Em todas as áreas, o presidente Jair Bolsonaro estimula o combate ao que ele associa à ideologia comunista, de esquerda, petista e autoriza a desconstrução de políticas públicas que estariam sob essa égide. O presidente que se coloca contra o exercício da política indicou para o Ministério do Meio Ambiente alguém contra a preservação ambiental; para o Incra alguém contra a reforma agrária, para os direitos humanos alguém contra a diversidade; para as relações exteriores alguém contra a cooperação, o diálogo e a soberania nacional. Para o MEC, a diretriz é desinvestir em educação e combater a “balbúrdia” do ensino público, mesmo que isso custe o fechamento de universidades e institutos federais. O primeiro indicado para o ministério, um olavista de carteirinha, mais trabalhou para desconstruir a pasta do que implementar uma política educacional.
Logo em 2 de janeiro, o Decreto nº 9.665 extinguiu a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase) e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) e criou uma subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, no âmbito da Secretaria de Educação Básica. Em 19 de março, a Portaria nº 244 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) instituiu comissão para analisar e intervir na elaboração das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O ministro Veléz Rodrígues deixou o cargo após três meses, com um legado – aí sim – de mais balbúrdia do que propostas.
O novo ministro, Abraham Weintraub, chegou com mais cautela, mas também não apresentou agenda e pautas que dialoguem com as demandas e os anseios da comunidade educacional. Recentemente deu declaração em favor da revisão dos livros didáticos adotados pelo MEC, os quais deveriam adotar uma versão “mais correta” da história, sobretudo em relação à ditadura militar, caracterizada por ele como um regime de exceção derivado de uma ruptura contrarrevolucionária. Sua experiência de atuação do mercado financeiro é outro aspecto preocupante, pois nos leva a crer que uma de suas tarefas no ministério seja justamente o aprofundamento da privatização e o favorecimento das corporações de ensino que têm crescido no Brasil e no mundo nos últimos anos. Essa visão privatista da educação foi contestada pelo manifesto de mais de 17 mil assinaturas em solidariedade aos sociólogos e à Sociologia no Brasil, o qual afirma que “o objetivo do ensino superior não é produzir ‘retornos imediatos’ sobre os investimentos. O objetivo do ensino superior deve sempre ser o de produzir uma sociedade educada e enriquecida que se beneficie dos esforços coletivos para a construção do conhecimento humano”.
As mais recentes novidades são o corte de R$ 5,8 bilhões no MEC e R$ 2,1 bilhões do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Estes integram o conjunto de contingenciamento de R$ 29,5 bilhões do orçamento da União, anunciado em 29 de março. O novo ministro da Educação anunciou ainda corte de 30% do orçamento de todas as universidades e institutos federais e o bloqueio de recursos, em especial de bolsas. Essas medidas são mais um indicativo de que o Ministério da Educação no Brasil está aí para… desconstruir a política educacional do país. O argumento da balbúrdia não para em pé. O ranking Times Higher Education, um dos mais importantes do mundo, incluiu 36 universidades brasileiras entre as 1.100 melhores instituições do planeta em 2018. Comparado com os demais países de renda média, o Brasil ocupa posição de destaque. Entretanto, ainda que fosse válida a crítica sobre o mau desempenho das universidades em rankings internacionais, o caminho mais lógico não seria investir mais e investigar os gargalos de nosso sistema educacional e de pesquisa ao invés de cortar verbas?
Por tudo o que se passa, penso que o que está em jogo não é somente ou propriamente a disputa pelo modelo da universidade brasileira – se pública e gratuita ou privada; se mais voltada à pesquisa ou ao ensino e à extensão, por exemplo. Os ataques à educação são também ou sobretudo um ataque à ciência. A convivência de um ministro astronauta e de terraplanistas no atual governo é mais uma das várias contradições da administração Bolsonaro. Algumas das declarações que circulam por aí parecem jogar no lixo séculos de construção do campo científico que vem se estruturando, pelo menos, desde o Iluminismo.
Não à toa, Filosofia e Sociologia são alvos prioritários de Bolsonaro desde antes da campanha eleitoral de 2018. Essas e outras disciplinas do campo das Ciências Sociais discutem o social no seu mais amplo sentido – econômico, político, cultural, humano, tecnológico etc. Tensionam os princípios epistemológicos e as formas de interação entre ciência e sociedade. Note-se inclusive que teorias mais recentes debatem sobre a convivência entre distintas formas de conhecimento, ontologias e modos de existência no mundo. Porém, a aceitação e mesmo a valorização dessa diversidade não comprometem o estatuto da ciência como um tipo de conhecimento específico, com seu conjunto de pressupostos, métodos e práticas.
Conforme apontou o manifesto da associação Gender International a respeito dos cortes em Sociologia e Filosofia no Brasil, “as ciências sociais e as humanidades não são um luxo; pensar sobre o mundo e compreender nossas sociedades não devem ser privilégio dos mais ricos. Como acadêmicos dos mais diversos campos, estamos plenamente convencidos de que nossas sociedades, incluindo o Brasil, precisam de mais e não menos educação. A inteligência coletiva é tanto um recurso econômico quanto um valor democrático”.
Tendo em vista a gravidade do assunto e os prováveis desdobramentos para o progresso da ciência no Brasil, na quarta-feira, 8 de maio, o movimento #CiênciaOcupaBrasília lançou a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), com a presença de mais de sessenta entidades, sob a coordenação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Também na última semana vimos atos e reuniões nas universidades e nas ruas com protestos contra os cortes na educação. Dia 15 é dia de Greve Nacional na Educação, movimento apoiado por professores, estudantes e técnicos de todos os níveis educacionais do país. Nos juntamos pela defesa da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, direito garantido pelo artigo 206 da Constituição Federal. Mas sabemos que a disputa é árdua, pois tem adversários tão díspares como privatistas do ensino, defensores do Escola sem Partido e terraplanistas.
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