Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Num continente assaltado por movimentos conservadores e até fascistas, a vitória dos socialistas em Portugal merece ser festejada. Num dos primeiros países a enfrentar o ajuste da 'troika' que domina a política econômica européia desde a crise mundial de 2008, a vantagem maiúscula do PS sobre o PDS, principal partido da direita portuguesa, representa um voto claro a favor da resistência aos programas de austeridade e quebra de direitos.
Os portugueses também enviaram um sinal importante ao PS, porém. Na maior abstenção da história do país, de cada 100 eleitores, 45 simplesmente se recusaram a comparecer às urnas. Em resumo: se o PS conseguiu uma vitória indiscutível, com 36,6% dos votos, não foi capaz de receber o apoio da maioria absoluta dos eleitores. Na pura matemática, a principal opção eleitoral dos portugueses e portuguesas, ontem, foi a abstenção. Esse fato ilustra um resultado eleitoral com mais nuances do que se pode imaginar.
Embora a coalizão chamada "Geringonça" tenha recebido uma inegável aprovação nas urnas, a abstenção-recorde sinaliza um ambiente de frustração e descontentamento de uma parcela do eleitorado, inclusive camadas que por tradição e necessidade destinam seu voto à esquerda -- e que no domingo passado nem saíram de casa.
Uma reportagem anterior de Mickael Correa, publicada pelo Monde Diplomatique (edição 146, setembro de 2019), ajuda a entender as ambiguidades desta situação.
Desde 2015, quando os socialistas chegaram ao governo, foram tomadas medidas importantes para a recuperação do país. O salário mínimo se valorizou - subiu de 485 euros para 600 euros em 2019 -, o crescimento da economia atingiu o melhor nível em mais de uma década e o desemprego caiu de 12% para 6,3%.
São avanços inegáveis, mas que não foram acompanhados de medidas sociais correspondentes.
"A drástica queda do desemprego mascara, na verdade, os empregos de baixa remuneração e baixa qualificação", escreve Mickael Correa, sugerindo que o país está sendo transformado num reservatório de mão de obra barata. "Na linha de frente estão os jovens: 65% estão empregados em regime temporario, 10 pontos há mais do que há uma década".
Na vida social, um bom exemplo é o da moradia, que enfrenta um retrocesso alarmante. Durante o governo PDS, uma das exigências da Troika para liberar um empréstimo de 78 bilhões de euros consistiu na desregulamentação do mercado imobiliário. A medida transformou Portugal num paraíso de especuladores do mercado financeiro e turistas aptos a passar uma temporada no país.
Após um aumento de 3.000% no preço do aluguel turístico, Lisboa tornou-se a capital europeia com maior número de residências Airbnb por habitante. A contrapartida são despejos em massa, inclusive com apoio policial, que transformaram a defesa da moradia popular numa causa cada vez mais relevante no país.
O leitor que teve boa vontade para chegar até este parágrafo, já percebeu que aqui se descreve - de modo rudimentar - uma história semelhante à de diversos governos comprometidos com interesses dos trabalhadores e da maioria da população, em muitos países do mundo. Sabemos o fim desse filme, que pode ser resumido assim.
Ou o governo reeleito ontem se empenha em reconstruir as esperanças de uma imensa parcela de homens e mulheres que desta vez não se animaram a tomar o caminho das urnas no domingo. Ou o desânimo pode se transformar em desalento e, quem sabe, raiva. Aí, não haverá muito para se fazer.
Alguma dúvida?
Os portugueses também enviaram um sinal importante ao PS, porém. Na maior abstenção da história do país, de cada 100 eleitores, 45 simplesmente se recusaram a comparecer às urnas. Em resumo: se o PS conseguiu uma vitória indiscutível, com 36,6% dos votos, não foi capaz de receber o apoio da maioria absoluta dos eleitores. Na pura matemática, a principal opção eleitoral dos portugueses e portuguesas, ontem, foi a abstenção. Esse fato ilustra um resultado eleitoral com mais nuances do que se pode imaginar.
Embora a coalizão chamada "Geringonça" tenha recebido uma inegável aprovação nas urnas, a abstenção-recorde sinaliza um ambiente de frustração e descontentamento de uma parcela do eleitorado, inclusive camadas que por tradição e necessidade destinam seu voto à esquerda -- e que no domingo passado nem saíram de casa.
Uma reportagem anterior de Mickael Correa, publicada pelo Monde Diplomatique (edição 146, setembro de 2019), ajuda a entender as ambiguidades desta situação.
Desde 2015, quando os socialistas chegaram ao governo, foram tomadas medidas importantes para a recuperação do país. O salário mínimo se valorizou - subiu de 485 euros para 600 euros em 2019 -, o crescimento da economia atingiu o melhor nível em mais de uma década e o desemprego caiu de 12% para 6,3%.
São avanços inegáveis, mas que não foram acompanhados de medidas sociais correspondentes.
"A drástica queda do desemprego mascara, na verdade, os empregos de baixa remuneração e baixa qualificação", escreve Mickael Correa, sugerindo que o país está sendo transformado num reservatório de mão de obra barata. "Na linha de frente estão os jovens: 65% estão empregados em regime temporario, 10 pontos há mais do que há uma década".
Na vida social, um bom exemplo é o da moradia, que enfrenta um retrocesso alarmante. Durante o governo PDS, uma das exigências da Troika para liberar um empréstimo de 78 bilhões de euros consistiu na desregulamentação do mercado imobiliário. A medida transformou Portugal num paraíso de especuladores do mercado financeiro e turistas aptos a passar uma temporada no país.
Após um aumento de 3.000% no preço do aluguel turístico, Lisboa tornou-se a capital europeia com maior número de residências Airbnb por habitante. A contrapartida são despejos em massa, inclusive com apoio policial, que transformaram a defesa da moradia popular numa causa cada vez mais relevante no país.
O leitor que teve boa vontade para chegar até este parágrafo, já percebeu que aqui se descreve - de modo rudimentar - uma história semelhante à de diversos governos comprometidos com interesses dos trabalhadores e da maioria da população, em muitos países do mundo. Sabemos o fim desse filme, que pode ser resumido assim.
Ou o governo reeleito ontem se empenha em reconstruir as esperanças de uma imensa parcela de homens e mulheres que desta vez não se animaram a tomar o caminho das urnas no domingo. Ou o desânimo pode se transformar em desalento e, quem sabe, raiva. Aí, não haverá muito para se fazer.
Alguma dúvida?
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