Por Sonia Fleury e Paulo M. Buss, no site Outras Palavras:
Abastecimento de água, luz e coleta de lixo – Governos estaduais e locais devem usar seu poder legal para obrigar que as empresas concessionárias adequem o fornecimento de seus serviços imediatamente.
Preço do gás – Redução imediata do preço em 60%.
Fundo emergencial – Criação de fundos emergenciais estaduais e municipais, com recursos próprios, transferências da União, recursos do Sistema S e doações de empresários e da população, para serem usados em ações prioritárias definidas pelos comitês sanitários. Usar também os recursos destinados à merenda escolar e de outros serviços públicos que se encontrem paralisados.
Comitês sanitários – Em cada favela deve ser criado um comitê formado por técnicos do governo e da sociedade, como engenheiros, arquitetos, agentes de saúde, assistentes sociais e lideranças comunitárias, visando identificar as situações de maior vulnerabilidade em termos de moradias sem água, luz ou coleta de lixo, cômodos sem ventilação e com apenas um ponto de água para uso, pessoas com doenças e deficiências que exijam cuidados especiais, famílias em situação de fome e insegurança nutricional, dentre outras.
Levantamento dos recursos que a comunidade possui, como comunicadores comunitários, serviços de saúde e assistência social, escolas públicas e privadas, empreendimentos fabris e comerciais, coletivos e grupos de jovens etc. Definição de plano imediato de ação, com abertura de janelas, pontos de água, retirada de pessoas em situação de maior risco e sua alocação em hotéis, distribuição gratuita de cestas básicas e materiais de higiene e remédios, logística para transportar pacientes, dentre outros.
Testes em favelas – Priorizar em favelas a aplicação de testes para detecção de pessoas contaminadas e definição de estratégia de isolamento.
Comunicação – Utilizar os recursos da comunicação comunitária, de músicos e artistas locais, para mobilizar jovens, crianças e adultos para as medidas de prevenção, em especial a higiene e manutenção do isolamento.
Mobilização de recursos públicos e privados, com a requisição do uso de propriedades como hotéis e pousadas, espaços desocupados, empresas de transporte, distribuidoras de gás e outras, para atender às demandas locais.
Internet livre – Só será possível manter em isolamento os jovens e adultos se eles puderem ter acesso livre à internet, o que deve ser decretado, obrigando as empresas provedoras a liberação dos serviços nessas áreas.
Atividades escolares, culturais, religiosas e de exercícios físicos – Mobilização de professores, artistas, produtores culturais, religiosos e fisioterapeutas para desenvolverem programas de atividades para diferentes faixas etárias, disponibilizados pelo poder público com uso de meios privados e comunitários.
Fortalecer a atenção à saúde e à assistência – Reforço do SUS, com contratação de profissionais, treinamento e distribuição imediata de equipamentos de proteção para os profissionais, envolvendo agentes comunitários, profissionais do programa de saúde da família, assistentes dos CRAS e CREAS, unidades básicas e postos de saúde. Fortalecer a gestão do sistema de saúde, visando maior efetividade na transferência de pacientes para os hospitais e reduzindo a peregrinação e os riscos de contágio.
Enfim, a pandemia só pode ser enfrentada com mais SUS e mais democracia, ou seja, governo eficiente, transparente, respeitador da cidadania e dos direitos humanos, mobilizador da sociedade e distribuidor de recursos públicos para os que mais necessitam!
* Por Sonia Fleury é coordenadora do Dicionário de Favelas Marielle Franco do ICICT/FIOCRUZ (wikifavelas.com.br); Paulo M. Buss é professor emérito da Fiocruz; Membro Titular da Academia Nacional de Medicina.
A pandemia do Covid-19 chegou às favelas. Embora o vírus não discrimine por classe social ou raça, as condições socio-sanitárias serão determinantes para dizer quais estarão em melhores condições de sobreviver e quais estarão destinados a morrer.
Favelas e periferias enfrentarão a pandemia em condições mais adversas, decorrentes do descaso dos governos em prover condições adequadas de abastecimento de água, saneamento básico, coleta de lixo, habitação e urbanização, transporte público, atenção à saúde. Não se trata mais de falar na ausência de políticas públicas para esses territórios, mas de uma necropolítica, que condena ao extermínio pobres, negros e mestiços nas favelas.
Com a pandemia, torna-se imperioso que o poder público passe a coordenar ações estruturais e emergenciais que impeçam o extermínio massivo dessas populações. No entanto, autoridade não se confunde com autoritarismo e arbítrio, já que em situações de crises como essa, governantes são tentados a exacerbar o poder coercitivo, desrespeitando direitos humanos e sociais. Em uma pandemia o poder de coerção é fundamental, desde que a autoridade legítima atue em defesa da cidadania, compartilhando de forma transparente informações, mobilizando os recursos públicos e privados emergenciais e coordenando, de forma democrática e participativa, os esforços conjuntos para o enfrentamento da situação.
As favelas sofrem com um conjunto de carências, mas possuem enorme potência, no sentido de uma cultura de solidariedade, bem como um conjunto de organizações e atores: comunicadores, igrejas, templos e centros, associações de moradores, empresas locais e serviços, grupos musicais, coletivos de artistas e poetas.
Até recentemente o plano de contingência proposto para o combate à pandemia desconsiderou a realidade das favelas, com propostas voltadas à classe média, como isolamento social, trabalho em casa e medidas de higiene, circulação de ar, etc. impraticáveis em situações de falta de água, espaços insalubres e transporte coletivo em condições insuportáveis de aglomeração.
Agora que a mídia e as autoridades deram-se conta que a direção do contágio pode ser revertida, que medidas concretas precisam ser tomadas?
Favelas e periferias enfrentarão a pandemia em condições mais adversas, decorrentes do descaso dos governos em prover condições adequadas de abastecimento de água, saneamento básico, coleta de lixo, habitação e urbanização, transporte público, atenção à saúde. Não se trata mais de falar na ausência de políticas públicas para esses territórios, mas de uma necropolítica, que condena ao extermínio pobres, negros e mestiços nas favelas.
Com a pandemia, torna-se imperioso que o poder público passe a coordenar ações estruturais e emergenciais que impeçam o extermínio massivo dessas populações. No entanto, autoridade não se confunde com autoritarismo e arbítrio, já que em situações de crises como essa, governantes são tentados a exacerbar o poder coercitivo, desrespeitando direitos humanos e sociais. Em uma pandemia o poder de coerção é fundamental, desde que a autoridade legítima atue em defesa da cidadania, compartilhando de forma transparente informações, mobilizando os recursos públicos e privados emergenciais e coordenando, de forma democrática e participativa, os esforços conjuntos para o enfrentamento da situação.
As favelas sofrem com um conjunto de carências, mas possuem enorme potência, no sentido de uma cultura de solidariedade, bem como um conjunto de organizações e atores: comunicadores, igrejas, templos e centros, associações de moradores, empresas locais e serviços, grupos musicais, coletivos de artistas e poetas.
Até recentemente o plano de contingência proposto para o combate à pandemia desconsiderou a realidade das favelas, com propostas voltadas à classe média, como isolamento social, trabalho em casa e medidas de higiene, circulação de ar, etc. impraticáveis em situações de falta de água, espaços insalubres e transporte coletivo em condições insuportáveis de aglomeração.
Agora que a mídia e as autoridades deram-se conta que a direção do contágio pode ser revertida, que medidas concretas precisam ser tomadas?
Renda básica de cidadania – Imediata aplicação da Lei nº 10.835, que institui a renda básica de cidadania, com um valor emergencial de 70% do salário mínimo. Sendo de caráter universal, evitará demoras na sua aplicação, ou a exclusão dos informais e autônomos não relacionados no Cadastro Único do governo e que serão duramente afetados. Aqueles que quiserem renunciar à renda básica poderão destinar os recursos ao Fundo Nacional de Saúde.
Teto de gastos sociais – Revogação imediata da Emenda Constitucional 95/2016, o que já acarretou perda de mais de R$ 10 bilhões para o orçamento da saúde. O teto de gastos e o contingenciamento de despesas não produziram melhorias econômicas e têm levado à deterioração dos serviços públicos hospitalares e da atenção primária.
Comissão nacional – Criação de uma comissão nacional, envolvendo governos e cientistas, visando propor soluções de enfrentamento da pandemia e suas consequências, em suas múltiplas dimensões: saúde pública, investimentos em produtos essenciais ao combate, frentes de trabalho e emprego nas cidades, favelas e periferias, plano habitacional nacional, estadual e local, obras de saneamento básico, transporte, logística etc.
Plano de contingência em favelas e periferias – Apesar das semelhanças em termos de carências de infraestrutura, cada território é singular e possui uma sociedade local diferenciada. Portanto, não se deve falar de favela como um genérico, mas de favelas, com suas capacidades e necessidades. O plano de contingência deve envolver aspectos sanitários, urbanísticos, habitacionais, logísticos e de infraestrutura, dentre outros.
Teto de gastos sociais – Revogação imediata da Emenda Constitucional 95/2016, o que já acarretou perda de mais de R$ 10 bilhões para o orçamento da saúde. O teto de gastos e o contingenciamento de despesas não produziram melhorias econômicas e têm levado à deterioração dos serviços públicos hospitalares e da atenção primária.
Comissão nacional – Criação de uma comissão nacional, envolvendo governos e cientistas, visando propor soluções de enfrentamento da pandemia e suas consequências, em suas múltiplas dimensões: saúde pública, investimentos em produtos essenciais ao combate, frentes de trabalho e emprego nas cidades, favelas e periferias, plano habitacional nacional, estadual e local, obras de saneamento básico, transporte, logística etc.
Plano de contingência em favelas e periferias – Apesar das semelhanças em termos de carências de infraestrutura, cada território é singular e possui uma sociedade local diferenciada. Portanto, não se deve falar de favela como um genérico, mas de favelas, com suas capacidades e necessidades. O plano de contingência deve envolver aspectos sanitários, urbanísticos, habitacionais, logísticos e de infraestrutura, dentre outros.
Abastecimento de água, luz e coleta de lixo – Governos estaduais e locais devem usar seu poder legal para obrigar que as empresas concessionárias adequem o fornecimento de seus serviços imediatamente.
Preço do gás – Redução imediata do preço em 60%.
Fundo emergencial – Criação de fundos emergenciais estaduais e municipais, com recursos próprios, transferências da União, recursos do Sistema S e doações de empresários e da população, para serem usados em ações prioritárias definidas pelos comitês sanitários. Usar também os recursos destinados à merenda escolar e de outros serviços públicos que se encontrem paralisados.
Comitês sanitários – Em cada favela deve ser criado um comitê formado por técnicos do governo e da sociedade, como engenheiros, arquitetos, agentes de saúde, assistentes sociais e lideranças comunitárias, visando identificar as situações de maior vulnerabilidade em termos de moradias sem água, luz ou coleta de lixo, cômodos sem ventilação e com apenas um ponto de água para uso, pessoas com doenças e deficiências que exijam cuidados especiais, famílias em situação de fome e insegurança nutricional, dentre outras.
Levantamento dos recursos que a comunidade possui, como comunicadores comunitários, serviços de saúde e assistência social, escolas públicas e privadas, empreendimentos fabris e comerciais, coletivos e grupos de jovens etc. Definição de plano imediato de ação, com abertura de janelas, pontos de água, retirada de pessoas em situação de maior risco e sua alocação em hotéis, distribuição gratuita de cestas básicas e materiais de higiene e remédios, logística para transportar pacientes, dentre outros.
Testes em favelas – Priorizar em favelas a aplicação de testes para detecção de pessoas contaminadas e definição de estratégia de isolamento.
Comunicação – Utilizar os recursos da comunicação comunitária, de músicos e artistas locais, para mobilizar jovens, crianças e adultos para as medidas de prevenção, em especial a higiene e manutenção do isolamento.
Mobilização de recursos públicos e privados, com a requisição do uso de propriedades como hotéis e pousadas, espaços desocupados, empresas de transporte, distribuidoras de gás e outras, para atender às demandas locais.
Internet livre – Só será possível manter em isolamento os jovens e adultos se eles puderem ter acesso livre à internet, o que deve ser decretado, obrigando as empresas provedoras a liberação dos serviços nessas áreas.
Atividades escolares, culturais, religiosas e de exercícios físicos – Mobilização de professores, artistas, produtores culturais, religiosos e fisioterapeutas para desenvolverem programas de atividades para diferentes faixas etárias, disponibilizados pelo poder público com uso de meios privados e comunitários.
Fortalecer a atenção à saúde e à assistência – Reforço do SUS, com contratação de profissionais, treinamento e distribuição imediata de equipamentos de proteção para os profissionais, envolvendo agentes comunitários, profissionais do programa de saúde da família, assistentes dos CRAS e CREAS, unidades básicas e postos de saúde. Fortalecer a gestão do sistema de saúde, visando maior efetividade na transferência de pacientes para os hospitais e reduzindo a peregrinação e os riscos de contágio.
Enfim, a pandemia só pode ser enfrentada com mais SUS e mais democracia, ou seja, governo eficiente, transparente, respeitador da cidadania e dos direitos humanos, mobilizador da sociedade e distribuidor de recursos públicos para os que mais necessitam!
* Por Sonia Fleury é coordenadora do Dicionário de Favelas Marielle Franco do ICICT/FIOCRUZ (wikifavelas.com.br); Paulo M. Buss é professor emérito da Fiocruz; Membro Titular da Academia Nacional de Medicina.
0 comentários:
Postar um comentário