Por Ricardo Almeida, no site Sul-21:
A história é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue
Chico Buarque e Pablo Milanes
Os monstros saíram novamente do armário. Poderia ser mais uma história de ficção, se tudo não estivesse registrado em relatórios oficiais da CIA, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Comissão Nacional da Verdade. Seria uma viagem ao passado se aquela tragédia de 1964 não tivesse sido transformada numa grande farsa. Afinal, houve um golpe civil-militar no Brasil? Será que havia uma ameaça comunista em 1964? É preciso desmitificar essas narrativas dos militares de plantão e colocar argumentos baseados em fatos fáceis de comprovar (uma pesquisa rápida no Google) na ordem dos acontecimentos e nos seus devidos lugares.
Assim, este artigo propõe uma busca pela verdade por meio de 21 pequenas reflexões que possam contribuir para esclarecer as novas gerações, os mentirosos e os desmemoriados sobre os 21 anos de regime militar no Brasil:
1. O governo João Goulart foi derrubado com uma forte oposição no parlamento e na grande mídia da época (rádios e jornais) e com pouquíssima resistência popular. Goulart era um advogado proprietário de terras no Rio Grande do Sul e queria fazer no Brasil o que a Europa e os EUA já tinham realizado havia mais de 150 anos: fortalecimento da indústria nacional, reforma agrária para fixar as famílias no campo, aumentar e diversificar a produção de alimentos, redistribuição de renda, aprovação de uma legislação de caráter trabalhista, ampliação da oferta de educação gratuita e de qualidade, além de outras reformas burguesas e democráticas;
2. Um pouco antes, em 1959, a sociedade conservadora e conspiradora havia criado o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que teve dois braços de atuação política: a) a PROMOTION S/A, uma agência de publicidade encarregada de disseminar a propaganda política nas estações de rádio, jornais, revistas e canais de televisão; b) a Ação Democrática Popular (ADEP), encarregada de financiar as campanhas eleitorais e eleger os seus representantes nos legislativos e governos de todo o país. Os recursos provinham da CIA, de empresas multinacionais ou “nacionais” associadas ao capital estrangeiro. Em 1961, foi criado o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), que reunia a elite do empresariado brasileiro, diretores de empresas multinacionais, dirigentes das associações empresariais, militares, jornalistas, intelectuais, mulheres conservadoras e jovens tecnocratas;
3. Assim como nos dias atuais, para explorar o povo e vender as riquezas do país, essas organizações formaram o núcleo conspirador do golpe e utilizaram as bandeiras anticorrupção e de ameaça do comunismo, pois assim elas conseguiam desviar a atenção e amedrontar as pessoas que não estavam bem informadas sobre as disputas em curso. No final de 1963, estava formado um cenário de polarização política e o governo Goulart não conseguia aprovar mais nada no Congresso;
4. O partido que tinha a maior base eleitoral entre os operários urbanos e os pequenos e médios agricultores era o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), criado por Getúlio Vargas. O seu programa propunha principalmente o desenvolvimento industrial, a nacionalização dos recursos naturais e mais investimentos em educação pública;
5. A luta armada estava fora dos planos dos partidos de esquerda. Os dois partidos comunistas (PCB e PCdoB) defendiam uma revolução democrática burguesa e anti-imperialista no Brasil que, segundo alguns clássicos do marxismo, seria uma etapa necessária para a industrialização do país e assim criar uma classe operária, para depois lutar pelo socialismo;
6. O mundo vivia um período de Guerra Fria, com intensas disputas econômicas, diplomáticas e ideológicas entre os EUA e a URSS, e pela conquista de territórios;
7. Havia movimentos pela reforma agrária, como as Ligas Camponesas, no nordeste, e a entrega de títulos a agricultores sem terra, no Rio Grande do Sul. Também foram realizadas algumas estatizações de empresas norte-americanas, como foram os casos da Light, ITT, Bond and Share, entre outras;
8. Em 1962, o presidente João Goulart assinou a Lei da Remessa de Lucros, que limitava o envio do lucro das empresas estrangeiras para o exterior, mas a regulamentação da lei só ocorreu no início de 1964 (apenas dois meses antes do golpe);
9. A ditadura militar acabou com os partidos políticos, cassou 173 deputados e retirou os direitos políticos de 509 opositores e decretou uma forte censura à imprensa e às artes em geral. Foi criada a Operação Bandeirante (Oban), um centro de informações e investigações, e o DOI-Codi, um órgão de repressão (e tortura) à opositores políticos;
10. Foi implementada uma reforma educacional de conteúdo ideológico e tecnicista, tanto no ensino básico como no ensino superior. As universidades foram enquadradas no famigerado acordo MEC-USAID (United States Agency for International Development) que fragmentou as faculdades e perseguiu os estudantes que se organizavam para
resistir;
11. Milhares de pessoas foram exiladas, políticos, professores, militares e servidores públicos foram cassados e centenas de “opositores” foram mortos e “desaparecidos” pela ação de grupos militares e paramilitares;
12. A Rede Globo foi fundada um ano após o golpe e cumpriu um papel de padronização ideológica da “opinião pública”, em todo o território nacional;
13. As ações armadas de pequenos grupos de esquerda ocorreram bem depois do golpe, principalmente após 1969, quando os generais decretaram o Ato Institucional Nº 5, o AI-5 (em 1968), que acabou com todos os direitos civis constitucionais, proibindo reuniões, manifestações, revogando o habbeas corpus e permitindo prender sem um
devido processo legal;
14. Com o auxílio da CIA, os militares brasileiros exportaram golpes de Estado e métodos de tortura para outros países da América do Sul (Uruguai e Chile, em 1973, e Argentina, em 1976) e, apesar da farta documentação e provas, até hoje não foram condenados por estes crimes;
15. Os governos militares abriram as portas para a exploração das riquezas naturais do Brasil e dos demais países de Nuestramérica, para a implantação empresas multinacionais, com o objetivo de exportar a matéria-prima e se beneficiar de mão-de-obra barata;
16. A dívida do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI) cresceu vertiginosamente, com juros exorbitantes, pois o plano dos golpistas exigia investimentos em infraestrutura para a instalação de empresas estrangeiras e para tornar o país ainda mais dependente;
17. O general Golbery do Couto e Silva, por exemplo, um dos cérebros do regime militar, formulou a Doutrina de Segurança Nacional, que buscava o alinhamento do Brasil com os EUA e a luta contra o “inimigo interno”, criou o Serviço Nacional de Inteligência (SNI) e, por estranha coincidência, presidiu a filial da empresa norte-americana Dow Chemical para toda a América Latina, uma das maiores fabricantes de agrotóxicos do mundo. Só para ter uma ideia, em 2015, a Dow Chemical uniu-se à Du Pont, ampliando os seus negócios na área de plásticos e sementes, ultrapassando o faturamento da Monsanto;
18. As empresas brasileiras nas áreas de energia, da construção civil e do agronegócio foram a que mais enriqueceram, pois desde aquele tempo elas estiveram sintonizadas com a estratégia de dominação norte-americana;
19. Com a priorização do agronegócio, milhões de famílias foram expulsas do campo e formaram imensos cinturões de miséria nas pequenas, médias e grandes cidades. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2015), atualmente 84,72% da população brasileira vivem em áreas urbanas e apenas 15,28% vivem em áreas rurais. A região Sudeste possui o maior percentual de população urbana (93,14%) e a região Nordeste conta com o maior percentual de habitantes vivendo em áreas rurais (26,88%);
20. Os principais lemas dos governos militares eram “Exportar é o que importa!”, “Primeiro crescer para depois dividir” e “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Tratava-se de um plano internacional de dominação norte-americana, inserido num mundo que já estava se globalizando;
21. Com a crise internacional do petróleo, a partir de 1973, com a alta significativa no custo de vida, o arrocho salarial e a inflação fora de controle, e com a denúncia de vários casos de corrupção, o regime militar começou a perder apoio político-eleitoral em vários estados brasileiros. Apesar das diversas manobras casuísticas, foram obrigados a promover uma “distensão lenta, gradual e segura”: em 1979 houve uma anistia parcial (os militares envolvidos em tortura também foram anistiados), a volta dos exilados e a liberdade partidária, em 1985, a eleição de um governo civil, via colégio eleitoral (Congresso Nacional), em 1988, o fim da censura prévia, com a promulgação da nova Constituição Federal e eleições diretas para presidência da República somente em 1989, 25 anos após o golpe.
É importante reconhecer que no período militar houve um longo processo de industrialização (globalizada) no Brasil e que, contraditoriamente, na década de 70 e 80, intensificaram-se amplos movimentos de resistência operária e popular, de diversas organizações sindicais, estudantis, agrárias e profissionais que lutaram por melhores condições de vida, por justiça social e pela volta da democracia. Ao mesmo tempo, a juventude brasileira respirou ares de rebeldia vindos dos protestos contra a Guerra do Vietnã e do Festival de Woodstock, nos EUA, e das manifestações do Maio de 68, na França.
Existem diversos livros e uma farta documentação oficial que comprovam essas afirmações, mas é preciso remexer mais fundo no passado para combater os mal-intencionados, pois o golpe de 1964 não passou de um plano de dominação econômica, política e cultural do capitalismo internacional. Qualquer semelhança com os dias de hoje não é mera coincidência, pois ainda há uma orquestração por parte dos EUA, na qual a Rede Globo cumpre o seu papel ideológico estratégico e o STF foi transformado num enfeite institucional. No entanto, existem importantes diferenças: a sociedade civil está mais organizada, há uma intensa troca de informações em âmbito nacional e internacional, graças à internet, e existe uma forte resistência de vários países à violação dos direitos humanos e à apologia aos crimes de Estado.
Como as novas gerações possuem muito mais informações do que as que viveram em 1964 e a recente experiência democrática ainda está latente na memória do povo brasileiro, pode ser que ocorra uma multiplicação dessas reflexões nas reuniões familiares, nos condomínios, nas associações de bairros, nos sindicatos, nas organizações profissionais e nos diferentes coletivos. Se for assim, talvez num futuro próximo possamos deixar para trás mais um período triste da história do Brasil, e desta vez, quem sabe, com o julgamento e a condenação dos vendilhões da Pátria.
Para finalizar, é bom lembrar que o golpe civil-militar ocorreu no dia 1º de abril – Dia dos Bobos ou da Mentira – e não no dia 31 de março, como dizem as pessoas mal informadas. Em nenhum desses dias existe algo a ser comemorado, muito pelo contrário… Mas é preciso refletir junto a quem não viveu ou esqueceu este passado, sob pena de ficarmos preso a ele, mas também para nos libertarmos das mordaças, dos traumas e das mentiras que voltaram a ser repetidas.
P.S. Este artigo não tem a intenção de esgotar a reflexão sobre o golpe de 1964, e sim a de compartilhar um roteiro de pequenas memórias coletadas junto a um grupo de amigos e amigas, via Whatsapp. Está sendo publicado em memória do jornalista Vladimir Herzog, do metalúrgico Manuel Fiel Filho, do estudante Edson Luis de Lima Souto e de tantos outros brasileiros e brasileiras que foram assassinados e/ou permanecem “desaparecidos”.
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue
Chico Buarque e Pablo Milanes
Os monstros saíram novamente do armário. Poderia ser mais uma história de ficção, se tudo não estivesse registrado em relatórios oficiais da CIA, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Comissão Nacional da Verdade. Seria uma viagem ao passado se aquela tragédia de 1964 não tivesse sido transformada numa grande farsa. Afinal, houve um golpe civil-militar no Brasil? Será que havia uma ameaça comunista em 1964? É preciso desmitificar essas narrativas dos militares de plantão e colocar argumentos baseados em fatos fáceis de comprovar (uma pesquisa rápida no Google) na ordem dos acontecimentos e nos seus devidos lugares.
Assim, este artigo propõe uma busca pela verdade por meio de 21 pequenas reflexões que possam contribuir para esclarecer as novas gerações, os mentirosos e os desmemoriados sobre os 21 anos de regime militar no Brasil:
1. O governo João Goulart foi derrubado com uma forte oposição no parlamento e na grande mídia da época (rádios e jornais) e com pouquíssima resistência popular. Goulart era um advogado proprietário de terras no Rio Grande do Sul e queria fazer no Brasil o que a Europa e os EUA já tinham realizado havia mais de 150 anos: fortalecimento da indústria nacional, reforma agrária para fixar as famílias no campo, aumentar e diversificar a produção de alimentos, redistribuição de renda, aprovação de uma legislação de caráter trabalhista, ampliação da oferta de educação gratuita e de qualidade, além de outras reformas burguesas e democráticas;
2. Um pouco antes, em 1959, a sociedade conservadora e conspiradora havia criado o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que teve dois braços de atuação política: a) a PROMOTION S/A, uma agência de publicidade encarregada de disseminar a propaganda política nas estações de rádio, jornais, revistas e canais de televisão; b) a Ação Democrática Popular (ADEP), encarregada de financiar as campanhas eleitorais e eleger os seus representantes nos legislativos e governos de todo o país. Os recursos provinham da CIA, de empresas multinacionais ou “nacionais” associadas ao capital estrangeiro. Em 1961, foi criado o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), que reunia a elite do empresariado brasileiro, diretores de empresas multinacionais, dirigentes das associações empresariais, militares, jornalistas, intelectuais, mulheres conservadoras e jovens tecnocratas;
3. Assim como nos dias atuais, para explorar o povo e vender as riquezas do país, essas organizações formaram o núcleo conspirador do golpe e utilizaram as bandeiras anticorrupção e de ameaça do comunismo, pois assim elas conseguiam desviar a atenção e amedrontar as pessoas que não estavam bem informadas sobre as disputas em curso. No final de 1963, estava formado um cenário de polarização política e o governo Goulart não conseguia aprovar mais nada no Congresso;
4. O partido que tinha a maior base eleitoral entre os operários urbanos e os pequenos e médios agricultores era o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), criado por Getúlio Vargas. O seu programa propunha principalmente o desenvolvimento industrial, a nacionalização dos recursos naturais e mais investimentos em educação pública;
5. A luta armada estava fora dos planos dos partidos de esquerda. Os dois partidos comunistas (PCB e PCdoB) defendiam uma revolução democrática burguesa e anti-imperialista no Brasil que, segundo alguns clássicos do marxismo, seria uma etapa necessária para a industrialização do país e assim criar uma classe operária, para depois lutar pelo socialismo;
6. O mundo vivia um período de Guerra Fria, com intensas disputas econômicas, diplomáticas e ideológicas entre os EUA e a URSS, e pela conquista de territórios;
7. Havia movimentos pela reforma agrária, como as Ligas Camponesas, no nordeste, e a entrega de títulos a agricultores sem terra, no Rio Grande do Sul. Também foram realizadas algumas estatizações de empresas norte-americanas, como foram os casos da Light, ITT, Bond and Share, entre outras;
8. Em 1962, o presidente João Goulart assinou a Lei da Remessa de Lucros, que limitava o envio do lucro das empresas estrangeiras para o exterior, mas a regulamentação da lei só ocorreu no início de 1964 (apenas dois meses antes do golpe);
9. A ditadura militar acabou com os partidos políticos, cassou 173 deputados e retirou os direitos políticos de 509 opositores e decretou uma forte censura à imprensa e às artes em geral. Foi criada a Operação Bandeirante (Oban), um centro de informações e investigações, e o DOI-Codi, um órgão de repressão (e tortura) à opositores políticos;
10. Foi implementada uma reforma educacional de conteúdo ideológico e tecnicista, tanto no ensino básico como no ensino superior. As universidades foram enquadradas no famigerado acordo MEC-USAID (United States Agency for International Development) que fragmentou as faculdades e perseguiu os estudantes que se organizavam para
resistir;
11. Milhares de pessoas foram exiladas, políticos, professores, militares e servidores públicos foram cassados e centenas de “opositores” foram mortos e “desaparecidos” pela ação de grupos militares e paramilitares;
12. A Rede Globo foi fundada um ano após o golpe e cumpriu um papel de padronização ideológica da “opinião pública”, em todo o território nacional;
13. As ações armadas de pequenos grupos de esquerda ocorreram bem depois do golpe, principalmente após 1969, quando os generais decretaram o Ato Institucional Nº 5, o AI-5 (em 1968), que acabou com todos os direitos civis constitucionais, proibindo reuniões, manifestações, revogando o habbeas corpus e permitindo prender sem um
devido processo legal;
14. Com o auxílio da CIA, os militares brasileiros exportaram golpes de Estado e métodos de tortura para outros países da América do Sul (Uruguai e Chile, em 1973, e Argentina, em 1976) e, apesar da farta documentação e provas, até hoje não foram condenados por estes crimes;
15. Os governos militares abriram as portas para a exploração das riquezas naturais do Brasil e dos demais países de Nuestramérica, para a implantação empresas multinacionais, com o objetivo de exportar a matéria-prima e se beneficiar de mão-de-obra barata;
16. A dívida do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI) cresceu vertiginosamente, com juros exorbitantes, pois o plano dos golpistas exigia investimentos em infraestrutura para a instalação de empresas estrangeiras e para tornar o país ainda mais dependente;
17. O general Golbery do Couto e Silva, por exemplo, um dos cérebros do regime militar, formulou a Doutrina de Segurança Nacional, que buscava o alinhamento do Brasil com os EUA e a luta contra o “inimigo interno”, criou o Serviço Nacional de Inteligência (SNI) e, por estranha coincidência, presidiu a filial da empresa norte-americana Dow Chemical para toda a América Latina, uma das maiores fabricantes de agrotóxicos do mundo. Só para ter uma ideia, em 2015, a Dow Chemical uniu-se à Du Pont, ampliando os seus negócios na área de plásticos e sementes, ultrapassando o faturamento da Monsanto;
18. As empresas brasileiras nas áreas de energia, da construção civil e do agronegócio foram a que mais enriqueceram, pois desde aquele tempo elas estiveram sintonizadas com a estratégia de dominação norte-americana;
19. Com a priorização do agronegócio, milhões de famílias foram expulsas do campo e formaram imensos cinturões de miséria nas pequenas, médias e grandes cidades. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2015), atualmente 84,72% da população brasileira vivem em áreas urbanas e apenas 15,28% vivem em áreas rurais. A região Sudeste possui o maior percentual de população urbana (93,14%) e a região Nordeste conta com o maior percentual de habitantes vivendo em áreas rurais (26,88%);
20. Os principais lemas dos governos militares eram “Exportar é o que importa!”, “Primeiro crescer para depois dividir” e “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Tratava-se de um plano internacional de dominação norte-americana, inserido num mundo que já estava se globalizando;
21. Com a crise internacional do petróleo, a partir de 1973, com a alta significativa no custo de vida, o arrocho salarial e a inflação fora de controle, e com a denúncia de vários casos de corrupção, o regime militar começou a perder apoio político-eleitoral em vários estados brasileiros. Apesar das diversas manobras casuísticas, foram obrigados a promover uma “distensão lenta, gradual e segura”: em 1979 houve uma anistia parcial (os militares envolvidos em tortura também foram anistiados), a volta dos exilados e a liberdade partidária, em 1985, a eleição de um governo civil, via colégio eleitoral (Congresso Nacional), em 1988, o fim da censura prévia, com a promulgação da nova Constituição Federal e eleições diretas para presidência da República somente em 1989, 25 anos após o golpe.
É importante reconhecer que no período militar houve um longo processo de industrialização (globalizada) no Brasil e que, contraditoriamente, na década de 70 e 80, intensificaram-se amplos movimentos de resistência operária e popular, de diversas organizações sindicais, estudantis, agrárias e profissionais que lutaram por melhores condições de vida, por justiça social e pela volta da democracia. Ao mesmo tempo, a juventude brasileira respirou ares de rebeldia vindos dos protestos contra a Guerra do Vietnã e do Festival de Woodstock, nos EUA, e das manifestações do Maio de 68, na França.
Existem diversos livros e uma farta documentação oficial que comprovam essas afirmações, mas é preciso remexer mais fundo no passado para combater os mal-intencionados, pois o golpe de 1964 não passou de um plano de dominação econômica, política e cultural do capitalismo internacional. Qualquer semelhança com os dias de hoje não é mera coincidência, pois ainda há uma orquestração por parte dos EUA, na qual a Rede Globo cumpre o seu papel ideológico estratégico e o STF foi transformado num enfeite institucional. No entanto, existem importantes diferenças: a sociedade civil está mais organizada, há uma intensa troca de informações em âmbito nacional e internacional, graças à internet, e existe uma forte resistência de vários países à violação dos direitos humanos e à apologia aos crimes de Estado.
Como as novas gerações possuem muito mais informações do que as que viveram em 1964 e a recente experiência democrática ainda está latente na memória do povo brasileiro, pode ser que ocorra uma multiplicação dessas reflexões nas reuniões familiares, nos condomínios, nas associações de bairros, nos sindicatos, nas organizações profissionais e nos diferentes coletivos. Se for assim, talvez num futuro próximo possamos deixar para trás mais um período triste da história do Brasil, e desta vez, quem sabe, com o julgamento e a condenação dos vendilhões da Pátria.
Para finalizar, é bom lembrar que o golpe civil-militar ocorreu no dia 1º de abril – Dia dos Bobos ou da Mentira – e não no dia 31 de março, como dizem as pessoas mal informadas. Em nenhum desses dias existe algo a ser comemorado, muito pelo contrário… Mas é preciso refletir junto a quem não viveu ou esqueceu este passado, sob pena de ficarmos preso a ele, mas também para nos libertarmos das mordaças, dos traumas e das mentiras que voltaram a ser repetidas.
P.S. Este artigo não tem a intenção de esgotar a reflexão sobre o golpe de 1964, e sim a de compartilhar um roteiro de pequenas memórias coletadas junto a um grupo de amigos e amigas, via Whatsapp. Está sendo publicado em memória do jornalista Vladimir Herzog, do metalúrgico Manuel Fiel Filho, do estudante Edson Luis de Lima Souto e de tantos outros brasileiros e brasileiras que foram assassinados e/ou permanecem “desaparecidos”.
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