Por José Pascoal Vaz, no site Carta Maior:
Diz-se que o Ministro da Economia, Paulo Guedes, possui grandes conhecimentos como economista. Não tenho como duvidar se considerados os manuais tradicionais. Mas cabe perguntar o que consideramos ser o objetivo principal deste profissional. Até há pouco tempo, era bastante dizer que lhe cabia maximizar a utilização dos recursos, sempre escassos em função das necessidades.
Essa definição, sabe-se hoje, é muito incompleta, dada nossa abissal desigualdade social. Esta chamou minha atenção já no segundo ano do Curso de Economia, em 1966, na então FACECS, incorporada depois à UniSantos. Eu questionava o modelo de desenvolvimento que se projetava, de certa forma uma continuidade do de Juscelino, que privilegiava os investimentos que produzissem bens e serviços para as camadas elitizadas. Estávamos no início da ditadura que, ao chegar, encontrou o Brasil com enorme desigualdade social: Índice de Gini em 0,50 (em países de baixa desigualdade esse medidor fica ao redor de 0,25).
Éramos o 48º país do mundo em PIB. Ao fim do governo militar, estávamos no 8º lugar. Ou seja, ultrapassáramos 40 países de 1964 a 1985, dois países por ano, todo ano. Do ponto de vista econômico, evolução excelente. Mas a desigualdade, já péssima no início da ditadura, aumentara muito, tendo atingido Gini de 0,60 no seu final. Mesmo com a alegada “redemocratização”, a desigualdade brasileira se manteve no patamar dos piores países do mundo até o início dos anos 2000 (após o que, nos governos do PT, o Gini voltou para os seus 0,50, com viés de queda).
O povo brasileiro trabalhara muito naqueles 21 anos, mas produzindo o supérfluo (e sofisticado) para poucos e não o essencial (e simples) para todos, com o que o perfil de produção se afastou ainda mais do perfil das necessidades. É no descasamento destes perfis que está a essência da desigualdade social. E que fica explícita a exploração, com muitos trabalhando para poucos. É por causa desse descasamento que o funcionamento da sociedade - o metabolismo social - desregula, economia incluída, podendo destrambelhar de vez se deixado ao egoísmo sem limites inerente ao mercado. Reverter este quadro só é possível utilizando os escassos recursos nacionais de modo a priorizar as necessidades da maioria, aproximando, ainda que aos poucos, o perfil de produção ao perfil das necessidades (definir estas é outro importante problema político, mesmo entre os “necessitados”).
Guedes despreza a importância de um Estado forte e adequado para implementar políticas públicas que enfrentem as inconsequências do mercado. Só assim o metabolismo econômico e social funcionará com eficácia para a construção de uma Nação para todos. Ao entender que as decisões econômicas e sociais devem obedecer aos mecanismos de mercado, Guedes agrava o estado de nosso metabolismo. Desconsidera a maior falha do mercado que, ao ser balizamento para as decisões dos investidores/empreendedores, os leva a considerar a demanda efetiva existente, que se embasa na renda e riqueza brutalmente concentradas numa minoria que quer mais do muito de sofisticado e supérfluo de que já desfruta.
Com um metabolismo funcionando assim, agravando os conflitos éticos, é ingenuidade achar que se pode combater a violência com mais violência. Não que a pobreza em si seja violenta. Se o fosse, já estaríamos num mar de sangue. Mas a iniquidade (a desigualdade por vontade política) é sim geradora de conflitos crescentemente violentos, pois ela é, em si, a maior das violências dado que, sem ela, a pobreza não existiria no Brasil (já temos PIB per capita suficiente para propiciar bom padrão de vida para todos). Acresce que, sob o metabolismo da desigualdade, a produtividade da economia também desmorona, impedindo o crescimento e a geração de empregos, agravando os conflitos sociais e a violência.
Há tempos, muitos estudos, no Brasil e no mundo, demonstram à exaustão que quanto maior a desigualdade social pior é o funcionamento da sociedade em praticamente todos os segmentos. Guedes precisa agregar aos seus conhecimentos de economia a questão da influência negativa da desigualdade no funcionamento social. Crescer por crescer, Guedes, o câncer também cresce. O nosso poderá gerar, em breve, metástase explosiva.
* José Pascoal Vaz é economista e doutor em história econômica pela USP.
Diz-se que o Ministro da Economia, Paulo Guedes, possui grandes conhecimentos como economista. Não tenho como duvidar se considerados os manuais tradicionais. Mas cabe perguntar o que consideramos ser o objetivo principal deste profissional. Até há pouco tempo, era bastante dizer que lhe cabia maximizar a utilização dos recursos, sempre escassos em função das necessidades.
Essa definição, sabe-se hoje, é muito incompleta, dada nossa abissal desigualdade social. Esta chamou minha atenção já no segundo ano do Curso de Economia, em 1966, na então FACECS, incorporada depois à UniSantos. Eu questionava o modelo de desenvolvimento que se projetava, de certa forma uma continuidade do de Juscelino, que privilegiava os investimentos que produzissem bens e serviços para as camadas elitizadas. Estávamos no início da ditadura que, ao chegar, encontrou o Brasil com enorme desigualdade social: Índice de Gini em 0,50 (em países de baixa desigualdade esse medidor fica ao redor de 0,25).
Éramos o 48º país do mundo em PIB. Ao fim do governo militar, estávamos no 8º lugar. Ou seja, ultrapassáramos 40 países de 1964 a 1985, dois países por ano, todo ano. Do ponto de vista econômico, evolução excelente. Mas a desigualdade, já péssima no início da ditadura, aumentara muito, tendo atingido Gini de 0,60 no seu final. Mesmo com a alegada “redemocratização”, a desigualdade brasileira se manteve no patamar dos piores países do mundo até o início dos anos 2000 (após o que, nos governos do PT, o Gini voltou para os seus 0,50, com viés de queda).
O povo brasileiro trabalhara muito naqueles 21 anos, mas produzindo o supérfluo (e sofisticado) para poucos e não o essencial (e simples) para todos, com o que o perfil de produção se afastou ainda mais do perfil das necessidades. É no descasamento destes perfis que está a essência da desigualdade social. E que fica explícita a exploração, com muitos trabalhando para poucos. É por causa desse descasamento que o funcionamento da sociedade - o metabolismo social - desregula, economia incluída, podendo destrambelhar de vez se deixado ao egoísmo sem limites inerente ao mercado. Reverter este quadro só é possível utilizando os escassos recursos nacionais de modo a priorizar as necessidades da maioria, aproximando, ainda que aos poucos, o perfil de produção ao perfil das necessidades (definir estas é outro importante problema político, mesmo entre os “necessitados”).
Guedes despreza a importância de um Estado forte e adequado para implementar políticas públicas que enfrentem as inconsequências do mercado. Só assim o metabolismo econômico e social funcionará com eficácia para a construção de uma Nação para todos. Ao entender que as decisões econômicas e sociais devem obedecer aos mecanismos de mercado, Guedes agrava o estado de nosso metabolismo. Desconsidera a maior falha do mercado que, ao ser balizamento para as decisões dos investidores/empreendedores, os leva a considerar a demanda efetiva existente, que se embasa na renda e riqueza brutalmente concentradas numa minoria que quer mais do muito de sofisticado e supérfluo de que já desfruta.
Com um metabolismo funcionando assim, agravando os conflitos éticos, é ingenuidade achar que se pode combater a violência com mais violência. Não que a pobreza em si seja violenta. Se o fosse, já estaríamos num mar de sangue. Mas a iniquidade (a desigualdade por vontade política) é sim geradora de conflitos crescentemente violentos, pois ela é, em si, a maior das violências dado que, sem ela, a pobreza não existiria no Brasil (já temos PIB per capita suficiente para propiciar bom padrão de vida para todos). Acresce que, sob o metabolismo da desigualdade, a produtividade da economia também desmorona, impedindo o crescimento e a geração de empregos, agravando os conflitos sociais e a violência.
Há tempos, muitos estudos, no Brasil e no mundo, demonstram à exaustão que quanto maior a desigualdade social pior é o funcionamento da sociedade em praticamente todos os segmentos. Guedes precisa agregar aos seus conhecimentos de economia a questão da influência negativa da desigualdade no funcionamento social. Crescer por crescer, Guedes, o câncer também cresce. O nosso poderá gerar, em breve, metástase explosiva.
* José Pascoal Vaz é economista e doutor em história econômica pela USP.
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