Por Jeferson Miola, em seu blog:
Reportagem do Intercept sobre contatos mantidos por comparsas de Adriano da Nóbrega com o presidente Bolsonaro após a execução do miliciano no interior da Bahia é uma revelação bombástica. Apesar disso, nenhum jornal ou TV da mídia dominante noticiou.
A morte do miliciano Adriano da Nóbrega em 3 de fevereiro de 2020 foi uma queima de arquivo. Ele foi morto num confronto com a Polícia Militar da Bahia, que o cercara com 70 policiais e poderia, perfeitamente, tê-lo rendido e capturado com vida. Mas aquela operação estava predestinada a executá-lo [aqui].
Em 12 de fevereiro de 2020, apenas 3 dias após a execução do Adriano, o então ministro da Justiça Sérgio Moro reconheceu que “A pessoa [Adriano] foi assassinada” [aqui e aqui].
O professor e pesquisador José Cláudio Souza Alves, autor de estudos sobre as origens das milícias e dos grupos de extermínio, afirmou que “não há plausibilidade na situação descrita pela polícia de que ele teria reagido, se ferido e acabado morto. Na minha visão, é uma operação suspeita”.
Para o professor da UFRRJ, “como o fator surpresa estava nas mãos dos investigadores, se o objetivo fosse prendê-lo, os policiais poderiam eleger o momento ideal para isso e fazer um cerco”. Ele suspeita, enfim, de queima de arquivo: “Por isso a suspeita de que a morte de Adriano é um desfecho deliberado, que a operação foi feita com essa intenção” [aqui].
Até certa etapa da vida, Adriano foi útil e funcional ao clã dos Bolsonaro. Inclusive recebeu medalhas, homenagens e honrarias parlamentares do Flávio e do Jair, e garantiu emprego para a mãe e esposa no gabinete do Flávio na Alerj.
Enquanto Fabrício Queiroz atuava como uma espécie de capataz, arrecadador e gerente-geral dos Bolsonaro, Adriano se desempenhava no braço “operacional”, de “geração de renda” e de lavagem de dinheiro do Escritório do Crime, milícia especializada em achacar comunidades do Rio no fornecimento de serviços de gás, internet, luz e em assassinatos de aluguel.
Adriano repassava dinheiro a Queiroz – leia-se, ao esquema do clã dos Bolsonaro. O MP/RJ rastreou pelo menos R$ 400 mil depositados por ele nas contas do Queiroz [aqui].
A participação do Adriano na concepção, preparação e execução do assassinato da Marielle Franco teria tido chances de ser elucidada, caso ele fosse capturado com vida.
O fato concreto é que Ronnie Lessa, assassino de Marielle – e, por coincidência, vizinho de poucos metros de distância de Carlos e Jair Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra – trabalhava como matador do Escritório do Crime.
Com a descoberta dos esquemas de corrupção e organização criminosa do Flávio na Alerj, Adriano – na época já foragido da polícia – passou a ser um incômodo para os Bolsonaro.
É intrigante que em dezembro de 2019 o então ministro Moro tenha excluído Adriano da lista de procura internacional da Interpol. Terá sido uma arapuca a serviço dos Bolsonaro para enganar o miliciano, levá-lo a relaxar as precauções na fuga para ser morto? [aqui].
Por uma destas frequentes coincidências que envolvem os Bolsonaro, no domingo da execução do Adriano, que coincidentemente ocorreu no sítio de um vereador do PSL, Eduardo Bolsonaro – também coincidentemente – visitava Salvador/BA pela 1ª vez [aqui]. Estaria o filho Zero2 supervisionando in loco a execução do serviço de queima de arquivo?
Para simular comoção perante a família do miliciano, Bolsonaro, mesmo sendo o presidente do país, chegou a dizer que “Adriano era um herói” [15/2/2020]. Em seguida [18/2/2020] Flávio Bolsonaro publicou um vídeo falso de um corpo necropsiado como se fosse de Adriano. Ele tinha o objetivo de simular indignação com suposta crueldade sofrida pelo “amigo-herói” sacrificado por PM’s [sic].
A reportagem do Intercept mostra diálogos de comparsas de Adriano com um interlocutor tratado como “Jair”, “HNI (PRESIDENTE)” e “cara da casa de vidro”. O MP/RJ não respondeu ao Intercept se o encerramento das escutas telefônicas autorizadas se deveu à citação de alguém com foro privilegiado, como Bolsonaro.
Mas, “para os investigadores, o conteúdo das novas transcrições sugere que a amizade entre o miliciano e o presidente não seria mera bravata entre os seus comparsas. Os Bolsonaro têm uma relação antiga com o ex-caveira”, diz a reportagem.
Coincidentemente, a investigação da vida e da morte do miliciano Adriano segue o mesmo padrão obscuro e clandestino de outros episódios que cruzam a vida do Bolsonaro, como aconteceu com os esquemas do Queiroz e o esconderijo dele na casa de Frederick Wassef, os 39Kg de cocaína no avião da FAB, a ultralucrativa franquia de chocolates, a compra da mansão em Brasília e outros negócios imobiliários, os terroristas que atentaram contra o Porta dos Fundos, a suposta facada do Adélio Bispo, o assassinato da Marielle, a gravação do interfone da portaria do Vivendas da Barra, o arsenal de 117 fuzis do Ronnie Lessa etc etc.
A reportagem lembra que “o MP do Rio levou 406 dias para denunciar parte da rede de apoio ao miliciano”. E afirma que a instituição somente agiu “após o Intercept ter revelado a disputa em torno dos bens do miliciano, em 19 de fevereiro deste ano”.
Matéria do jornal Zero Hora de abril de 2020 destaca que por ocasião da intervenção federal no Rio, na qual o general Braga Netto foi interventor, “o Exército conseguiu usufruir dos bancos de dados das polícias Civil e Militar fluminenses e também montou um mapa das ações criminais no Rio. Isso vale tanto para facções criminais convencionais (Comando Vermelho, Amigos dos Amigos e Primeiro Comando) como para as milícias paramilitares formadas por ex-policiais”.
A reportagem diz ainda que “não à toa, Braga Netto ganhou dos amigos a reputação de ter o CPF, nome e endereço de cada miliciano no Rio”.
Ora, é muito difícil acreditar que Braga Netto e os generais não soubessem dos vínculos do clã Bolsonaro não só com Queiroz, Adriano da Nóbrega e o Escritório do Crime, mas com o submundo do crime. Do mesmo modo, é impossível crer que ainda hoje os generais desconheçam os vínculos do clã com ilícitos [aqui].
O Brasil nunca tinha conhecido nível tão deplorável de rebaixamento como o legado pelos governo dos generais. A associação de Bolsonaro com o miliciano Adriano da Nóbrega e seus comparsas mostra que o Escritório do Crime ocupa o coração do poder.
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