembrar das primeiras declarações sobre a Síria, quando Bashar El-Assad começou a ser contestado. Passada quase uma década e após a morte ou a fuga de milhões de sírios, a transição ainda não ocorreu. E aparentemente não ocorrerá. A pergunta inevitável é: queremos o mesmo na Venezuela?
Há ainda outro fator a considerar, que tem transparecido em entrevistas publicadas pela mídia internacional.
Até os venezuelanos que tem abandonado o país, premidos pelas circunstâncias econômicas e políticas, expressam um fundado ceticismo em relação aos objetivos de Washington.
A memória do golpe de 2002 ainda é fresca e as ações de bloqueio econômico, bem como as ameaças de uso da força (“todas as opções estão sobre a mesa”), não trazem tranquilidade e segurança para a maioria da população pobre, sempre relegada pela elite econômica local.
Desde os primórdios da Revolução cubana, nenhuma crise na América Latina se inseriu de maneira tão evidente e perigosa nas confrontações geopolíticas globais, o que se explica, em grande medida, por deter a Venezuela a maior reserva de petróleo do mundo, segundo as estimativas que se conhecem.
Uma guerra civil no nosso vizinho pode não ser o objetivo dos que defendem o apoio a Guaidó, mas pode ser a consequência inevitável de um encadeamento de fatos sobre os quais não se tem controle.
Em meio à “marcha da insensatez”, algumas vozes de cautela e sabedoria se têm feito ouvir. Do secretário-geral da ONU, António Guterres, ao presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, líderes importantes têm conclamado pela busca de uma solução pacífica por meio do diálogo. O Uruguai e os países do Caribe, ciosos defensores da não intervenção, se pronunciaram no mesmo sentido.
Ainda há esperança de que a racionalidade prevaleça.
Seria uma posição prudente e coerente com a tradição diplomática brasileira de defesa do diálogo e solução pacífica dos conflitos. Infelizmente, as sábias palavras do general parecem não prevalecer ou ser interpretadas de maneira restrita ao uso direto da força.
Ao declarar que o governo brasileiro não só reconhece Juan Guaidó como vai apoiá-lo política e economicamente, o Brasil está, de fato, interferindo no conflito interno venezuelano. Mais do que isso. Como a história demonstra, o apoio “político e econômico” pode, a depender dos desdobramentos, arrastar a algum tipo de apoio militar.
Não se trata “apenas” do respeito a um princípio constitucional. Do ponto de vista pragmático, é preciso ter em conta que estamos falando de um país com extensa fronteira terrestre com o Brasil e que fornece energia a um estado da federação brasileira.
O engajamento ativo em favor de uma “mudança de regime” (pois é disso que se trata) expressou-se também na votação no Conselho da OEA, quando da frustrada tentativa de Washington de obter o endosso daquela organização. De maneira ainda mais triste – e conflitante com as atitudes do Brasil, que angariaram respeito internacional ao longo de décadas –, nossa delegação na ONU foi instruída a pronunciar um duro discurso de apoio a Guaidó e de condenação de Maduro na sessão aberta do Conselho de Segurança.
É impossível prever qual será o desenlace da crise. Pronunciamentos de militares de alto escalão, nestes primeiros dias desde a autoproclamação, indicariam que as Forças Armadas venezuelanas continuam fiéis ao governo de Nicolás Maduro. Mesmo que, hipoteticamente, venham a ocorrer cisões, é muito improvável que a oposição consiga derrubar o atual presidente sem derramamento de sangue. É, pois, no mínimo irresponsável, se falar, como tem ocorrido, de uma “transição” para um governo soi-disant democrático.
Essa linguagem nos faz lembrar das primeiras declarações sobre a Síria, quando Bashar El-Assad começou a ser contestado. Passada quase uma década e após a morte ou a fuga de milhões de sírios, a transição ainda não ocorreu. E aparentemente não ocorrerá. A pergunta inevitável é: queremos o mesmo na Venezuela?
Há ainda outro fator a considerar, que tem transparecido em entrevistas publicadas pela mídia internacional.
Até os venezuelanos que tem abandonado o país, premidos pelas circunstâncias econômicas e políticas, expressam um fundado ceticismo em relação aos objetivos de Washington.
A memória do golpe de 2002 ainda é fresca e as ações de bloqueio econômico, bem como as ameaças de uso da força (“todas as opções estão sobre a mesa”), não trazem tranquilidade e segurança para a maioria da população pobre, sempre relegada pela elite econômica local.
Desde os primórdios da Revolução cubana, nenhuma crise na América Latina se inseriu de maneira tão evidente e perigosa nas confrontações geopolíticas globais, o que se explica, em grande medida, por deter a Venezuela a maior reserva de petróleo do mundo, segundo as estimativas que se conhecem.
Uma guerra civil no nosso vizinho pode não ser o objetivo dos que defendem o apoio a Guaidó, mas pode ser a consequência inevitável de um encadeamento de fatos sobre os quais não se tem controle.
Em meio à “marcha da insensatez”, algumas vozes de cautela e sabedoria se têm feito ouvir. Do secretário-geral da ONU, António Guterres, ao presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, líderes importantes têm conclamado pela busca de uma solução pacífica por meio do diálogo. O Uruguai e os países do Caribe, ciosos defensores da não intervenção, se pronunciaram no mesmo sentido.
Ainda há esperança de que a racionalidade prevaleça.
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