Por Rodrigo Vianna, na revista Fórum:
O presidente perdeu tamanho e força durante o embate travado neste sábado (28), em Brasília. A reunião dele com a equipe do Ministério da Saúde foi tensa.
Fontes dentro do Palácio dizem que o ministro Henrique Mandetta ameaçou entregar o cargo se o presidente não voltasse atrás nas ideias esdrúxulas de “reabertura imediata do comércio” e de “isolamento vertical” da população brasileira (só idosos e pessoas com problemas de saúde ficariam em quarentena).
O presidente relutou. Mas foi enquadrado por ministros militares, que teriam alertado Bolsonaro: a demissão de Mandetta, em meio à crise que já provocou mais de cem mortes no país, passaria um sinal de descontrole e pânico.
A contragosto, Bolsonaro aceitou. E Mandetta foi então para uma entrevista coletiva em que contrariou o pronunciamento lunático de Bolsonaro da última terça-feira (24), quando o presidente voltara a classificar a epidemia de coronavírus como uma “gripezinha”.
Mandetta pediu que o país mantenha a quarentena. E fez mais: tratou com desdém o clã Bolsonaro e seus apoiadores mais radicais, ao afirmar que “não é hora de carreatas”. O presidente e os filhos passaram os últimos cinco dias incentivando desfiles de apoiadores, em carros de luxo, pedindo a “volta ao trabalho” e o fim da quarentena.
Uma fonte no Congresso, que já ocupou cargo importante na área de saúde e tem boa entrada junto a funcionários do Ministério, confirmou a este jornalista: “O ministro e os técnicos entregaram seus cargos e iriam anunciar a saída em bloco na coletiva. Os militares e os presidentes do Senado e da Câmara (ambos do DEM, mesmo partido de Mandetta) é que agiram nos bastidores e enquadraram Bolsonaro”.
Em resumo: Bolsonaro foi humilhado e enquadrado. Dentro do Palácio.
Os últimos dias não foram mesmo bons para o presidente.
As carreatas convocadas pelo bolsonarismo não repercutiram fora da bolha, sendo recebidas com vaias e xingamentos nas ruas. De quebra, governadores convocaram a polícia para impedir novos atos. A Justiça proibiu a campanha alucinada do “Brasil não pode parar”, bancada por Jair e seus filhos. Os prefeitos publicaram Carta pedindo a manutenção da quarentena. E a TV Globo também aprofundou uma cobertura jornalística que carimba no presidente o rótulo de irresponsável com a saúde pública.
São sinais claros de que o círculo se fecha.
Desde o dia 15, quando tomou a decisão aloprada de ir para a rua em manifestações públicas, convocadas com o país já sob risco da pandemia, Bolsonaro parece ter perdido ainda mais apoio entre seus antigos eleitores.
Doria (PSDB) e Caiado (DEM) romperam definitivamente com o presidente. Este último, governador de Goiás, além de médico e ruralista, manifestou, de forma veemente, a discordância com as ações de Bolsonaro na maior crise de saúde da história.
Mas nada se compara à humilhação de ter sido enquadrado. Dentro do Palácio. E de ser tutelado por militares, que já não consideram o presidente capaz de gerir a crise.
A imagem é a de um presidente que não governa.
Cenários
Diante do que ocorreu neste sábado, vejo três cenários possíveis:
1- Bolsonaro se recolhe, aceita ser rainha da Inglaterra, Mandetta toca a crise do coronavírus e Rodrigo Maia toca a agenda no Congresso; Bolsonaro preserva a base mais radical e, se sobreviver, tenta dar uma nova arrancada no segundo semestre;
2- Bolsonaro não aceita ser enquadrado e, rapidamente, tenta um contra-ataque, agravando a crise política; parece não ter força para isso em meio à quarentena; se tentar, avaliam alguns analistas, poderia sair do Palácio humilhado e até preso;
3- Bolsonaro negocia com militares agora, enquanto ainda tem patrimônio político, uma renúncia em troca de anistia branca aos filhos (todos eles enrolados em vários processos judiciais).
Uma personalidade conservadora racional acataria o cenário 1, partindo depois para o cenário 3 – a depender do avanço da crise sanitária.
Mas Bolsonaro não age pela razão. O mais provável é que ele finja se recolher para logo apostar no cenário 2, de confronto.
O risco seria o presidente conseguir rachar o Exército, levando para seu lado alguns generais que comandam tropas.
O comandante do Exército, general Pujol, parece costurar apoios para manter o oficialato numa postura de “garantir a ordem”, seguindo as recomendações das autoridades de saúde. Foi essa a linha de Pujol num vídeo gravado esta semana, em que ele sintomaticamente não cita Bolsonaro como líder diante da crise de saúde pública.
Bolsonaro conta ainda com apoios fortes nas PMs, no baixo oficialato militar, nas milícias, em franjas do empresariado, em setores importantes do movimento evangélico e nos grupos ultrarradicais de direita. O temperamento dele e dos filhos indica que pode, sim, tentar uma aventura golpista – que dificilmente terá êxito com a sociedade preocupada em enfrentar a pandemia. Mas isso poderia agravar o caos.
Um experiente parlamentar diz que um cenário intermediário não pode ser descartado: Bolsonaro não partiria agora para o tudo ou nada, mas seguiria na tentativa de apostar em confrontos para acumular forças: “Ele finge aceitar Mandetta, mas mantém a disputa verbal com governadores e prefeitos, mobilizando assim sua base. Se as mortes forem controladas (o que acho improvável), vai dizer que tinha razão. Se as mortes crescerem, vai botar culpa no ministro e nos governadores, e dizer que a restrição da economia é responsabilidade deles”.
Esse parlamentar diz ainda: “Não acredito em renúncia de Bolsonaro e acho muito difícil o andamento de um processo de impeachment”.
A única forma de Bolsonaro sair do poder, portanto, seria uma renúncia forçada e/ou negociada pelos militares. Mas para isso acontecer, o presidente teria que se desgastar mais, perdendo ainda mais apoios. A crise do coronavírus e as trapalhadas na área econômica podem acelerar esse processo.
Quanto menor, mais perigoso. Quanto mais perigoso, Jair Bolsonaro fica ainda menor.
O presidente perdeu tamanho e força durante o embate travado neste sábado (28), em Brasília. A reunião dele com a equipe do Ministério da Saúde foi tensa.
Fontes dentro do Palácio dizem que o ministro Henrique Mandetta ameaçou entregar o cargo se o presidente não voltasse atrás nas ideias esdrúxulas de “reabertura imediata do comércio” e de “isolamento vertical” da população brasileira (só idosos e pessoas com problemas de saúde ficariam em quarentena).
O presidente relutou. Mas foi enquadrado por ministros militares, que teriam alertado Bolsonaro: a demissão de Mandetta, em meio à crise que já provocou mais de cem mortes no país, passaria um sinal de descontrole e pânico.
A contragosto, Bolsonaro aceitou. E Mandetta foi então para uma entrevista coletiva em que contrariou o pronunciamento lunático de Bolsonaro da última terça-feira (24), quando o presidente voltara a classificar a epidemia de coronavírus como uma “gripezinha”.
Mandetta pediu que o país mantenha a quarentena. E fez mais: tratou com desdém o clã Bolsonaro e seus apoiadores mais radicais, ao afirmar que “não é hora de carreatas”. O presidente e os filhos passaram os últimos cinco dias incentivando desfiles de apoiadores, em carros de luxo, pedindo a “volta ao trabalho” e o fim da quarentena.
Uma fonte no Congresso, que já ocupou cargo importante na área de saúde e tem boa entrada junto a funcionários do Ministério, confirmou a este jornalista: “O ministro e os técnicos entregaram seus cargos e iriam anunciar a saída em bloco na coletiva. Os militares e os presidentes do Senado e da Câmara (ambos do DEM, mesmo partido de Mandetta) é que agiram nos bastidores e enquadraram Bolsonaro”.
Em resumo: Bolsonaro foi humilhado e enquadrado. Dentro do Palácio.
Os últimos dias não foram mesmo bons para o presidente.
As carreatas convocadas pelo bolsonarismo não repercutiram fora da bolha, sendo recebidas com vaias e xingamentos nas ruas. De quebra, governadores convocaram a polícia para impedir novos atos. A Justiça proibiu a campanha alucinada do “Brasil não pode parar”, bancada por Jair e seus filhos. Os prefeitos publicaram Carta pedindo a manutenção da quarentena. E a TV Globo também aprofundou uma cobertura jornalística que carimba no presidente o rótulo de irresponsável com a saúde pública.
São sinais claros de que o círculo se fecha.
Desde o dia 15, quando tomou a decisão aloprada de ir para a rua em manifestações públicas, convocadas com o país já sob risco da pandemia, Bolsonaro parece ter perdido ainda mais apoio entre seus antigos eleitores.
Doria (PSDB) e Caiado (DEM) romperam definitivamente com o presidente. Este último, governador de Goiás, além de médico e ruralista, manifestou, de forma veemente, a discordância com as ações de Bolsonaro na maior crise de saúde da história.
Mas nada se compara à humilhação de ter sido enquadrado. Dentro do Palácio. E de ser tutelado por militares, que já não consideram o presidente capaz de gerir a crise.
A imagem é a de um presidente que não governa.
Cenários
Diante do que ocorreu neste sábado, vejo três cenários possíveis:
1- Bolsonaro se recolhe, aceita ser rainha da Inglaterra, Mandetta toca a crise do coronavírus e Rodrigo Maia toca a agenda no Congresso; Bolsonaro preserva a base mais radical e, se sobreviver, tenta dar uma nova arrancada no segundo semestre;
2- Bolsonaro não aceita ser enquadrado e, rapidamente, tenta um contra-ataque, agravando a crise política; parece não ter força para isso em meio à quarentena; se tentar, avaliam alguns analistas, poderia sair do Palácio humilhado e até preso;
3- Bolsonaro negocia com militares agora, enquanto ainda tem patrimônio político, uma renúncia em troca de anistia branca aos filhos (todos eles enrolados em vários processos judiciais).
Uma personalidade conservadora racional acataria o cenário 1, partindo depois para o cenário 3 – a depender do avanço da crise sanitária.
Mas Bolsonaro não age pela razão. O mais provável é que ele finja se recolher para logo apostar no cenário 2, de confronto.
O risco seria o presidente conseguir rachar o Exército, levando para seu lado alguns generais que comandam tropas.
O comandante do Exército, general Pujol, parece costurar apoios para manter o oficialato numa postura de “garantir a ordem”, seguindo as recomendações das autoridades de saúde. Foi essa a linha de Pujol num vídeo gravado esta semana, em que ele sintomaticamente não cita Bolsonaro como líder diante da crise de saúde pública.
Bolsonaro conta ainda com apoios fortes nas PMs, no baixo oficialato militar, nas milícias, em franjas do empresariado, em setores importantes do movimento evangélico e nos grupos ultrarradicais de direita. O temperamento dele e dos filhos indica que pode, sim, tentar uma aventura golpista – que dificilmente terá êxito com a sociedade preocupada em enfrentar a pandemia. Mas isso poderia agravar o caos.
Um experiente parlamentar diz que um cenário intermediário não pode ser descartado: Bolsonaro não partiria agora para o tudo ou nada, mas seguiria na tentativa de apostar em confrontos para acumular forças: “Ele finge aceitar Mandetta, mas mantém a disputa verbal com governadores e prefeitos, mobilizando assim sua base. Se as mortes forem controladas (o que acho improvável), vai dizer que tinha razão. Se as mortes crescerem, vai botar culpa no ministro e nos governadores, e dizer que a restrição da economia é responsabilidade deles”.
Esse parlamentar diz ainda: “Não acredito em renúncia de Bolsonaro e acho muito difícil o andamento de um processo de impeachment”.
A única forma de Bolsonaro sair do poder, portanto, seria uma renúncia forçada e/ou negociada pelos militares. Mas para isso acontecer, o presidente teria que se desgastar mais, perdendo ainda mais apoios. A crise do coronavírus e as trapalhadas na área econômica podem acelerar esse processo.
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